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Ainda faz confusão com os conceitos de troponina ultrassensível?

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português Español

  • As diretrizes atuais afirmam que a troponina é o marcador de escolha para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio.
  • As troponinas T e I são marcadores cardíacos específicos, mas não específicos de doença. Os testes sensíveis de TnT e TnI permitem quantificar a lesão de cardiomiócitos, e não devem ser interpretados como variáveis de forma binária (positiva/negativa).
  • Nos últimos anos, os kits de troponina se tornaram cada vez mais sensíveis, detectando níveis séricos mesmo em indivíduos saudáveis.
  • Muitos cardiologistas e instituições ainda tem receito de lidar com esses ensaios, temendo que resultados “falso positivos” atrapalhem a tomada de decisão, por vezes, levando a procedimentos desnecessários.
  • Este conceito é injustificado e baseado em concepções equivocadas.
  • Embora permita detectar algum nível em indivíduos saudáveis, ou mesmo elevações em situações de injúria que não são infarto do miocárdio, as Tn-us são extremamente eficazes em diagnosticar ou descartar infarto agudo do miocárdio.

O que realmente significa dizer que o teste é muito, muito sensível?

  • Muita gente ainda confunde o termo “ultrassensível”. No contexto dos testes de troponina, isso refere-se à sensibilidade analítica e não sensibilidade clínica. Geralmente, nós aprendemos que aumentar a sensibilidade de um teste diminui a sua especificidade. Para a troponina, contudo, “ultrassensível” significa que os kits tem um limiar de detecção muito mais baixo, mas a sua especificidade para injúria miocárdica continua extremamente alta.
  • Portanto, a maioria dos resultados falso-positivos que frustram os médicos não é culpa do teste, mas, em grande parte devido à solicitação indiscriminada deste. Pois, como já discutido aqui e aqui, a troponina pode ser elevada em uma variedade de condições agudas ou crônicas.
  • Melhores ensaios de troponina agora exigem refinamentos em nosso raciocínio clínico! Discernir entre os diferentes cenários que se apresentam com elevação de troponina pode ser feito com a implementação de melhores protocolos para solicitação e interpretação dos testes.

Por que chamamos de ultrassensível aquela troponina descrita na literatura como “alta sensibilidade” (high-sensitivity)?

  • No Brasil, não é incomum depararmos ainda com laboratórios realizando testes de troponina qualitativa (negativa/positiva). Por isso, ainda nos referimos aos testes de troponina de 3a geração como sendo de alta sensibilidade. Para os norte-americanos e europeus, estes testes são os chamados testes convencionais, motivo pelo qual referem-se a esses ensaios apenas como “troponina”. Assim, nós ainda referimos a “high-sensitivity troponin” como sendo “troponina ultrassensível”, por ainda lidarmos com kits de troponina de 1a e 2a geração.

Pode haver diferenças entre os sexos?

  • As mulheres têm uma carga maior de DAC não obstrutiva, e seus valores normais de Tn-us são mais baixos para cada ensaio estudado. Quando elas apresentam IAM, os valores de Tn-us são geralmente menores. Há algumas recomendações para se adotarem valores de corte específicos para troponina I de acordo com o sexo, embora haja alguma controvérsia em relação à troponina T. No entanto, isso ainda não está claro, sobretudo para diferentes populações, e dificilmente se observa na prática.

Como saber se a troponina que utilizo é sensível ou ultrassensível?

  • Infelizmente, nem sempre essa informação é disponível nos laudos dos exames, e precisamos verificar diretamente com o laboratório qual o ensaio (kit) utilizado.

Para explorar ainda mais o uso da Tn-us no mesmo cenário clínico (paciente com dor torácica na emergência), mas sob diferentes abordagens, recentemente foram publicados mais três importanes estudos. Resumimos aqui as publicações:

Twerenbold e cols testaram prospectivamente o algoritmo da Sociedade Europeia de Cardiologia de 0/1-hora utilizando troponina T ultrassensível em 2.296 indivíduos com SCA sem supra de ST. Os principais achados foram:

  • No geral, 94% dos pacientes foram tratados sem violações do protocolo, e 98% daqueles triados como SCA descartada não precisaram de investigações adicionais, incluindo dosagens adicionais de troponina ou angiotomografia de coronárias.
  • A segunda amostra de sangue foi coletada em 65 minutos (mediana), e a permanência no setor de emergência foi de 2h30 (mediana).
  • Baseada no algoritmo 0/1-hora, SCA foi descarta de imediato em 62% dos pacientes, e 71% da amostra total foi acompanhada ambulatorialmente.
  • Aproximadamente 10% foram diagnosticados com IAM.
  • A taxa de MACE em 30 dias foi de 0,2% no grupo de descarte (rule-out) e 0,1% nos pacientes ambulatoriais, ambos significativamente inferiores à taxa de 1,7% na coorte pré-implementação do protocolo.

Também no JACC, Sandoval e cols foram um pouco além, e avaliaram prospectivamente a possibilidade uma única dosagem de troponina I ultrassensível ser capaz de discriminar o risco de IAM ou morte em até 30 dias. Este estudo foi conduzido em várias instituições norte-americanas, e o desfecho principal foi IAM ou morte em 30 dias. Os pontos de destaque deste estudo foram:

  • Foram incluídos 2.212 indivíduos com idade média 57 anos.
  • 36% destes tinham história de sintomas <3 horas.
  • IAM ocorreu em 12% dos pacientes.
  • Valores <5 ng/L identificaram 47% dos pacientes como baixo risco, com sensibilidade de 98,6% e valor preditivo negativo de 99,6%. Estes pacientes podiam ser considerados para alta precoce.
  • Aproximadamente 10% dos pacientes apresentaram valores de troponina I ³120 ng/L, e nestes, o valor preditivo positivo para IAM foi 71%. Estes pacientes foram submetidos a avaliações adicionais.

Por fim, o estudo COMPASS-MI analisou 22.651 pacientes atendidos na emergência com sintomas sugestivos de SCA, de 15 diferentes coortes. O objetivo foi construir um modelo que pudesse predizer o risco de IAM, ou morte em 30 dias.

  • A prevalência de IAM na população total foi de 15,3%
  • Diferente dos protocolos de 1h e 3h propostos anteriormente, que utilizam delta de variação em porcentagem, os autores aqui propõem uma ferramenta que utiliza a variação absoluta entre duas medidas sequenciais de troponina.
  • Por exemplo, concentrações de troponina <6 ng/l e com variação absoluta <4 ng/l após 45 a 120 minutos (segunda dosagem precoce) resultaram em um valor preditivo negativo de 99,5% para IAM, com um risco associado de 30 dias de infarto subsequente ou morte de 0,2%. Essas informações auxiliam na tomada de decisão.
  • Os achados foram confirmados em uma amostra externa.
  • A calculadora é gratuita e está disponível em https://compass-mi.com/

E mesmo depois do Cardiopapers já falar ter tratado do assunto há tantos anos, por que ainda estão fazendo estudos com troponina ultrassensível?

  • Em particular, a maioria dos estudos que permitiram o desenho dos algoritmos de descarte rápido de SCA eram observacionais, ou seja, análises retrospectivas de grande brancos de dados.
  • Além disso, apesar de utilizados na Europa há vários anos, só mais recentemente o FDA endossou o uso de mais ensaios de troponina ultrassensíveis para utilização nos EUA, o que levou a nova onda de estudos no assunto.

Qual algoritmo baseado em troponina ultrassensível é melhor?

  • Não existem comparações diretas (head-to-head) entre esses algoritmos de descarte rápido de SCA. A estratégia de medida única de troponina pode ser mais rápida e simples, sem dosagens adicionais. Por outro lado, ao passo que os algoritmos ESC de 0/1h e 0/2h lidam com o valor de troponina na admissão e sua variação absoluta, o algoritmo 0/3h baseia-se no percentil 99 específico do ensaio. O mérito do COMPASS-MI é integrar as abordagens com medidas adicionais, utilizando pontos de corte muito próximos aos valores absolutos de variação de troponina na segunda medida, quer ela tenha sido coletada com 1, 2 ou 3 horas.

Posso começar a usar esses algoritmos na minha instituição?

  • Cuidado! O primeiro passo é descobrir se sua instituição já realiza dosagem de troponina ultrassensível com evidências. Os estudos prospectivos citados acima utilizaram os seguintes testes:
    • Siemens (ADVIA/Atellica) hsTnI
    • Roche (Elecsys/Stata) hsTnT
    • Abbot ARCHITECT hsTnI
    • Dimension Vista hsTnI
  • Segundo, necessitamos de um volume maior de dados que validem esses algoritmos na população brasileira. A decisão de qual estratégia utilizar para a triagem desses pacientes deve ser feita individualmente por cada instituição, levando em conta o kit de troponina utilizado, o perfil epidemiológico, e compartilhando a decisão com as preferências do paciente quanto ao equilíbrio entre segurança e eficácia.

Concluindo, depois de muitas análises e numerosos estudos examinando vários protocolos para a implementação de troponina ultrassensível no departamento de emergência, estamos chegando perto de estabelecer a estratégia ideal para descartar IAM sem supra de ST e acelerar o atendimento de pacientes que se apresentam com dor torácica.

Referências:

Neumann JT, Twerenbold R, Ojeda F, et al. Application of high-sensitivity troponin in suspected myocardial infarction. N Engl J Med. 2019;380:2529-2540.

Sandoval Y., Nowak R., deFilippi C.R., et al. Myocardial infarction risk stratification with a single measurement of high-sensitivity troponin I. J Am Coll Cardiol 2019;74:271-282.

Twerenbold R, Neumann JT, Sörensen NA, et al. Prospective Validation of the 0/1-h Algorithm for Early Diagnosis of Myocardial Infarction. J Am Coll Cardiol 2019;72(6):620-632.

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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