Hipertensão arterial sistêmica

Mudança de paradigma no tratamento da hipertensão arterial?

Escrito por Eduardo Lapa

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Recentemente o trial SPRINT foi apresentado no congresso da AHA e publicado na New England. Qual a pergunta que o trial se propôs a responder? Vale a pena ter como alvo uma pressão sistólica inferior a 120 mmHg ao invés dos tradicionais 140 mmHg em pacientes com mais de 50 anos considerados como de risco cardiovascular elevado? O resultado do estudo foi positivo, sugerindo benefício. Vamos revisar os dados:

– 9361 pacientes avaliados durante período médio de 3,2 anos

– critérios de inclusão:

1- idade maior ou igual a 50 anos

2- PAS entre 130 e 180 mmHg

3- ser considerado como de risco cardiovascular elevado. Isto englobava: pacientes com doença cardiovascular (DCV) manifesta que não fosse AVCi, achados subclínicos de DCV (ex: estenose de carótida pelo usg com doppler), doença renal crônica com ClCr entre 20 e 60 mL/min pela fórmula do MDRD (foram excluídos pctes com rins policísticos), escore de Framingham > 15% em 10 anos ou idade > 75 anos

– Principais critérios de exclusão: DM e passado de AVCi. Por que motivo? Pelo fato de quando o trial estava sendo planejado já existirem trials específicos para avaliar a questão de meta pressórica nestas populações em andamento.

– Intervenção – grupo de tratamento intensivo almejava manter PAS inferior a 120 mmHg e o grupo de tratamento tradicional, entre 135 e 139 mmHg.

– desfecho primário – IAM + angina instável + AVC + descompensação de insuficência cardíaca + morte por causa cardiovascular.

– Resultado – o desfecho primário foi menor no grupo de tratamento intensivo. A cada 61 pacientes tratados durante o período médio do estudo (3,29 anos), um evento foi previnido. Também houve diminuição de mortalidade geral com NNT de 90 para o mesmo período. Como interpretar o NNT? Veja neste post de blog medicina baseada em evidências.

– Houve algum problema no grupo do tratamento intensivo? Sim. Juntando os problemas que causaram ida do paciente à emergência ou que foram considerados graves causando complicações fatais ou necessitaram de internação, observou-se aumento no grupo intensivo de:

1- hipotensão – NNH de 72 pacientes no seguimento médio do estudo

2- síncope – NNH 91

3- IRA com ou sem necessidade de diálise – NNH 56

4- Alterações eletrolíticas com hiponatremia e hipocalemia – NNH 100

Detalhe técnico – o estudo foi truncado, ou seja, interrompido antes do período inicialmente previsto. Para saber mais sobre estudos truncados, acesse este post do blog medicina baseada em evidências. Resumindamente, estudos truncados têm a tendência de superestimar o benefício de um tratamento mas neste caso específico, como houve um número de desfechos primários superior a 500, esta possiblidade fica mais remota.

Resumindo: Isto vai alterar os guidelines? Começo a aplicar os achados na minha prática clínica? O estudo possui sim o potencial de alterar as recomendações de guidelines e de mudar a conduta no consultório. Inclusive o autor principal do estudo faz parte do comitê organizador da próxima diretriz americana de HAS. Mas, antes de adotar a estratégia mais agressiva na prática, é preciso sempre ter em mente os critérios de inclusão e exclusão usados no estudo e as particularidades do seu paciente. Exemplo: paciente de 51 anos, mulher, HAS há 5 anos em uso de clortalidona 25 mg.d, mal aderente à medicação, com escore de framingham de 5%, sem outros fatores de risco e PA 136×74 mmHg. Veja, a paciente não preenche os critérios de inclusão do estudo por não ser considerada como de risco CV aumentado. O fato de ter um Framingham bem menor do que o usado no estudo (>15%) sugere que os benefícios que a paciente vai ter com o uso da medicação em termos absolutos (NNT) deve ser menor que o observado no SPRINT. Já os efeitos adversos das medicações continuam existindo. Além disso, a paciente é mal aderente à medicação e adotar uma estratégia mais intensiva provavelmente resultará em ter de associar uma segunda medicação. Resumindo, talvez não seja o caso ideal para realizar a estratégia do SPRINT.

O ideal, ao se deparar com um paciente similar ao avaliado no trial, seria conversar sobre os riscos e benefícios da estratégia intensiva e individualizar a decisão em conjunto com o paciente. Lembrar também que a estratégia pode ser modificada ao longo do tempo. Exemplo: pcte de 76 anos que vinha em uso de anlodipino com PA 138×80 e que o médico decide intensificar o controle da PA mas o paciente começa a apresentar tontura e lipotímia ao ficar com níveis de PAS < 120 mmHg. Neste caso pode-se optar por voltar para a estratégia mais conservadora de PAS < 140 mmHg.

Referência: Wright JT, Williamson PK, Snyder JK, et al. A randomized trial of intensive versus standard blood-pressure control.N Engl J Med 2015;

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

2 comentários

  • Eduardo, parabéns pelas suas considerações sobre o Sprint. Acho que o grande desafio do clínico é saber dicernir sobre as reais vantagens do estudo em questão e como aplicá-las de modo adequado ao seu paciente do dia a dia.

    • Dr Brivaldo, obrigado pelas palavras. De fato este é a grande questão da medicina baseada em evidências: tentar transpor as informações dos trials para o paciente sentado a nossa frente no consultório. Um abraço.

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