Insuficiência Cardíaca

Atualizações da Diretriz de Insuficiência Cardíaca Americana de 2017: o que mudou?

Escrito por Jefferson Vieira

Esta publicação também está disponível em: Português

Desde a última diretriz de insuficiência cardíaca (IC) da ACC/AHA, publicada em 2013, surgiram novas evidências sobre biomarcadores, comorbidades e manejo farmacológico de ICFER e ICFEP. Essa atualização representa a segunda parte de uma publicação em duas etapas, tendo sido a primeira parte publicada no final de 2016 com a introdução de orientações sobre novas terapias, em especial o uso dos inibidores da neprilisina e dos receptores de angiotensina (ARNI, Valsartan/Sacubitril) e do modulador do nó sinusal (Ivabradina). NOTA: A partir desta atualização, as futuras diretrizes de IC da ACC/AHA serão realizadas em parceria com a Heart Failure Society of America (HFSA).

Biomarcadores: Os peptídeos natriuréticos BNP e NT-proBNP são biomarcadores utilizados para estabelecer o diagnóstico e a gravidade da IC. Em geral, qualquer um dos dois pode ser aplicado no cenário clínico da IC, desde que seus valores absolutos e pontos de corte não sejam usados de forma intercambiável.

Dica importante: O BNP, mas não o NT-proBNP, é um substrato para a neprilisina e portanto seus níveis aumentam com o uso de ARNI sem necessariamente significar piora da IC. 

A troponina também pode estar elevada em pacientes com IC crônica ou aguda descompensada, sugerindo injúria de miócitos ou necrose. As troponinas I e T se comportam de forma similar no infarto agudo de miocárdio e na IC aguda descompensada e sua elevação tem implicações de pior prognóstico. Diversos outros biomarcadores já foram associados com IC e, eventualmente, estratégias que combinem múltiplos marcadores podem algum dia se provar benéficas em guiar o ajuste terapêutico.

O uso de biomarcadores está indicado para:

  • PrevençãoRecomendação moderada (IIa B) no screening com peptídeos natriuréticos em pacientes sob risco de desenvolver IC, ou seja, hipertensos, diabéticos e vasculopatas identificados como estágio A da IC. Pacientes com peptídeos natriuréticos alterados deverão ser encaminhados para investigação e acompanhamento especializado.
  • Diagnóstico: Recomendação forte (I A) na análise de peptídeos natriuréticos para investigação de IC suspeita em pacientes com quadro de dispneia a esclarecer.
  • Prognóstico ou estratificação de risco:
    • Recomendação forte (I A) na análise de BNP ou NT-proBNP para estabelecer prognóstico ou severidade de pacientes com IC crônica.
    • Recomendação forte (I A) na análise de peptídeos natriuréticos e/ou troponina na admissão hospitalar para estabelecer prognóstico em pacientes com IC descompensada.
    • Recomendação moderada (IIa B) na análise de peptídeos natriuréticos precedendo alta hospitalar de internação por IC, para estabelecer o prognóstico pós-alta.
    • Recomendação fraca (IIb B) na análise de outros biomarcadores disponíveis (ST2 solúvel, galectina-3, troponina ultrassensível e outros), para estratificação de risco adicional em pacientes com IC crônica.
  • Não há evidência suficiente para recomendar terapia guiada por medidas seriadas de BNP ou NT-proBNP com o objetivo de reduzir mortalidade ou outros desfechos cardiovasculares. 

Tratamento farmacológico da ICFER no estágio C: A atualização manteve como recomendação forte (I A) a estratégia de inibição do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) com iECA, ou BRA especialmente nos intolerantes ao iECA. No entanto, pela primeira vez os ARNI foram incluídos como alternativa na inibição do SRAA baseado nos achados do estudo PARADIGM que demonstrou redução de 20% no desfecho composto de morte cardiovascular ou internação por IC (recomendação forte – I B). Assim como na diretriz européia de IC de 2016, esta atualização também incluiu a indicação de ARNI em pacientes sintomáticos apesar de terapia otimizada com iECA/BRA, com o objetivo de reduzir ainda mais o risco de morbimortalidade (recomendação forte – I B). A prescrição de ARNI está associada a risco aumentado de hipotensão e angioedema, portanto os autores reforçam que ainda é necessário maior experiência clínica com a droga para obtermos mais informações sobre titulação e tolerância. Os ARNI não devem ser administrados em pacientes com histórico de angioedema e só devem ser administrados após 36h de suspensão do iECA. 

A Ivabradina está indicada para reduzir o risco de hospitalização por IC em doentes com FEVE ≤ 35%, que estejam sintomáticos apesar de tratamento otimizado com a maior dose tolerada de betabloqueador e em ritmo sinusal com FC ≥ 70bpm em repouso (recomendação moderada – IIa B). Os autores destacam que os benefícios da ivabradina observados no estudo SHIFT foram impulsionados principalmente pela redução de hospitalização por IC e, portanto, reforçam que a titulação da máxima dose tolerada de betabloqueador deve ser prioridade antes da introdução da ivabradina.

Tratamento farmacológico da ICFEP no estágio C: A atualização manteve diversas recomendações publicadas em 2013 como controle dos níveis pressóricos, diureticoterapia para alivio sintomático de congestão, revascularização cirúrgica ou percutânea em pacientes com coronariopatia sintomática e manejo da fibrilação atrial. Pela primeira vez a diretriz incluiu a indicação de antagonistas da aldosterona para reduzir internações em pacientes com ICFEP, baseado no estudo TOPCAT que demonstrou redução significativa no número de hospitalizações por IC em pacientes com ICFEP que receberam espironolactona (recomendação fraca – IIb B). Os autores destacam a variação regional observada no TOPCAT e recomendam cautela na prescrição de espironolactona em doentes com insuficiência renal e hiperpotassemia. A atualização contraindica o uso rotineiro de nitratos ou inibidores da fosfodiesterase 5, como o sildenafil, em pacientes com ICFEP, exceto naqueles com recomendações especificas de uso por outra indicação (por exemplo nitrato na coronariopatia sintomática).

Comorbidades:

  • Anemia: Anemia é um achado comum em doenças crônicas como a IC, sendo preditor de pior prognóstico. Estudos recentes sugerem que a suplementação endovenosa de ferro seja superior a via oral em pacientes com ICFER e deficiência de ferro, definida como ferritina <100 ng/ml ou entre 100-300 ng/ml se a saturação de transferrina for <20%.
    • Recomendação fraca (IIb B) de suplementação endovenosa de ferro em pacientes sintomáticos por IC e com deficiência de ferro, para melhorar a classe funcional e a qualidade de vida. Não há evidências de beneficio da suplementação de ferro sobre mortalidade, mas os autores recomendam aguardar pelos resultados do estudo FAIR-HF2 que está avaliando o impacto do ferro EV sobre desfecho combinado de internação e morte cardiovascular em pacientes com ICFER.
    • Na diretriz de 2013 os autores afirmavam não haver evidência suficiente para indicação de agentes estimuladores da eritropoetina na IC. No entanto, o estudo RED-HF não encontrou benefícios da darbepoetina alfa sobre o desfecho combinado de morte por todas as causas ou internação por IC em pacientes com ICFER, além de ter aumentado o número de eventos tromboembólicos. Logo, a atualização não recomenda o uso de agentes estimuladores da eritropoetina em doentes com IC e anemia.
  • Hipertensão: Existe forte evidência de que o início da IC possa ser atrasado, ou mesmo prevenido, através de intervenções direcionadas ao controle dos fatores de risco nos pacientes em estágio A. Também existe evidência recomendando o controle rigoroso da pressão arterial, especialmente a sistólica, em pacientes com IC (particularmente ICFEP).
    • Recomendação forte (I B) de controle pressórico (< 130/80 mmHg) para prevenção da IC em indivíduos hipertensos e com alto risco cardiovascular, em especial, > 75 anos de idade, insuficiência renal crônica, doença vascular ou escore de Framingham > 15%.
    • Recomendação forte (I C) de titulação de terapia anti-hipertensiva até atingir pressão arterial sistólica inferior a 130 mmHg em pacientes com ICFER e HAS ou com ICFEP e HAS persistente após manejo da sobrecarga de volume. Em geral a terapia convencional da ICFER, que associa betabloqueadores, iECA/BRA/ARNI e espironolactona em pacientes com ventrículo esquerdo em falência, costuma cursar com hipotensão. Bloqueadores do canal de cálcio não-diidropiridínicos são contraindicados na ICFER. Dados sobre a escolha de terapia anti-hipertensiva na ICFEP são limitados, mas os nitratos parecem piorar a capacidade física e devem ser evitados na maioria das situações. Por outro lado, inibidores do SRAA como iECA, BRA e, especialmente, antagonistas da aldosterona parecem ser as melhores escolhas.
  • Apneia do sono: Distúrbios do sono são comuns em pacientes com IC. Um estudo em pacientes com IC crônica sob terapia otimizada identificou que 61% tinham apnéia central ou obstrutiva do sono.
    • A atualização recomenda polissonografia em pacientes com IC sintomática e suspeita de distúrbios respiratórios do sono ou sonolência diurna excessiva (recomendação moderada – IIa C). É importante distinguir se a apnéia do sono é obstrutiva ou central, pois a resposta ao tratamento é diferente.
    • Na apnéia obstrutiva do sono o uso de CPAP pode melhorar a qualidade do sono, reduzir o índice de apnéia-hipopnéia e aumentar a oxigenação noturna. Entretanto, por ter benefício restrito ao desfecho de qualidade do sono mas sem impacto em desfechos cardiovasculares, a atualização considerou recomendação fraca (IIb B) de CPAP na apnéia obstrutiva do sono em pacientes com doença cardiovascular, inclusive IC.
    • Já em pacientes sintomáticos com ICFER que apresentam apnéia central do sono, a servoventilação adaptativa está associada a aumento nas taxas de morte (por todas as causas e cardiovascular). Portanto, a servoventilação adaptativa está contraindicada na apnéia central do sono.

Essa atualização não alterou as recomendações de 2013 sobre abordagens cirúrgicas, percutâneas ou de estimulação artificial na IC.

2017 ACC/AHA/HFSA Focused Update of the 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of Heart Failure. Clyde W. Yancy, Mariell Jessup, Biykem Bozkurt, Javed Butler, Donald E.Casey, Monica M. Colvin, Mark H. Drazner, Gerasimos S. Filippatos, Gregg C.Fonarow, Michael M. Givertz, Steven M. Hollenberg, JoAnn Lindenfeld, Frederick A. Masoudi, Patrick E. McBride, Pamela N. Peterson, Lynne WarnerStevenson, Cheryl Westlake. Journal of the American College of Cardiology Apr 2017, 23682; DOI:10.1016/j.jacc.2017.04.025

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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