Coronariopatia Emergências

Como utilizamos antitrombóticos nos pacientes com síndromes coronárias agudas?

Escrito por Humberto Graner

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“Paciente com síndrome coronária aguda na sala de emergência: ataque de antiplaquetários, anticoagulante parenteral, e depois dupla antiagregação por 12 meses.” A maioria de nós aprendeu esta abordagem (relativamente simples!) no manejo de pacientes com SCA. Mas o esquema de antitrombóticos para estes pacientes tem se tornado cada vez mais complexo. Com base numa revisão recentemente publicada no NEJM, vamos destacar os aspectos mais atuais deste tratamento a seguir:

A fissura, erosão ou ruptura de uma placa aterosclerótica resulta na ativação de plaquetas e da cascata de coagulação. Esse é o principal mecanismo patológico das SCA. Mesmo após a alta hospitalar, esses pacientes ainda apresentam um risco residual considerável de novos eventos isquêmicos. Por esta razão, o tratamento antitrombótico (basicamente, terapia antiplaquetária e anticoagulante) é um dos principais pilares na abordagem desses pacientes.

Terapia Antiplaquetária

Dupla antiagregação plaquetária (DAPT) ainda é a pedra angular no manejo de uma SCA.

Vários ensaios clínicos mostraram que a combinação de ácido acetilsalicílico (AAS) com um inibidor do ADP (clopidogrel, ticagrelor, prasugrel) reduzem risco de eventos isquêmicos, mas às custas de aumento nas chances de sangramento. Apesar da demonstrada superioridade de ticagrelor e prasugrel sobre clopidogrel, este ainda é o inibidor P2Y12 mais utilizado nos EUA (e certamente também no Brasil). Em associação ao AAS, diretrizes recentes recomendam ticagrelor ou prasugrel como tratamento de escolha para todos os pacientes com SCA, a menos que haja contraindicações. As diretrizes da ESC recomendam considerar prasugrel em vez de ticagrelor para pacientes com síndromes coronárias agudas não STE que se submetem a ICP. Esta recomendação foi muito baseada no estudo ISAR-REACT 5, que possui algumas limitações (já comentadas aqui).

Para a maioria dos pacientes, DAPT é recomendada por um período mínimo de 12 meses

Exceções incluem:

  • cirurgia de urgência necessária
  • fibrilação atrial (FA) com necessidade de anticoagulação
  • O risco de sangramento é muito alto (p.ex. trombocitopenia, doença hepática grave, doença renal avançada)

Quando esses pacientes interrompem DAPT para serem submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio, eles devem retomar a dupla antiagregação por pelo menos 12 meses APÓS a cirurgia. Esta recomendação é frequentemente esquecida.

Estender DAPT para além de 12 meses reduz o risco de eventos isquêmicos, mas com um risco proporcional de aumento de sangramento. Por isso, deve ser individualizado. Existem ferramentas (calculadoras, escores) que auxiliam na tomada desta decisão. Por exemplo, pacientes com anatomia coronária complexa, lesões residuais, ou ainda outra doença vascular, e que não apresentam alto risco de sangramento podem se beneficiar de uma duração mais longa de DAPT Por outro lado, nesses pacientes com elevado risco de eventos hemorrágicos, uma abordagem alternativa é descontinuar a aspirina em vez do inibidor P2Y12.

Uma meta-análise recente de O’Donoghue et al. concluiu que a descontinuação da aspirina, seguindo apenas com o inibidor P2Y12 em monoterapia após 1 a 3 meses de DAPT reduziu o risco de sangramento e não foi associada a um risco aumentado de eventos isquêmicos em pacientes pós-SCA.

Aliás, nos últimos anos, a maioria dos dados disponíveis apoia o conceito de que DAPT precoce e altamente intensiva (com antiplaquetários potentes) pode ser diminuída com segurança ao longo do tempo, com a manutenção do P2Y12 em monoterapia para reduzir eventos isquêmicos e risco de sangramento simultaneamente.

Terapia anticoagulante

Para pacientes hospitalizados, anticoagulação parenteral deve ser realizada na fase precoce da coronariopatia aguda (até 48 horas após o evento ou até a realização da ICP). O paciente que será encaminhado para uma estratégia invasiva com uma transição muito rápida para o laboratório de hemodinâmica (dentro de algumas horas), pode ser pode ser melhor tratado com heparina não fracionada (ou bivalirudina – não disponível no Brasil). Ao passo em que, para aquele paciente que será manejado de forma mais conservadora inicialmente, geralmente se faz enoxaparina ou fondaparinux.

Alguns estudos já exploraram a associação de DOAC em dose baixa e DAPT nos meses seguintes à uma SCA. Ao todo, esses estudos não endossam “terapia tripla” pós-SCA pelo risco aumentado de sangramentos.

Em relação aos pacientes com FA que apresentam uma SCA, a totalidade das evidências apoiam uma curta duração de terapia tripla, seguida da combinação de um inibidor P2Y12 (clopidogrel em sua maioria) e um DOAC por pelo menos 12 meses.

Alternativamente, as diretrizes americanas de 2019 para o manejo da FA recomenda o uso de DAPT após SCA naqueles pacientes com uma pontuação CHA2DS2-VASc de 0 a 1.

Concluindo…

Aquela história de sempre individualizar o tratamento aqui também é regra. Muitos pacientes atendidos na prática clínica não atendem perfeitamente aos critérios de inclusão dos ensaios clínicos randomizados ou possuem características sociodemográficas que requerem consideração especial. Os médicos devem sempre equilibrar as características individuais que favorecem sangramento, como idade avançada, baixo peso corporal e condições coexistentes (como câncer, doença renal ou hepática), com as características associadas a alto risco isquêmico, como diabetes e doenças aterosclerótica difusa.

Além disso, há sempre o desafio da aderência. Evidências contemporâneas sugerem que quase um quarto dos pacientes descontinuam a terapia antiplaquetária prematuramente após uma SCA. Seus motivos incluem efeitos colaterais, complexidade do tratamento, custo e interrupção do medicamento para procedimentos não cardíacos. Engajar, educar, monitorar, adequar o tratamento devem ser sempre prioridade no seguimento desses pacientes.

O esquema abaixo é proposto pelos autores do artigo. Atenção: esse esquema de antitrombóticos difere em alguns aspectos dos mostrados nas diretrizes atuais.

Referências

Rodriguez F & Harrington RA. Management of Antithrombotic Therapy after Acute Coronary Syndromes. N Engl J Med 2021; 384:452-460

O’Donoghue ML, Murphy SA, Sabatine MS. The safety and efficacy of aspirin discontinuation on a background of a P2Y12 inhibitor in patients after percutaneous coronary intervention: a systematic review and meta-analysis. Circulation 2020;142:538-545.

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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