Coronariopatia

Clopidogrel deve substituir a aspirina na doença aterosclerótica?

Escrito por Remo Holanda

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A monoterapia com aspirina (ácido acetilsalicílico) constitui o tratamento antitrombótico padrão na prevenção secundária de pacientes com doença aterosclerótica1. Entretanto, estudos mais antigos já haviam sugerido um potencial benefício de uso dos antagonistas do ADP, como o clopidogrel, no lugar da aspirina. No estudo CAPRIE, o clopidogrel levou a uma redução relativa de risco modesta, de aproximadamente 9%, nos eventos isquêmicos em relação à aspirina2. Entretanto, o estudo CAPRIE incluiu pacientes com infarto recente (< 35 dias), uma população para a qual a monoterapia com aspirina não é utilizada rotineiramente na atualidade. Além disso, o estudo CAPRIE foi feito numa época em que o controle dos fatores de risco, como hipertensão, diabetes e dislipidemia, não era tão adequado quanto atualmente. Resta então a pergunta: em pacientes com doença ateroscletótica com o tratamento otimizado contemporâneo, seria a monoterapia com antagonistas de ADP superior à monoterapia com aspirina na prevenção secundária de eventos cardiovasculares?

Esta questão foi estudada em uma meta-análise recentemente publicada no periódico European Heart Journal Open3. Neste estudo, Aggarwal e cols. analisaram um total de 61.623 pacientes incluídos em 9 estudos randomizados (5 com clopidogrel e 4 com ticagrelor). Os autores observaram que o uso do antagonista de ADP se associou a uma redução de eventos aterotrombóticos (morte, infarto ou AVC) de 11% (risk ratio 0,89; IC 95% 0,84-0,95; P = 0,0003) em relação à aspirina. Tal redução ocorreu às custas de menor ocorrência de infarto a favor do uso dos antagonistas de ADP (risk ratio 0,81; IC 95% 0,71-0,92; P = 0,0009). Não houve diferença entre os grupos em relação à ocorrência de sangramento maior (risk ratio 0,94; IC 95% 0,72-1,22; P = 0,62). O resultado foi consistente independentemente do tipo de antagonista de ADP utilizado, e independentemente do tipo de doença aterosclerótica considerada (doença coronária, cerebrovascular ou vascular periférica).

O que estes resultados sugerem e como eles devem ser interpretados? Em uma meta-análise, os resultados devem ser considerados de acordo com alguns critérios de qualidade essenciais. O primeiro diz respeito à heterogeneidade. Quando os resultados dos estudos incluídos na meta-análise são muito diferentes ou mesmo discrepantes, a combinação dos estudos em um só deve ser interpretada com extrema cautela. Em segundo lugar, é importante se analisar a robustez, ou seja, se os resultados se mantêm mesmo quando alguns estudos específicos são excluídos (a fim de avaliar se algum estudo em particular está “levando” os resultados da meta-análise). E por fim, o viés de publicação, quando o resultado da meta-análise superestima o efeito do tratamento pelo fato de estudos com resultados neutros simplesmente não terem sido publicados, ainda que tenham sido realizados (este é, aliás, um problema inerente a todas as meta-análises!). No presente estudo, um ponto importante foi que, apesar da pequena heterogeneidade estatística, houve uma grande heterogeneidade entre os critérios clínicos dos estudos incluídos, de tal maneira que foram combinados pacientes com doenças em diferentes leitos vasculares.

Feitas estas considerações, o estudo de Aggarwal e cols. sugere que o uso de monoterapia com antagonista de ADP (clopidogrel ou ticagrelor) pode ser considerado no lugar da monoterapia com aspirina na prevenção secundária de eventos aterotrombóticos. Outras opções interessantes nesta população seriam o uso de dupla antiagregação com aspirina + anti ADP, ou mesmo de aspirina com rivaroxabana em baixa dose (2,5 mg 2 x dia)4,5,6, embora tais opções devem ser pesadas em relação ao maior risco de sangramento.

Nota do editor (Eduardo Lapa) – gostaríamos de parabenizar nosso colaborador Remo Holanda pela publicação do artigo comentado neste post.

REFERÊNCIAS

  1. Baigent C, Blackwell L, Collins R et al. Antithrombotic Trialists’ Collaboration. Aspirin in the primary and secondary prevention of vascular disease: collaborative meta-analysis of individual participant data from randomised trials. Lancet 2009; 373: 1849–1860
  2. CAPRIE Steering Committee. A randomised, blinded, trial of clopidogrel versus aspirin in patients at risk of ischaemic events (CAPRIE). Lancet. 1996;348:1329–39.
  3. Aggarwal D, Bhatia K, Chunawala ZS, Furtado RHM, et al. P2Y12 Inhibitor versus Aspirin Monotherapy for Secondary Prevention of Cardiovascular Events: Meta-Analysis of Randomized Trials. Eur Heart J Open 2022; [epub ahead of print].
  4. Eikelboom JW, Connolly SJ, Bosch J, Dagenais GR, et al. COMPASS Investigators. Rivaroxaban with or without Aspirin in Stable Cardiovascular Disease. N Engl J Med. 2017; 377(14):1319-1330.
  5. Udell JA, Bonaca MP, Collet JP, Lincoff AM, Kereiakes DJ, Costa F, Lee CW, Mauri L, Valgimigli M, Park SJ, Montalescot G, Sabatine MS, Braunwald E, Bhatt DL. Long-term dual antiplatelet therapy for secondary prevention of cardiovascular events in the subgroup of patients with previous myocardial infarction: a collaborative meta-analysis of randomized trials. Eur Heart J 2016; 37: 390-9.
  6. Palmerini T, Della Riva D, Benedetto U, Bacchi Reggiani L, Feres F, Abizaid A, Gilard M, Morice MC, Valgimigli M, Hong MK, Kim BK, Jang Y, Kim HS, Park KW, Colombo A, Chieffo A, Sangiorgi D, Biondi-Zoccai G, Généreux P, Angelini GD, Pufulete M, White J, Bhatt DL, Stone GW. Three, six, or twelve months of dual antiplatelet therapy after DES implantation in patients with or without acute coronary syndromes: an individual patient data pairwise and network meta-analysis of six randomized trials and 11 473 patients. Eur Heart J 2017; 38: 1034-1043.

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