Insuficiência Cardíaca Métodos complementares Miocardiopatias

Como a Ressonância Cardíaca pode ajudar na estratificação de risco arrítmico em pacientes com Miocardiopatia Dilatada não isquêmica?

Escrito por Ricardo Rocha

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A estratificação de risco para arritmias ventriculares e morte súbita em pacientes com cardiomiopatia dilatada não isquêmica (MCPD) se baseia tradicionalmente na avaliação fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). No entanto, a FEVE sozinha não é um preditor muito preciso de desfechos arrítmicos. Estudos randomizados nesta população, com critérios de inclusão que incluíam FEVE< 35%, falharam em demonstrar benefício significativo de sobrevida com cardiodesfibrilador implantável (CDI) para prevenção primária.  Nos últimos anos, a fibrose miocárdica detectada por ressonância magnética cardíaca (RMC) com a técnica de realce tardio com gadolínio surgiu como um forte e consistente preditor de arritmia ventricular e morte súbita. A ressonância cardíaca poderia ajudar a estratificar melhor pacientes com miocardiopatias? Um estudo recentemente publicado no JACC avaliou o impacto do realce tardio na estratificação de risco para arritmia ventricular e morte súbita em pacientes com MCPD.

  • Estudo de coorte retrospectivo.
  • Endpoint primário – Desfecho arrítmico combinado: choque apropriado de CDI, TV sustentada, morte súbita abortada ou morte súbita.
  • 1.165 pacientes.
  • Tempo médio de acompanhamento: 36 meses.
  • Setenta e quatro pacientes (6%) atingiram o desfecho primário durante o acompanhamento. Destes, o mais frequente foi a terapia apropriada com CDI em 33 casos.
  • O padrão de fibrose com distribuição mesocárdica no septo interventricular foi o mais frequente, encontrado em 74% dos pacientes com realce tardio. A extensão do realce mostrou uma tendência de maior risco arrítmico (HR: 1,1; p = 0,07).
  • Pacientes com realce combinado (septal e  parede lateral) tiveram maior taxa de eventos em comparação com pacientes com realce somente septal ou parede lateral (18% vs. 11% [p = 0,025]; HR: 1,71 [ p = 0,03]).
  • Realce epicárdico ou transmural foi associado a uma maior proporção do desfecho primário em comparação com o realce mesocárdico (21% vs. 11% [p = 0,007]; HR: 1,71 [p = 0,035]).
  • Padrão de realce de alto risco (encontrado em 46% de todos os pacientes com realce tardio). –       Epicárdico; –       Transmural; –       Combinado: Septal e parede lateral.
  • O realce tardio foi preditor independente do desfecho arrítmico (HR: 9,7; p < 0,001). Essa associação foi consistente em todos os estratos de FEVE.
  • Um algoritmo simples combinando realce tardio e 3 estratos FEVE (<20%, 21% – 35% e > 35%) foi significativamente superior à FEVE com o corte de 35% (área sob a curva : 0,82 vs. 0,7; p <0,001) e reclassificou o risco arrítmico de 34% dos pacientes com MCPD.
  • Ausência de realce tardio em pacientes com FEVE de 21% a 35% mostrou baixo risco de eventos (taxa  anual de 0,7%), enquanto aqueles com distribuições de realce de alto risco e FEVE> 35% tinham risco significativamente maior (taxa de evento anual de 3%; p =0,007).

De maneira prática, estabelece-se 4 categorias de risco arrítmico ao se considerar o resultado da ressonância nas miocardiopatias não isquêmicas: 1) Baixo risco (taxa de evento anual de 0,2%): Realce negativo em pacientes com FEVE> 20%. 2) Risco intermediário a baixo (taxa de eventos anuais de 1,6%): pacientes com realce sem distribuição de alto risco e com FEVE> 35%. 3) Risco intermediário a alto (taxa de evento anual de 2,8%): pacientes com realce com distribuição de alto risco e FEVE > 35%, bem como pacientes com realce negativo e  FEVE <20%. 4) Alto risco (taxa de eventos anual de 7,2%): pacientes com realce (qualquer padrão) com FEVE < 35%.

Sequência de realce tardio miocárdico em corte de eixo curto mostrando fibrose mesocárdica septal (setas) em paciente com Miocardiopatia dilatada não isquêmica.

O novo algoritmo clínico identificou um verdadeiro grupo de baixo risco, representando 54% da população do estudo, mas apresentando apenas 5% do total de eventos arrítmicos; em contraste, o grupo de pacientes de supostamente baixo risco com FEVE> 35% apresentou 24% do total de eventos arrítmicos. Pacientes de alto risco do novo modelo de estratificação de risco tinham risco arrítmico significativamente maior em comparação com o grupo de alto risco selecionado pelo ponto de corte FEVE 35% (p = 0,009).

A reclassificação de risco usando ressonância nas miocardiopatias não isquêmicas com o novo algoritmo tem implicações importantes para a seleção do CDI:

  • Pacientes com ausência de realce tardio e FEVE entre 21% e 35%, que de acordo com as diretrizes internacionais deveriam receber CDI para  prevenção primária, tiveram baixo risco de eventos no estudo.
  • Em pacientes com FEVE> 35%, atualmente excluídos do implante de CDI para  prevenção primária, a presença de realce com a distribuição de alto risco foi associada a risco intermediário a alto, sugerindo que esses pacientes podem se beneficiar desta terapia.
  • Pacientes com FEVE> 35%  e com realce sem características de alto risco tinham risco arrítmico intermediário a baixo e uma estratificação adicional (ex: exemplo, por teste genético, indução de taquicardia ventricular, volume extracelular, strain global longitudinal ) pode ajudar a individualizar a aqueles que podem se beneficiar do implante de CDI.
  • O melhor ponto de corte de risco para prever o desfecho arrítmico combinado foi risco intermediário-alto, sugerindo que a eficiência do implante de CDI na prevenção primária poderia ser maximizada visando pacientes com alto risco ou risco intermediário a alto.

Comentário: Os resultados negativos do ensaio DANISH, que avaliou a eficácia do CDI como profilaxia primária em pacientes com insuficiência cardíaca não isquêmica podem ser explicados pelo fato de que os critérios atuais para prevenção primária não selecionam adequadamente os pacientes de alto risco. Por outro lado, limitar as indicações do CDI para pacientes com FEVE < 35% exclui pacientes com risco arrítmico significativo. Em resumo, o algoritmo clínico proposto, que combina realce e FEVE, tem implicações clínicas importantes, pois fornece uma estratégia mais eficiente para direcionar a indicação de CDI como profilaxia primária em pacientes com MCPD não isquêmica.  

Referência:

Di Marco, A. J Am Coll Cardiol. 2021;77(23):2890–905.

 

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Sobre o autor

Ricardo Rocha

Residência em Cardiologia pela USP - Ribeirao Preto
Título de Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Tomografia e Ressonância Cardiovascular pelo InCor/FMUSP
Médico do setor de Imagem Cardiovascular das Clinicas Boghos Boyadjian e Mário Marcio - Fortaleza - CE
Médico do setor de Cardiologia e Imagem Cardiovascular do Hospital Monte Klinikum - Fortaleza - CE

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