Insuficiência Cardíaca

10 dicas sobre Amiloidose Cardíaca que você precisa saber

Escrito por Jefferson Vieira

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Amiloidose cardíaca é cada vez mais diagnosticada na prática clínica. Nesse texto vamos resumir 10 dicas que você não pode deixar de saber sobre essa doença.

  1. A amiloidose cardíaca é caracterizada pelo depósito extracelular de proteínas anormais (fibrilas amiloides) no miocárdio, mas também pode afetar outras estruturas cardíacas, como a válvula aórtica, os átrios e o sistema de condução. A simples presença de amiloides já aumenta o risco de tromboembolismo, mesmo em ritmo sinusal.
  1. Em indivíduos com mais de 80 anos, estima-se que a amiloidose cardíaca seja mais prevalente que a estenose aórtica (25% vs 10%), podendo passar de 60% dos idosos centenários. De fato, a coexistência entre estenose aórtica e amiloidose cardíaca é bem comum (entre 4-29% dos casos).
  1. As duas fibrilas mais envolvidas na amiloidose cardíaca são a transtiretina (TTR, que pode ser mutante [hereditária] ou senil [selvagem]) e a imunoglobulina de cadeias leves (AL). Assim, existem 3 tipos de amiloidose cardíaca: TTR selvagem, TTR hereditária e AL. A TTR é uma variante da pré-albumina humana, presente no plasma e no líquor. A amiloidose cardíaca por TTR selvagem é a mais frequente das 3, especialmente em idosos, e ocorre por anomalias no desdobramento e deposição da TTR, sem envolver mutação. A amiloidose por TTR hereditária, por outro lado, é uma doença genética com padrão autossômico dominante, sendo observada em pacientes mais jovens do que naqueles com TTR selvagem. Entre as 120 mutações identificadas na TTR hereditária, algumas variantes são mais comuns, como a Val122Ile na população afro-americana e a Val30Met em certas regiões de Portugal, Japão e Suécia (comumente associada com neuropatia).

Repetindo:

  • Dos tipos de amiloidose cardíaca, a mais comum é a por transtiretina selvagem ou senil. 

  1. A amiloidose AL, também chamada de amiloidose primária, é a forma mais comum de amiloidose sistêmica e está associada a um defeito na produção de imunoglobulina pelos plasmócitos. Pode ocorrer espontaneamente, mas é habitualmente associada a outros distúrbios sanguíneos, como mieloma múltiplo e macroglobulinemia de Waldenström.
  1. Na amiloidose cardíaca, a infiltração amiloide começa pela base em direção ao ápice, resultando no aumento da espessura e da rigidez do ventrículo, gerando cardiomiopatia restritiva/hipertrófica com disfunção diastólica importante e eventual disfunção sistólica associada:
  • A fração de ejeção pode ser preservada nos estágios iniciais da amiloidose cardíaca, mas 30-50% dos pacientes vai apresentar algum grau de disfunção sistólica (especialmente na TTR hereditária).
  1. Sinais de alerta para pensar em amiloidose cardíaca:
  • História de síndrome do túnel do carpo, estenose do canal lombar ou ruptura espontânea do tendão do bíceps (por envolvimento dos tecidos moles, como músculos, tendões e ligamentos). Neuropatia é mais comum na forma hereditária, mas pode acometer 10% dos pacientes com a forma selvagem.
  • ECG com baixa voltagem apesar de evidência ecocardiográfica de aumento na espessura ventricular e presença de ondas Q sem histórico prévio de infarto do miocárdio.
  • ECG do nosso banco de imagens mostrando baixa voltagem e zonas de pseudoinfarto em paciente com amiloidose cardíaca.

  • Eco com espessura ventricular e disfunção diastólica sem causa evidente ou com estenose aórtica que não justifica a severidade dos achados; estenose aórtica de baixo fluxo e baixo gradiente com FE preservada (paradoxal); aumento biatrial com ventrículos de tamanho normal; aspecto cintilante hiperecogênico e heterogêneo “granulado” (granular sparkling); strain longitudinal global (GLS) reduzido, sendo que abaixo de 12% é considerado um marcador prognóstico (lembrando que o valor normal é acima de 18%), com preservação da porção apical (apical sparing ou “sinal da cereja no bolo”); ICFEP com disfunção de VD (turgência jugular, hepatomegalia, ascite). Vale ressaltar que 13% dos pacientes com ICFEP e parede do VE > 12 mm tem amiloidose cardíaca!
  • Ressonância magnética cardíaca com realce tardio de subendocárdico difuso e circunferencial do VE, com diferentes graus de extensão miocárdica, particularmente com um gradiente aumentado entre a base e o ápice. Também levanta suspeita o achado de T1 miocárdico nativo e volume extracelular aumentados.
  • Elevação desproporcional do NT-proBNP na ausência de IC significativa e troponina cronicamente elevada na ausência de síndrome coronariana.
  • Abaixo, figura do nosso livro Cardiologia Cardiopapers 2a edição mostrando apical sparring.

  • Outra figura do nosso livro mostrando o realce subendocárdico difuso na RMC.

  1. A cintilografia óssea com difosfonato ou pirofosfato de tecnécio-99m é muito útil no diagnóstico diferencial entre amiloidose cardíaca por TTR ou AL, porque o tecnécio-99m pode se ligar a fibrilas amiloides TTR mais intensamente do que as fibrilas AL. Se a cintilografia detectar acúmulo de TTR (captação grau ≥ 2), a investigação pode ser complementada com o estudo genético para distinguir o tipo de TTR (mutante na TTR hereditária e normal na TTR selvagem). Os exames indicados na investigação da amiloidose AL são a eletroforeses por imunofixação sérica e urinária e dosagem sérica de cadeias leves em busca de gamopatia monoclonal. Uma cintilografia normal na ausência de pico monoclonal praticamente afasta o diagnóstico de amiloidose cardíaca.
  • Imagem do nosso livro mostrando cintilografia miocárdica sugestiva de amiloidose por transtiretina.

  • Uma biópsia extracardíaca positiva não é suficiente para confirmar o diagnóstico em pacientes sem achados de imagem típicos. Da mesma forma, uma biópsia extracardíaca negativa não é suficiente para excluir o diagnóstico em pacientes com achados de imagem típicos. 
  1. Pacientes com estenose aórtica e amiloidose cardíaca coexistente são mais propensos a apresentar um padrão de baixo fluxo e baixo gradiente (AVA < 1cm2, gradiente médio < 40 mmHg e índice de volume sistólico < 35 ml/m2). Metade desses pacientes tem fração de ejeção preservada, ou seja, apresentam padrão de estenose aórtica paradoxal. Nesses casos, o eco de estresse com dobuta costuma ser inconclusivo e a tomografia com escore de cálcio tem sido considerada a modalidade de imagem mais apropriada para confirmar a gravidade da estenose aórtica.
  1. Devido ao padrão restritivo de enchimento ventricular, o debito cardíaco é dependente da frequência cardíaca e, portanto, betabloqueadores devem ser usados com cautela (ou evitados). Antagonistas da renina-angiotensina podem agravar hipotensão sintomática. Digoxina se acumula nas fibrilas amiloides. Diuréticos são essenciais para reduzir a sobrecarga de volume, mas também devem ser usados com cautela. Devido ao risco aumentado de distúrbios graves de condução, o implante de marca-passo pode ser considerado para portadores de BAV de 1o grau, síncope inexplicada e distúrbios avançados de condução. CDI para profilaxia primária ainda é controverso. Anticoagulação sistêmica não deve ser recomendada rotineiramente, mas deve ser considerada em pacientes com arritmias supraventriculares, eventos tromboembólicos prévios e trombo cavitário.
  1. O tratamento específico da amiloidose cardíaca envolve a redução das proteínas amiloides:
  • A amiloidose AL é tratada com quimioterapia (que tem alto risco de descompensação da IC) e transplante autólogo de células tronco. Em pacientes jovens com IC e sem outras comorbidades, a indicação precoce de transplante cardíaco também pode ser considerada.
  • Para a amiloidose por TTR, existem inúmeras estratégias farmacológicas em estudo, incluindo: 1) silenciamento do RNA da TTR; 2) estabilização da TTR; 3) extração/ruptura da fibrila amiloide. O patisiran e o inotersen são silenciadores do RNA da TTR estudados respectivamente nos trials APOLLO e NEURO-TT, e foram aprovados pelo FDA para tratar neuropatia mas não cardiopatia (embora ambos tenham mostrado algum benefício em desfechos cardíacos substitutos tardios). Os estabilizadores tafamidis e diflunizal interagem com sítios de ligação da TTR, diminuindo sua dissociação e, consequentemente, a amiloidogênese. O tafamidis é o melhor estudado até o momento e foi aprovado pelo FDA em 2019 para o tratamento da amiloidose cardíaca devido aos resultados do ATTR-ACT, discutido aqui. Já o benefício do antinflamatório não-esteróide diflunizal na amiloidose cardíaca ainda é restrito a estudos pequenos. O PRX004 é um anticorpo monoclonal experimental em investigação para limpar formas tóxicas da proteína amiloide TTR.
  • O transplante cardíaco pode ser uma opção viável (combinado com transplante de fígado em alguns casos de TTR hereditária) dependendo da idade e das comorbidades do candidato. A indicação de transplante de fígado para TTR hereditária diminuiu drasticamente com o advento dos estabilizadores da TTR e não é indicado para TTR selvagem.
  • A evidência disponível sugere que TAVI seja melhor do que cirurgia de troca valvar em doentes com amiloidose cardíaca e estenose aórtica, considerando que esses pacientes geralmente apresentam alto risco cirúrgico.

Resumão de como investigar um paciente com suspeita de amiloidose (fluxograma do nosso livro Cardiologia Cardiopapers 2a edição):

Ternacle J, et al. Aortic Stenosis and Cardiac Amyloidosis. JACC. 2019; 74 (21) 2638-2651.

Ruberg FL, et al. Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy. JACC. 2019;73(22):2872–91.

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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