ECG

Onda R ampla em V1 + infarto = infarto de parede posterior, certo? Errado!

Escrito por Eduardo Lapa

Esta publicação também está disponível em: Português

Resumindo: há um conceito razoavelmente estabelecido de que a presença de uma onda R ampla em V1 na vigência de um infarto agudo do miocárdio representa o acometimento da parede posterior do ventrículo esquerdo. Exemplo:

aei inferodorsal

Pelo conceito tradicional, vemos um supra de ST com presença de onda Q patológica na parede inferior (DII, DIII e aVF) indicando um infarto inferior e vemos ondas R amplas em V1 e V2 o que indicaria uma imagem em espelho de um infarto com supra posterior. Como assim? Para explicar melhor, primeiro temos que definir o que se chamava de parede posterior. Os trabalhos antigos costumavam chamar de infarto posterior a isquemia do segmento basal da parede inferior. Segue uma figura do nosso Manual de Cardiologia Cardiopapers para facilitar a visualização:

 iam dorsal

O segmento basal da parede inferior é apontado com a seta vermelha.

Ok. E qual relação isso tem com imagem em espelho em V1? Para facilitar a visualização, observe a figura abaixo:

iam dorsal2

O que os estudos antigos propunham é que a parede posterior seria bem visualizada no ECG pelas derivações posterior (V8 e V9). Se fizéssemos um ECG na fase aguda do infarto colocando estes eletrodos seria observado a presença de supra de ST com onda Q nestas derivações. Como o eletrodo de V1 fica oposto a estas derivações (V8 e V9 ficam no dorso do paciente e V1, como sabemos, na parte anterior do tórax), o V1 enxergaria a imagem “em espelho” do que V8 e V9 enxergam. Ou seja, o supra + onda Q viraria infra + onda R. Após a fase aguda a tendência é o supra sumir e ficar apenas a onda Q em V8 e V9. Analogamente, a tendência é ficar apenas a onda R ampla em V1. Ok. Só que não é isso que ocorre na prática.

O que uma série de estudos, a maioria liderados pelo Dr Antonio Bayés de Luna, mostrou é que o V1 na verdade “enxerga” a imagem em espelho da parede lateral. Estes dados foram obtidos através do uso de ressonância nuclear magnética em pacientes com infarto do miocárdio. De 30 pacientes com onda R ampla em V1 na vigência de infarto, 29 apresentavam na ressonância realce tardio em parede lateral. Nenhum apresentava realce no segmento basal da parede inferior (chamada de parede posterior) e apenas 1 apresentava realce no segmento médio da parede inferior. Ou seja, R ampla em V1 indicou em 29 de 30 vezes que o local do infarto era parede lateral, uma especificidade altíssima. A sensibilidade do achado, contudo, é baixa.

Resumindo:

  • Onda R ampla em V1 na vigência de infarto do miocárdio = acometimento da parede lateral.
  • Ausência de onda R ampla em V1 na vigência de infarto agudo não descarta acometimento da parede lateral.
  • O conceito antigo de que onda R ampla em V1 na vigência de infarto do miocárdio indicava acometimento posterior está errado.

Estes conceitos já estão presentes na III Diretriz de ECG da SBC a qual recomenda que o termo infarto posterior, também chamado de dorsal, não seja mais empregado pelos motivos citados acima.

Referência: Bayés de Luna A, Rovai D, Pons Llado G, Pons Llado G, Gorgels A, Carreras F, et al. The end of an electrocardiographic dogma: a prominent R wave in V1 is caused by a lateral not posterior myocardial infarction-new evidence based on contrast-enhanced cardiac magnetic resonance- electrocardiogram correlations. Eur Heart J. 2015;36(16):959-64.

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

2 comentários

  • Parabéns pelo portal e pelo texto e ilustrações didáticas.
    Sobre esta questão, acho que merece discussão e debate. A “III Definição Universal de Infarto (Joint ESC/AHA 2012)” mantém o termo POSTERIOR.
    O tratado de “Cardiologia de
    Braunwald 2015”, assim como o Uptodate.
    Os trabalhos de Bayes de Luna vem desde 2006, abordando localização de infarto em ECG-RNC com realce tardio.
    Infarto posterior é um termo consagrado pelo uso, assim tem havido resistência à mudança (em Eletrocardiografia). Não parece uma questão fechada.
    Também, para o nosso raciocínio com base no ECG, facilita manter posterior para diferenciar do lateral, já que o infarto com envolvimento de outras derivações é chamado lateral também (D1/AVL; V5/V6).
    Mas os métodos de imagem (ECO, Cintilo, RNM) substituíram “parede posterior” nas novas classificações.

    • Nestor, que bom contar com sua participação aqui no site. Boas ponderações. De fato o termo posterior é mantido ainda em muitas referências clássicas. Mas realmente o uso do termo posterior é desencorajado pelas diretrizes de métodos de imagem (eco, rnm, etc) já há algum tempo. Desde que se propôs a uniformidade da classificação em 17 segmentos, na verdade. Tanto é que se vê um confusão neste sentido: nós do eco geralmente denominamos parede posterior a ínferolateral. Já os trabalhos de eletro mais antigos, como dito no texto, denominavam de posterior a parte basal da parede inferior. Ou seja, já se vê que o termo gera controvérsia. Vamos observar as próximas diretrizes internacionais para ver se o conceito é incorporado. De toda forma, nós do Cardiopapers concordamos com a posição do artigo citado e da III diretriz de ECG da SBC. O ideal é que o ECG “fale” a mesma língua dos outros métodos de imagem.

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