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Desafio de ECG – Qual a causa da dor torácica deste paciente?

Escrito por Gabriela Rassi

Esta publicação também está disponível em: Português

Paciente de 31 anos do sexo masculino, sem comorbidades conhecidas, referia queixa de dispneia progressiva aos esforços no último ano. Apresentou episódio de dor torácica típica que o levou a procurar atendimento em pronto socorro. Tinha troponina tocada e por isso foi realizado cateterismo cardíaco, que não mostrou lesões obstrutivas. Apresentava na entrada o seguinte ECG:

A partir dos dados clínicos e do ECG acima, qual a principal hipótese diagnóstica?

Resposta:

Resposta: Observa-se um ECG em ritmo sinusal com algumas extrassístoles supraventriculares (note que alguns batimentos de QRS estreito ocorrem de forma precoce). Há sobrecarga atrial esquerda (veja que a onda P é alargada e bífida em DII). Além disso, chama a atenção um clássico padrão de hipertrofia ventricular esquerda e alteração da repolarização ventricular.

O paciente em questão realizou outros exames complementares: ECO TT sem valvopatia primária, VE com disfunção diastólica e espessura de parede de 26 mm. Ressonância magnética cardíaca apresentava fibrose de 15%.

E agora? Com todos esses dados apresentados, fica mais fácil e claro o diagnóstico de miocardiopatia hipertrófica (MH)!

Trata-se da doença cardiovascular genética mais comum na população geral, apresentando prevalência de aproximadamente 0,2%. É uma doença autossômica dominante com penetrância variável caracterizada por mutações em diversos genes que codificam proteínas sarcoméricas.

Caracteriza-se por hipertrofia ventricular esquerda (HVE) na ausência de outras doenças que possam justificá-la (como doença arterial coronariana, doença valvar, hipertensão ou cardiopatia congênita).

Seu diagnóstico em adultos pode ser estabelecido por uma espessura de parede ≥ 15 mm em um ou mais segmentos do miocárdio do VE (medido por ecocardiograma ou ressonância magnética cardíaca). A presença de hipertrofia entre 13-14 mm pode dar o diagnóstico se teste genético positivo ou familiares com a patologia.

As consequências da MH consistem em obstrução dinâmica da via de saída do VE (gradiente ≥ 30 mmHg), regurgitação mitral, disfunção diastólica, isquemia miocárdica, arritmias e disfunção autonômica. A apresentação clínica, portanto, pode ser variável, dependendo das características fisiopatológicas que predominam e do estágio em que se encontra a  patologia.

Muitos pacientes são assintomáticos ou oligossintomáticos e o diagnóstico é frequentemente feito por triagem familiar, detecção de sopro durante exame de rotina (sopro sistólico que aumenta com a manobra de Valsalva, lembra?) ou identificação de um eletrocardiograma anormal.

O ECG de superfície em pacientes com MH pode mostrar diversos padrões anormais e está alterado em 90% dos pacientes. Evidências de aumento do AE, anormalidades da repolarização (alterações ST, incluindo inversão marcada da onda T) e ondas Q profundas e estreitas (mimetizando infarto do miocárdio, mais comumente nas derivações inferolaterais) são os achados mais frequentes do ECG e podem preceder a evidência manifesta de hipertrofia ventricular.

No entanto, as anormalidades do ECG não se correlacionam com a gravidade ou padrão de hipertrofia do VE e nenhum padrão específico de ECG é característico ou preditivo de eventos futuros. Além disso, vale ressaltar que não há correlação previsível entre os sintomas clínicos e a presença ou gravidade da obstrução da VSVE ou a extensão da hipertrofia ventricular.

A avaliação inicial visa estabelecer o diagnóstico de MH, excluindo outras causas potenciais de hipertrofia do VE, avaliar a extensão da doença e os mecanismos subjacentes dos sintomas (por exemplo, dor torácica, síncope, palpitações), bem como a estratificação de risco para morte súbita cardíaca (MSC).

A incidência de MSC na MH é de aproximadamente 0,7% ao ano. No entanto, certos subgrupos de pacientes podem ter um risco anual superior a 3% a 5%. Logo, é fundamental identificar pacientes de alto risco que sejam apropriados para terapia profilática de CDI.

Os principais fatores de risco para MSC incluem:

  • HVE maciça (espessura máxima da parede ≥30 mm);
  • Síncope inexplicada nos últimos 6 meses;
  • História familiar de morte súbita prematura em parente de primeiro grau < 50anos;
  • Taquicardia ventricular não sustentada (múltipla, repetitiva);
  • Resposta anormal da pressão arterial no exercício;

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Outros fatores de risco incluem: FEVE < 50%, aneurisma apical, realce tardio extenso na RNM, gradiente significativo da via de saída do ventrículo esquerdo em repouso, múltiplas mutações no sarcômero, ablação septal alcoólica prévia e outros fatores modificáveis ​​(exercício intensivo, doença arterial coronariana)

Recomenda-se o implante de CDI nas seguintes situações (guidelines AHA 2020):

  • Pacientes com história de parada cardíaca ou taquicardia ventricular sustentada (TV) – Classe I;
  • Hipertrofia maciça de VE ≥ 30 mm, história de suspeita de síncope cardíaca, aneurisma apical de VE, disfunção sistólica com fração de ejeção (FE) <50% ou história familiar de morte cardíaca por MH – Classe IIa.

Em relação ao tratamento medicamentoso, de um modo geral, indica-se o uso de betabloqueador nos pacientes sintomáticos com ou sem obstrução da VSVE. Caso sejam ineficientes ou não tolerados, pode-se tentar o uso de Verapamil ou Diltiazem. Aqueles que refratários Para sintomas refratários a esses agentes, pode-se considerar a redução cirúrgica do septo ou ablação septal com álcool em centros experientes.

Os pacientes com fibrilação atrial e MH devem ser anticoagulados independente do CHA2DS2-VASc. Naqueles pacientes com terapias pelo CDI, indica-se a terapia antiarrítmica (amiodarona ou sotalol podem ser considerados).

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Fonte:

Clinical arrhythmology and electrophysiology: a companion to Braunwald’s heart disease / Ziad F. Issa, John M. Miller, Douglas P. Zipes.— 2nd ed.

2020 AHA/ACC guideline for the diagnosis and treatment of patients with hypertrophic cardiomyopathy: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation.

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