Arritmia Síncope

Devemos abolir o tilt test para avaliação de síncope?

Escrito por Pedro Veronese

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Como se sabe, o tilt test (TT) é um exame utilizado para avaliação, principalmente, de síncope neuromediada (SNM) e hipotensão ortostática (HO). Porém, um artigo recentemente publicado, Circulation. 2020; 141:335–337, vem contestando o real papel desta ferramenta para avaliação de síncope. Os principais argumentos dos autores são:

1. O TT falha em estabelecer uma causa evidente de síncope;

2. Tem uma alta taxa de resultados falso positivos;

3. Nunca é útil para guiar o tratamento.

Baseado nessas premissas, os pesquisadores sugerem que o exame deva ser abandonado.

Síncope representa 1 a 3% de todas as visitas ao serviço de emergência, com taxas de hospitalização acima de 30%. Seu elevado custo ao sistema de saúde já é bem conhecido, assim como as altas taxas de exames desnecessários solicitados para a sua investigação, especialmente tomografia e ressonância de crânio. É sabido também, que uma avaliação inicial baseada numa boa anamnese, exame físico (incluindo avaliação ortostática) e ECG de repouso, tem uma acurácia diagnóstica de 88%.

As SNM, em especial a síncope vaso-vagal, representa a maioria dos casos. A história clínica, os gatilhos clínicos, os pródromos, a idade do paciente, a sua recorrência, a ausência de cardiopatia e uma história familiar benigna são clássicos desse quadro. Dado o prognóstico benigno, a alta acurácia diagnóstica da avaliação clínica inicial, o que o TT acrescentaria? A diretriz americana sugere a realização do TT em pacientes com suspeita de SNM quando esse diagnóstico não fica claro após uma avaliação clínica inicial.

Contudo, síncope durante o TT tem uma baixa especificidade.

🚨🚨A diretriz europeia relata que 92% dos pacientes com diagnóstico de SNM têm um TT positivo, porém 47% dos pacientes com síncope arrítmica, quase a metade, também têm um exame positivo.🚨🚨

Quando ele é sensibilizado, o risco de síncope durante o exame, mesmo em indivíduos que nunca tiveram evento aumenta consideravelmente. É importante enfatizar que em condições especiais, qualquer pessoa pode ter síncope. Síncope em posição ortostática é frequente em atletas com corações muito complacentes. Nesta população, o mecanismo da síncope durante o TT pode ser completamente diferente do mecanismo clínico.

Se o caso é evidente de SNM, o TT negativo não mudará a suspeita diagnóstica e vice-versa. Um paciente com suspeita de síncope arrítmica não terá sua investigação finalizada caso apresente um TT positivo.

🚨🚨Um exemplo clássico que reforça esse conceito foi a morte do jogador de basquete Reggie Lewis do Boston Celtics aos 27 anos. Ele teve uma síncope durante um jogo e na sua investigação apresentou um TT positivo sugerindo SNM, porém logo após teve uma parada cardíaca por fibrilação ventricular.🚨🚨

As diretrizes americana e europeia colocam a realização do TT como importante na investigação de HO e da síndrome da taquicardia postural ortostática (SPOT). Porém, um simples active stand test (avaliação da frequência cardíaca e PA em posição supina e após 5 -10 min na posição ortostática) é mais simples, barato, capaz de reproduzir as queixas clínicas do paciente, é tão sensível quanto o TT, porém mais específico. Apesar de alguns médicos solicitarem TT para avaliar a resposta ao tratamento da síncope, essa recomendação é classe III nas principais diretrizes sobre o tema. O TT pode ser utilizado para diferenciar uma resposta cardioinibitória de uma vasodepressora, porém, o resultado dentro do laboratório pode não condizer com o mecanismo do evento clínico. Essa correlação entre o evento clínico e seu mecanismo pode ser mais bem estabelecida por meio de dispositivos de monitoramento como o loop recorder.

Conclusão dos autores:

A taxa de falso positivo no TT não é desprezível e pode enganar médicos e pacientes sobre o real mecanismo da síncope. Já há um excesso de exames desnecessários, ex. tomografia de crânio, solicitados para investigação de síncope e o TT seria ainda mais um. Desta forma, os autores acreditam que o TT deva ser abolido da avaliação de pacientes com síncope.

Conclusão Cardiopapers:

O número de TT que médicos especialistas em síncope solicitam, de fato é bastante pequeno. Quando fazemos uma avaliação inicial criteriosa (anamnese, exame físico e ECG de repouso) o diagnóstico de SNM ou HO fica bastante claro e o TT é desnecessário. Quando detectamos cardiopatia estrutural, o TT passa a ser um exame de pouca relevância. De fato, a maioria dos TT que avaliamos na prática clínica são solicitados por outros profissionais que não foram capazes de solucionar o quadro, motivo pelo qual encaminharam o paciente a nós, apesar de terem o resultado do TT em mãos. O que confirma que o exame não resolveu a questão na maioria dos casos.

Concluímos que o TT não deve ser solicitado de forma rotineira na avaliação de síncope, porém, em casos bem selecionados, ele pode ter algum valor.

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Sobre o autor

Pedro Veronese

Médico Especialista em Clínica Médica pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Cardiologista, Arritmologista e Eletrofisiologista pelo InCor-HCFMUSP.
Médico Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC.
Médico Especialista em Arritmia Clínica e Eletrofisiologia pela Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas - SOBRAC.
Médico do Centro de Arritmias Cardíacas do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Doutor em Cardiologia pelo InCor - HCFMUSP.
Preceptor da Residência de Clínica Médica do Hospital Estadual de Sapopemba e Hospital Estadual Vila Alpina.
Médico Chefe de Plantão do Pronto Socorro Central da Santa Casa de São Paulo.
Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Professor da Faculdade de Medicina UNINOVE.

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