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Nos casos mais severos de IC, a disfunção renal e a resistência diurética restringem as opções terapêuticas disponíveis para aliviar a sobrecarga hídrica. A ultrafiltração extracorpórea (UF) é a retirada de água do plasma obtido do sangue total durante circulação através de um hemofiltro extracorpóreo em resposta a uma pressão transmembrana. Solutos cruzam essa membrana semipermeável livremente, de modo que o fluido pode ser removido sem causar alterações na concentração de eletrólitos e de outros solutos sem ativação direta do sistema renina-angiotensina-aldosterona. As máquinas modernas de UF são relativamente fáceis de usar, com configurações focadas no ajuste da taxa de remoção do fluido isotônico que geralmente é restrita ao máximo de 500ml/h com média de 4,7 L/sessão.
A UF é indicada como alternativa em pacientes com IC descompensada e sobrecarga hídrica refratária a diuréticos, mas os ensaios clínicos randomizados sobre seus benefícios tem resultados controversos. Estudos como o RAPID-CHF e o UNLOAD demonstraram maior remoção de volume no grupo submetido a UF, mas foram criticados por não terem sido agressivos com a dose de diurético utilizada no grupo controle. Já no estudo CARESS-HF, que tratou agressivamente os doentes do grupo controle com diuréticos, inotrópicos e/ou vasodilatadores para manter o débito urinário entre 3-5L/dia, não encontrou diferenças entre os grupos. O protocolo de UF aplicado no CARESS-HF pode ter sido insuficiente, pois a taxa de UF foi fixada em 200ml/h enquanto no UNLOAD foram aplicadas taxas de até 500ml/h, com média de 241ml/h. Além disso, no CARESS-HF, o grupo da UF apresentou mais eventos adversos por sangramento, complicações com os cateteres e piora renal. O estudo AVOID-HF, também associou a UF com mais eventos adversos como infecção, sangramento, hipotensão grave e síndrome coronariana aguda. Vale ressaltar que o AVOID-HF foi encerrado precocemente por decisão unilateral do patrocinador do estudo, apesar de ter apontado tendência de benefícios clínicos na IC favorecendo o grupo submetido a UF. Para aumentar a controvérsia, o estudo CUORE demonstrou menos readmissões no grupo UF e o estudo ULTRADISCO demonstrou maior redução de peso, melhora sintomática e redução significativa dos níveis de NTpro-BNP e da resistência vascular sistêmica no grupo UF.
Esses resultados controversos destacam o fato de que a taxa ideal de UF e o perfil de pacientes respondedores não são totalmente compreendidos. Uma recomendação geral importante é que o enchimento capilar intersticial diminui à medida que volume é removido e taxas de UF > 250ml/h normalmente não devem ser prescritas. Além disso, pacientes com IC direita ou com fração de ejeção preservada são dependentes da pré-carga e não toleram taxas de UF maiores que 50-100ml/h. Uma boa tática, tanto para a UF quanto para a diureticoterapia otimizada, é de usar o “peso seco” que antecedeu a descompensação como alvo terapêutico.
Como não há evidência definitiva que favoreça a terapia dialítica na IC descompensada com sobrecarga hídrica, as diretrizes atuais indicam seu uso somente em pacientes com resistência diurética. A diretriz europeia recomenda os seguintes critérios para indicar terapias de substituição renal em doentes com sobrecarga hídrica refratária: oligúria não-responsiva a medidas farmacológicas, hipercalemia grave (K > 6,5mEq/L), acidemia grave (pH < 7,2), uréia > 150mg/dL e creatinina > 3,4mg/dL.
Nota: A diálise peritoneal (PD) é outra opção terapêutica, mas que pode ser realizada em casa, utilizando o peritônio como filtro. Estudos sugerem que a DP é viável e segura, e que pode reduzir o peso corporal e melhorar os sintomas e o estado funcional.