Arritmia

Ablação para tratamento de fibrilação atrial: vale a pena fazer? Em que pacientes? Uma visão crítica do eletrofisiologista

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FA 3

Já se passaram 16 anos desde a histórica publicação de Haissaguere e cols. sobre a abordagem de focos disparadores automáticos no interior das veias pulmonares como forma de tratar a fibrilação atrial paroxística¹. A proposta seria “desconectar/isolar” eletricamente as veias pulmonares do restante do átrio esquerdo, proporcionando uma barreira à propagação de impulsos elétricos oriundos dessas veias e com isso evitar a ocorrência da arritmia. Os trabalhos iniciais após a referida publicação se concentraram na abordagem da fibrilação atrial paroxística, na ausência de cardiopatia estrutural ou comorbidades significativas e em paciente jovem.

Porém, como tudo em medicina, o entusiasmo inicial com a técnica levou a uma expansão das indicações para casos cada vez mais difíceis (pacientes com passado de cirurgia valvar, idade avançada, longo tempo de fibrilação atrial e presença de múltiplas comorbidades). Seguindo-se a essa expansão “entusiasmada” nas indicações, o número de centros capazes de realizar o procedimento aumentou extraordinariamente. Segundo o último registro internacional (com mais de 20.000 ablações e do qual o Brasil fez parte), em cerca de 10 anos o número de centros que realizavam a ablação de FA persistente saltou de 53% do total para 86% e os que realizavam ablação de FA persistente de longa duração subiu de 20% para quase 50%².

À medida que se aumentaram as indicações para a técnica, incluiu-se mais e mais pacientes com FA persistente e persistente de longa duração, consequentemente os índices de sucesso da técnica caíram. Mas há uma explicação para isso. O procedimento de isolamento das veias pulmonares foi inicialmente proposto para tratar a FA supostamente originada nas veias pulmonares (paroxística), ou seja, cujo substrato seria um “gatilho”, causado por automatismo anormal dentro  das veias. Entretanto, nos casos de FA não-paroxística, realizava-se o mesmo procedimento (isolamento das veias) e é aí onde está o problema. A FA não-paroxística tem um conhecido substrato anatômico (fibrose causada por remodelamento elétrico e anatômico) fora das veias pulmonares. A presença de mais ou menos substrato é que vai determinar se apenas o isolamento das veias será suficiente para manutenção do ritmo sinusal ou se haverá necessidade de ampliar o procedimento com linhas de ablação (teto do átrio, istmo mitral, etc) para se obter um melhor controle de ritmo.

Resumindo, a FA paroxística é uma doença diferente da FA não-paroxística, com abordagem eletrofisiológica diferente, sendo a última mais complexa, com mais fatores de risco para recorrências, consequentemente com índice de sucesso menor que a primeira. Entretanto, tal fato não deve desencorajar a indicação para tais casos, pois com todas as limitações, a ablação ainda é superior no controle do ritmo sinusal do que qualquer medicamento³ 4, 5. Acredito que a maior razão para que se critique tanto a técnica, seja os maus resultados advindos de estatísticas onde se incluíram pacientes com indicação muito questionável para o procedimento.

O mais importante é informar ao paciente o que esperar do procedimento, levando em consideração o tipo de FA, fatores associados (HAS, SAOS, DM, cardiopatias, etc), possíveis complicações e a possibilidade de ter que se submeter a um segundo procedimento caso haja recorrência 4.

 

Referências bibliográficas

  1. NEJM 1998; 339: 659-666
  2. Circulation Arrhythm Electrophysiol. 2010; 3: 32-38
  3. JACC 2003; 42: 20
  4. JCE 2011; 22: 137-141
  5. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2009; 2: 349-361.

Texto enviado pelo Dr Iremar Salviano de Macêdo Neto – eletrofisiologista formado no Incor-HCFMUSP

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

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