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Angioplastia coronariana guiada por robô e teleangioplastia: ficção ou realidade?

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No início do mês de fevereiro de 2019, o Conselho Federal de Medicina publicou uma resolução que atualizava as normas de Telemedicina no Brasil. Esta notícia teve ampla divulgação na mídia e dividiu opiniões na comunidade médica. Devido a manifestações de médicos e entidades de classe, o CFM revogou a resolução para um maior debate sobre o assunto, com previsão de uma nova versão da resolução para o final de julho.

Nos últimos 10 – 20 anos tivemos uma grande transformação tecnológica e a maneira que passamos a nos comunicar mudou muito. O primeiro Smartphone foi lançado em 2002, o Facebook e Youtube em 2005, o primeiro iPhone em 2007 e o WhatsApp em 2009. Atualmente, através de um smartphone, temos acesso a qualquer coisa da internet, em qualquer lugar. Podemos pesquisar sobre qualquer assunto, ler notícias, assistir filmes, palestras, ouvir música e rádio de qualquer lugar do mundo!

Com esse avanço tecnológico, algumas profissões deixaram de existir e outras surgiram. Antigamente, as famílias tinham acesso ao conhecimento através das enciclopédias (lembram da Barsa?). Havia o vendedor de enciclopédia, que ia de casa em casa para fazer negócio. Essa profissão foi extinta. E as máquinas de escrever, quem lembra? Existia a profissão de datilografista, pessoa especializada em usar a máquina de escrever. Hoje em dia todos sabem usar um teclado (uns mais rápidos que outros…). As locadoras de filmes também foram extintas. Porém, outras profissões surgiram tais como tecnologia de informação (TI), analista de mídias sociais e marketing digital, desenvolvedor de aplicativos, especialista em e-commerce e até youtuber…

A tecnologia também influenciou e vem influenciando a medicina. Temos visto o surgimento e aprimoramento de exames laboratoriais e de imagem, possibilitando realização de exames em larga escala e em menor tempo, além da disponibilização do resultado online; procedimentos menos invasivos (videocirurgia e cirurgia robótica), com menos complicações e recuperação mais rápida; informatização de prontuário e do sistema de gestão de clínicas e hospitais, agilizando o atendimento e o faturamento; realização de videoconferências, transmissão em tempo real de congressos, palestras, cursos e conteúdos educativos pela internet (inclusive os do Cardiopapers!!!), discutir casos e assuntos diversos em grupos de WhatsApp e Telegram (já está no grupo do Cardiopapers?), pesquisar e ler artigos científicos na mesma hora que são publicados! E ainda nem tocamos no assunto da inteligência artificial e machine learning… (tema para outro post).

Mas como essa tecnologia se aplica na cardiologia intervencionista?

Desde a primeira cinecoronariografia em 1958 e a primeira angioplastia coronariana em 1977, a cardiologia intervencionista passou por inúmeras evoluções: o desenvolvimento dos stents e posteriormente dos stents farmacológicos que diminuíram as taxas de reestenose e possibilitaram o tratamento de casos mais complexos de maneira menos invasiva que a cirurgia cardíaca tradicional; o uso de métodos de imagem intravascular, auxiliando desde o entendimento da evolução da doença aterosclerótica até a otimização do implante de stent; o surgimento de próteses valvares que são implantadas de maneira percutânea…

No entanto, nestes mais de 60 anos, a maneira como os procedimentos são realizados continua a mesma, não evoluiu. O cardiologista intervencionista continua em pé ao lado do paciente, exposto a radiação durante todo o procedimento, vestindo um avental de chumbo de mais ou menos 7Kg para proteção radiológica e em contato direto com sangue do paciente. Com isso, está mais propenso a lesões ortopédicas, risco de câncer, risco de catarata induzida pela radiação e acidentes com material biológico. E como isso poderia ser melhorado? Através da tecnologia: um procedimento guiado por robô. E isso já existe!

Angioplastia coronariana robótica

O sistema consiste num braço robótico que é acoplado na mesa do laboratório de hemodinâmica. A inserção e a troca dos dispositivos (cateteres, fios, balões e stents) no braço robótico é feita por um técnico habilitado. O cardiologista intervencionista permanece sentado e sem a necessidade do avental de chumbo em uma estação de trabalho protegida da radiação, que possui alguns “joysticks” que controlam com precisão sub-milimétrica o dispositivo robótico.

O primeiro estudo de angioplastia coronariana robótica em humanos foi publicado em 2011, onde 8 pacientes foram submetidos à angioplastia guiada por robô com sucesso e sem intercorrências, demonstrando ser um procedimento factível e seguro. Em 2013 foi publicado um estudo multicêntrico com 164 pacientes, incluindo lesões um pouco mais complexas, com taxas de sucesso maiores que 97%. E 3 anos após, foi publicado o relato dos primeiros 6 casos de angioplastia robótica de tronco da coronária esquerda.

Mas quais são os benefícios da angioplastia robótica?

Para o cardiologista intervencionista, há uma redução da radiação superior a 95%, minimizando o risco de câncer e catarata, e um potencial benefício em reduzir lesões ortopédicas e acidentes com material biológico. Além disso, o sistema permite realizar medidas precisas do comprimento da lesão para a escolha adequada do tamanho do stent e movimentos milimétricos para o posicionamento preciso dos balões e stents. Habitualmente, a escolha do tamanho destes dispositivos é realizada por estimativa visual. Um estudo que comparou o comprimento da lesão por estimativa visual versus a medida feita pelo robô, mostrou concordância em apenas 35% das lesões, sendo 33% das medidas superestimadas e 32% subestimadas. Com a escolha adequada do tamanho do stent pela angioplastia robótica, há um potencial benefício na redução das taxas de trombose e reestenose quando comparada a angioplastia guiada por estimativa visual.

Mas o robô serve para qualquer tipo de angioplastia?

A versão atual AINDA não é compatível com a utilização de aterectomia rotacional, utilizada em lesões calcificadas, microcatéteres, utilizados em oclusões crônicas e cateteres de extensão, utilizados em lesões tortuosas. E AINDA a punção arterial, a cateterização da coronária, a injeção de contraste e a liberação do stent não é feita pelo robô. Porém já existem estudos de punção arterial guiada pelo robô, softwares para utilização em oclusão crônica e testes em cardiopatias estruturais.

“Ah, mas é muito caro e não se aplica a realidade brasileira”. Tudo vai depender da aplicabilidade clínica e da lei da oferta e da procura. Um exemplo são os stents farmacológicos que há 15 anos custavam R$ 15.000,00 a 20.000,00 e só estavam disponíveis em hospitais particulares. Atualmente, dependendo da negociação, são comprados a R$ 500,00 e estão disponíveis no SUS.

O mais interessante são as perspectivas futuras dessa tecnologia. Em dezembro de 2018, foi realizada na Índia a primeira teleangioplastia (ou telestenting) em humanos. O cardiologista intervencionista estava controlando o braço robótico a 32 Km de distância! A teleangioplastia tem o potencial de aumentar o acesso ao procedimento percutâneo em áreas remotas e permitir que um cardiologista intervencionista possa fazer teleangioplastia em vários hospitais distantes.

Além disso, se associarmos a angioplastia robótica à inteligência artificial e machine learning, o robô poderá ter a capacidade de analisar os dados do prontuário e da angiografia, estimar qual lesão é isquêmica, calcular o syntax score automaticamente e, associado aos dados clínicos e de exames complementares, recomendar qual melhor tratamento para o paciente, baseado no banco de dados de estudos clínicos e de casos semelhantes tratados. Caso seja indicado angioplastia, o robô poderá ter a capacidade de manipular os dispositivos de maneira autônoma pela coronária e selecionará o tamanho do stent mais adequado à lesão. Poderemos ter em um hospital, por exemplo,  5 salas de hemodinâmica operadas por robô de maneira autônoma e 1 ou 2 cardiologistas intervencionistas de “backup” em caso de necessidade de conversão para angioplastia “manual”.

Em resumo, os robôs já estão auxiliando os médicos nos procedimentos, inclusive possibilitando a realização de procedimentos à distância. A incorporação da tecnologia na medicina e a telemedicina é uma realidade, uma tendência mundial e um “caminho sem volta”. Precisamos nos adaptar, enxergar as oportunidades e discutir como ela será implementada, para que os pacientes não sejam prejudicados e para que não tenhamos problemas éticos com a sua incorporação.



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Sobre o autor

Fábio Augusto Pinton

- Especialista em Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista pelo InCor - FMUSP e pela Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista
- Especialista em Cardiologia pelo InCor - FMUSP e pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)
- Sócio Titular da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI)
- Cardiologista Intervencionista do Hospital Sírio-Libanês, da Santa Casa de São Paulo e do Hospital Samaritano de Campinas

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