Valvopatias

TAVI em pacientes de baixo risco: o que diz o seguimento de 2 anos?

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O implante transcateter de válvula aórtica (TAVI) para o tratamento da estenose aórtica, permanece, segundo as principais diretrizes atuais, sendo indicado como como a melhor estratégia de tratamento para os pacientes considerados inoperáveis (classe I, B) ou com uma alternativa ao tratamento cirúrgico convencional nos pacientes com risco cirúrgico moderado ou elevado (classe IIa, B). Nos últimos dois anos, após publicação de estudos dedicados para a avaliação randomizada de TAVI x cirurgia de troca valvar aórtica em pacientes idosos de baixo risco cirúrgico, as principais diretrizes foram atualizadas passando a contemplar a possibilidade para esta população. A diretriz da SBC, por exemplo, diz isto:

A pergunta se devemos ou não progredir as indicações do procedimento para pacientes com risco operatório mais baixo começou a ser respondida com a publicação do estudo Partner 3 no nejm.org (vide este post). Este foi um estudo multicêntrico que comparou TAVI (com prótese balão-expansível Edwards Sapien) x Cirurgia em pacientes com estenose aórtica importante sintomática e risco cirúrgico intermediário (STS score < 4%), e que demonstrou não-inferioridade da TAVI com relação a mortalidade e outros desfechos duros.

Em seguida, foi publicado também no NEJM, o estudo Evolut Low Risk. Este foi um trial com desenho muito semelhante ao do Partner 3, mas que comparou TAVI x Cirurgia de troca valvar aórtica em pacientes com risco baixo, desta vez utilizando a prótese auto-expansível Evolut nas suas gerações R e PRO (segunda e terceira geração da CoreValve, respectivamente).

Um total de 1414 pacientes foram randomizados para receber TAVI ou cirurgia de troca valvar aórtica. Destes, 730 foram submetidos a TAVI enquanto 684 foram para cirurgia. A média de idade dos pacientes incluídos foi de 74,1 anos no grupo TAVI e 73,7 no grupo cirurgia (sem diferença estatística), e todos tinham realmente risco cirúrgico baixo definido por STS score para Mortalidade de 2,0% no grupo TAVI e 1,9% no grupo cirurgia.

Ao final de 2 anos, a curva de Kaplan-Meier para o endpoint primário (morte ou AVC desabilitante) demonstrou uma taxa de 4,3% no grupo TAVI e 6,3% no grupo cirurgia (p = 0,084). De forma interessante, foi observado que estas taxas foram superponíveis A taxa isolada de mortalidade por todas as causas foi de 3,5% no grupo TAVI x 4,4% no grupo cirurgia (P = 0,366) e de AVC desabilitante foi de 1,5% x 2,7% (P = 0,119), respectivamente. Outro aspecto interessante, é que no intervalo de 12 para 24 meses de seguimento, não houve convergência entre as curvas do endpoint primário. Ou seja, houve uma tendência manutenção dos resultados até este período de acompanhamento.

Também não houve diferença estatística entre os grupos nas taxas de necessidade de reintervenção valvar, trombose de prótese e endocardite. No entanto, houve diferenças no que diz respeito à performance hemodinâmica das próteses no acompanhamento ecocardiográfico. Os pacientes do grupo TAVI tiveram gradiente valvar aórtico médio mais baixo e áreas valvares maiores quando comparados ao grupo cirurgia (p < 0,001 para ambos). A incidência de refluxo paravalvar moderada/importante, embora tenha melhorado muito no grupo TAVI em comparação com estudos anteriores, manteve uma tendência de melhora no grupo cirúrgico (1,7% no grupo TAVI e 0,4% no grupo cirurgia – p = 0,076).

Por fim, a incidência de bloqueio atrioventricular total com necessidade de implante de marca-passo definitivo foi mais uma vez um calcanhar para o TAVI com taxa de 21,8% x 8,2% no grupo cirurgia em 2 anos. Aqui cabe um importante comentário técnico. Nos últimos anos, a técnica de implante das próteses de TAVI, sobretudo das auto-expansíveis como as utilizadas nesse estudo, sofreram uma grande modificação. Hoje os procedimentos são realizados visando um implante bem mais “raso” da prótese no ventrículo esquerdo como uma tentativa de reduzir a incidência de lesão do sistema de condução. De fato, os registros mais atuais que analisam as taxas de MP definitivo pós-TAVI com próteses auto-expansíveis mostram taxas na casa de 1 dígito (< 10%) o que se equivaleria aos achados do grupo cirúrgico na maior parte dos estudos incluindo este. E é o que observamos na prática clínica diária.

Já devemos então progredir com segurança a indicação do TAVI para os pacientes de risco baixo?

Opiniões pessoais:

  • o bom desempenho do TAVI em mais um estudo com esta dimensão certamente estabelece o tratamento percutâneo no hall de opções para estes pacientes;
  • ao se estudar uma população de risco mais baixo risco a qual, consequentemente, viverá por mais tempo, maior é a necessidade de um seguimento longo para que se possa avaliar o desempenho de longo prazo das duas terapias. Dois anos de seguimento pode não ser o suficiente para se testar, por exemplo, a durabilidade da prótese percutânea. Embora que, as análises de até 8 anos de seguimento dos estudos anteriores demonstram uma durabilidade no mínimo semelhante entre próteses percutânea e cirúrgica.
  • É fundamental ressaltar que, embora o risco cirúrgico médio dos pacientes tenha diminuído bastante e progressivamente dos primeiros estudos (Partner 1 e US Pivotal trial: alto risco) para os estudos atuais (Partner 3 e Evolut Low Risk: baixo risco), a idade média dos pacientes estudados reduziu com menor intensidade caindo da casa dos 80 para os 75 anos. Ou seja, ainda é preciso cautela na indicação da TAVI em pacientes jovens com risco baixo principalmente devido a preocupações quanto ao desempenho de muito longo prazo da prótese.
  • o aumento da expertise dos operadores/centros implantadores com o procedimento e a evolução da tecnologia dos dispositivos certamente tem diminuído a taxa de complicações relacionadas à TAVI (complicações vasculares, por exemplo), principalmente no acesso transfemoral, já que essa é a via preferencial e mais largamente utilizada. Neste estudo Evolut Low Risk chama muita atenção a baixa taxa de complicações vasculares no grupo TAVI (3,5%) sendo inclusive equivalente a taxa do grupo cirúrgico.
  • as próteses utilizadas neste estudo são as mesmas que temos disponíveis para implante atualmente no Brasil mas que já coexiste no mercado do exterior com a nova geração do produto (ainda com mais evoluções).

Quer ver uma mega revisão sobre TAVI? Assista ao vídeo abaixo:

Referência bibliográfica:

  • Forrest JK, Deeb GM, Reardon MJ et al. 2-Year Outcomes After Transcatheter Versus Surgical Aortic Valve Replacement in Low-Risk Patients. J Am Coll Cardiol 2022;79:882–896.

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Sobre o autor

Eduardo Pessoa de Melo

Residência em Cardiologia pelo InCor/FMUSP
Título de Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Cardiologia Intervencionista pelo InCor/FMUSP
Sócio Titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia Intervencionista
Cardiologista Intervencionista do PROCAPE/UPE
Cardiologista Intervencionista da Rede D'Or São Luiz:
- Hospital Esperança
- Hospital Esperança Olinda
- Hospital São Marcos

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