Emergências Insuficiência Cardíaca

Atualizações sobre o “tempo porta-furosemida” na insuficiência cardíaca descompensada

Escrito por Jefferson Vieira

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Semelhante ao que ocorre no tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM), o conceito de “tempo para terapia” também tem sido sugerido por alguns autores para o manejo da insuficiência cardíaca aguda descompensada (ICAD), enfatizando a importância da diureticoterapia precoce. No ano passado, apresentamos aqui os resultados da coorte observacional REALITY-AHF que demonstrou os benefícios de um “tempo porta-furosemida” (TPF) inferior a 60 min. em 1.291 pacientes admitidos por ICAD. Naquela ocasião, já havíamos opinado que reconhecimento precoce, diureticoterapia bem indicada e identificação de fatores descompensadores seriam provavelmente mais importantes do que o TPF.

Recentemente foram publicados os resultados de uma outra coorte ainda maior, o registro KorAHF, que avaliou 2.761 pacientes admitidos por ICAD e não encontrou diferença entre o TPF precoce (< 60 min.) ou o tardio (> 60 min.) nos desfechos de morte intra-hospitalar ou pós-alta. O KorAHF utilizou um follow-up razoavelmente longo (≥ 3 anos) aliado a um escore de propensão para tentar atenuar possíveis fatores de confusão. Entretanto, há uma série de limitações típicas de estudos observacionais.

Ambos os registros REALITY-AHF e KorAHF examinaram o mesmo assunto com desenhos parecidos, mas encontraram resultados opostos. Questões metodológicas como diferenças na coleta de dados, nas populações dos estudos ou nas práticas clínicas adotadas em diferentes países poderiam explicar esses resultados. Entretanto, embora existam algumas diferenças entre as características dos pacientes do KorAHF e do REALITY-AHF, ambos tinham populações asiáticas orientais com perfis de risco comparáveis. Outras diferenças podem não ser tão evidentes a partir dos dados apresentados, ou ainda, estarem relacionadas ao acaso.

Os editoriais que acompanham o KorAHF  e o REALITY-AHF foram escritos pelos mesmos autores e sugerem que a ICAD é, na maioria das vezes, um processo “subagudo” desencadeada por um gatilho remoto, seguido por congestão gradualmente progressiva e reversível com diureticoterapia. De acordo com essa lógica, há um intervalo de tempo relativamente longo entre o gatilho e a ICAD manifesta e, portanto, o impacto do TPF em desfechos clínicos de IC seria menor que o da abertura de uma coronária agudamente ocluída no IAM com supra. Outra consideração importante é a complexidade do processo de descompensação da IC, que é conduzido por mecanismos patológicos heterogêneos que variam entre os doentes.

Em resumo, o tratamento ideal da ICAD continua sendo direcionado para melhorar a  hemodinâmica e atenuar os sintomas, e há controvérsia sobre os potenciais benefícios de encurtar o “tempo para o tratamento” com diuréticos. Embora pareça evidente que o diagnóstico precoce e o início imediato da terapia especializada façam parte de um atendimento clínico eficiente na IC, continua sendo mais importante fazer o tratamento “bem feito” do que “fazer com pressa”.

Matsue Y, Damman K, Voors AA, et al. Time-tofurosemide treatment and mortality in patients hospitalized with acute heart failure. J Am Coll Cardiol 2017;69:3042–51.

Park JJ, KimS-H,OhI-Y, et al. The effect of door-todiuretic time on clinical outcomes in acute heart failure patients. J Am Coll Cardiol HF 2018;6:286–94.

 

 

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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