Imagem cardiovascular

Aplicações clínicas da angiotomografia coronariana em tempos de COVID19

Escrito por Alexandre Volney

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Recomendações do NASCI (Sociedade Norte Americana de Imagem Cardiovascular) para realização de Angiotomografia Coronariana (AngiotTC) durante o período da pandemia por COVID-19

O NASCI publicou nos últimos dias recomendações para o uso de métodos de imagem cardiovascular no contexto da pandemia de COVID-19, tendo em vista o crescimento dos casos mundialmente sem ainda uma previsão exata de quando atingiremos o pico da epidemia, considerando também a escassez de equipamentos de proteção individual (EPIs) e o objetivo de minimizar a exposição dos profissionais de saúde. Dessa forma, apresenta situações com evidências robustas nas quais sugere-se alternativas para o uso de métodos diagnósticos invasivos / semi-invasivos por metodologia não invasiva, reduzindo os potenciais riscos para a equipe de saúde.

Trata-se aqui, portanto, de situações nas quais a investigação não possa ou não deva ser postergada sem prejuízo ao paciente.

  1. Dor torácica aguda com troponina alterada e diagnóstico duvidoso para infarto miocárdico sem elevação do segmento ST (IAMSSST)

Racional: Reduzir o uso de cineagiocoronariografia (CATE) que requer precaução de aerossóis em substituição por Angiotomografia coronariana (AngioTC) que requer precaução de gotículas.  Pacientes com COVID19 tem documentado elevada incidência de miocardite (até 7% dos casos em alguns estudos), de maneira que pode-se com o exame excluir a presença de doença coronariana. Alternativamente e dependendo do grau de suspeita pode-se, ainda, realizar a pesquisa de realce tardio pela AngioTC em busca de um padrão não isquêmico que poderia confirmar o diagnóstico. Lembrando apenas do cuidado com a função renal, uma vez que o volume de contraste para essa pesquisa é maior quando comparada apenas com a investigação coronariana.

  1. Dor torácica aguda em pacientes com troponina inicial negativa e risco intermediário de doença arterial coronariana (DAC)

Já é bem documentado que o uso de AngioTC nesse perfil de pacientes reduz o tempo de permanência no hospital de forma segura,  evitando observação prolongada para seriar marcadores de necrose miocárdica. Dessa forma, diminui a exposição do paciente a possível infecção na sala de emergência, especialmente em setores em que não há separação de doentes em investigação de síndrome gripal.

  1. Pacientes com necessidade de cardioversão urgente com indicação de excluir trombo em átrio esquerdo para prevenção de acidente vascular encefálico (AVE) relacionado ao procedimento

Essa indicação permite substituir o uso de ecocardiografia transesofágica (ECOTE), procedimento que requer precaução de aerossóis, com AngioTC utilizando a fase tardia de equilíbrio para exclusão de trombos no átrio e apêndice atrial esquerdo.  As imagens obtidas pela AngioTC são comparáveis ao ECOTE em termos de acurácia para a detecção de trombos.

  1. Pacientes com estenose aórtica importante com desadaptação cardíaca e necessidade de troca valvar urgente (cirúrgica ou transcateter).

O uso da AngioTC já é bem estabelecido para o estudo de elegibilidade do paciente para troca valvar transcateter (TAVI) e seu uso no contexto atual reduziria a exposição da equipe de saúde. Além disso, a a AngioTC pré-procedimento pode guiar a decisão sobre qual o tipo de procedimento mais indicado (cirúrgico ou percutâneo) dependendo das características anatômicas presentes e, adicionalmente, avaliar a presença de estenoses coronarianas proximais.

  1. Paciente sintomático com disfunção valvar aguda (nativa ou protética) ou suspeita de endocardite

A AngioTC com estudo funcional (incluindo imagens em movimento – cine) é capaz de identificar fontes de disfunção valvar relacionadas a descompensação cardíaca como por exemplo, trombos e vegetações. Além disso, permite avaliar a região peri-valvar podendo mudar a indicação de tratamento clínico para intervencionista. Dessa forma, por apresentar acurácia semelhante para o diagnóstico de endocardite / vegetação pode ser utilizada em substituição ao ECOTE no contexto sanitário vigente.

  1. AngioTC (protocolo de descarte triplo – triple rule out) para paciente com dor torácica aguda com suspeita ou confirmação de infecção por COVID19

Ao contrário das indicações anteriores, essa não apresenta evidência científica robusta estando baseada apenas no racional de exposição e opinião de especialistas. Como se sabe pacientes com suspeita ou confirmação de covid poderão ser submetidos a exames tomográficos, por vezes sequenciais voltados para o parênquima pulmonar preferencialmente. Esses mesmos pacientes como já citado apresentam risco aumentado para eventos inflamatórios miocárdicos e isquêmicos. Além disso, estudos observacionais sugerem aumento na incidência de fenômenos tromboembólicos nesses pacientes. Dessa forma, dependendo da apresentação clínica inicial ou durante a internação do paciente, pode ser necessário a investigação das diversas complicações da doença. De modo que, com o objetivo de minimizar a exposição dos profissionais da saúde e  repetidos exames diagnósticos que limitam a produtividade do setor diagnóstico em função do processo de descontaminação da sala de exame, uma abordagem mais abrangente seria justificável. Obviamente que essa decisão deve ser realizada caso a caso, levando em consideração o quadro clínico e probabilidades pré-teste. Além disso, deve-se considerar que esse protocolo utiliza injeção de maior volume de contraste (~30% adicional) e o risco de disfunção renal precisa ser considerado, especialmente porque há descrições de casos de comprometimento da função renal em pacientes com COVID19.

Comentários do Autor:

A pandemia pelo COVID19 trouxe inúmeros desafios aos sistemas de saúde do mundo todo, não só pela explosão do número de casos e pressão sobre a capacidade de atendimento mas também pela exposição  direta dos profissionais de saúde com o agravante de escassez de equipamentos de proteção individual.

Dessa forma, buscamos medidas que atendam às necessidades citadas acima sem reduzir a acurácia diagnóstica tanto para pacientes com COVID19 quanto para os pacientes com enfermidades cardiovasculares habituais. As indicações 1 a 5 apresentam evidência científica robusta, sendo já aplicadas de maneira sistemática mesmo antes da vigência da pandemia e, nesse contexto, ganham ainda mais força pelos motivos já expostos. O descarte triplo (indicação 6) talvez seja a mais controversa e baseada unicamente em opinião de especialistas, considerando aspectos específicos em pacientes com ou suspeitos de infecção por COVID 19 .

Por fim, vale um comentário sobre pacientes em investigação de doença coronariana estável. Para esses pacientes, sempre que possível, a recomendação é postergar a realização de exames de investigação, salvo em situações nas quais o clínico julgue ser fundamental a informação para a tomada de conduta.

Exemplos práticos:

– Paciente feminino jovem, sem fatores de risco, que havia feito um teste ergométrico para academia positivo, porém assintomática e com bom desempenho físico apresenta baixa probabilidade pré-teste para coronariopatia devendo ser tratada clinicamente e aguardar a normalização dos serviços de saúde para eventual investigação definitiva.

– Paciente masculino de meia idade com história familiar de DAC, diabético, com história de sincope deve realizar investigação mais precoce. Nesse caso, a escolha do método complementar deve levar em consideração a qualidade da informação que se pode obter com o estudo, tendo em vista limitações relacionadas as características do paciente e a disponibilidade para a realização. 

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Sobre o autor

Alexandre Volney

Residência em Clínica Médica pelo Hospital do Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo (HC-FMUSP, 2007)
Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor-HCFMUSP, 2009),
Especialização em Tomografia e Ressonância Cardiovascular (InCor-FMUSP, 2009-2011)
Especialista em Ecocardiografia (SBC)

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