Coronariopatia Insuficiência Cardíaca

Disfunção ventricular grave e cate triarterial: o que fala a nova diretriz de revascularização miocárdica?

Escrito por Eduardo Lapa

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Publicamos há alguns meses os comentários sobre o estudo STICHES. Tratava-se do seguimento de longo prazo do trial que avaliou o papel da revascularização miocárdica em pacientes crônicos com FE < 35% e cate triarterial, excluindo-se pacientes com lesão de tronco de coronária esquerda. Apesar do trial ter mostrado diminuição de mortalidade após 10 anos no grupo cirúrgico, comentamos que os resultados não eram facilmente reprodutíveis, em especial pelo fato da mortalidade operatória no grupo cirúrgico ter sido excepcionalmente baixa (3,6%) para o perfil de paciente randomizado. Uma excelente avaliação deste trial, com detalhados comentários sobre estatística, pode ser vista neste link.

Recentemente foram publicadas as novas recomendações de revascularização miocárdica das sociedades americanas de cardiologia/hemodinâmica/cirurgia cardíaca. Resumindo: a recomendação em relação à revascularização cirúrgica de pacientes similares ao do STICH continua sendo considerada fraca, grau IIb de evidência. Na prática, isso quer dizer que, segundo os especialistas da diretriz, esta deveria ser uma conduta de exceção, raramente adotada. Era o mesmo grau de recomendação que havia nas diretrizes existente no início da década de 2010.

Na prática, como seria isso? Vamos colocar 2 exemplos práticos:

1- Paciente de 57 anos vem ao ambulatório com quadro de angina típica classe funcional 3 e dispneia aos esforços. Após investigação completa, observa-se cate triarterial com Da e Cx fechadas e Cd com lesão crítica em terço proximal. Anatomia desfavorável para intervenção percutânea. Leitos distais bons. Cintilografia mostra área de isquemia de 20% do VE. Eco com FE de 32%. Após introdução da medicação padrão, o paciente fica com dispneia e angina aos moderados esforços. Além de HAS e DLP, não possui outras comorbidades. A equipe cirúrgica disponível no hospital possui uma mortalidade cirúrgica em casos similares a este próxima a 4-5%. O paciente mostra grande insatisfação em seguir com sintomas aos moderados esforços já que até 1 ano atrás era bastante ativo fisicamente. Após longa conversa,  mostra-se favorável à intervenção cirúrgica.

Neste caso, temos um paciente com risco cirúrgico baixo, na medida do possível. A cirurgia, além do potencial aumento de sobrevida a longo prazo, traz a inegável vantagem de poder melhorar os sintomas anginosos do paciente. Além disso, a equipe cirúrgica do local mostra resultados em casos similares bastante favoráveis. Ou seja, a cirurgia parece ser uma alternativa razoável.

2- Paciente de 74 anos inicia com dispneia aos moderados esforços. Possui DM-2 insulino-dependente, DPOC, e DRC (ClCr 35 mL/min). Após investigação ampla, mostra: eco com FE de 30%, cate triarterial com leito distal razoável. Cintilografia miocárdica mostra hipocaptação fixa em alguns segmentos miocárdicos e componente de isquemia moderado em parede inferior. Após otimização da medicação, a paciente fica assintomática. Inicia inclusive programa de reabilitação cardíaca chegando após 2 meses a andar diariamente por 30 minutos, sem sintomas. A equipe cirúrgica disponível no hospital possui uma mortalidade cirúrgica em casos similares a este em torno de 15%. O tratamento cirúrgico pode trazer basicamente 2 melhoras para o paciente: reduzir sintomas e, potencialmente, trazer algum benefício de sobrevida a longo prazo (seguimento de 10 anos). Bem, o paciente já está assintomático, então não há o que melhorar em relação a isto. Tratando-se de um paciente de 74 anos com inúmeras comorbidades além da cardiopatia, mesmo que o risco cirúrgico fosse bem inferior as chances de ele sobreviver o período necessário após a cirurgia para quem sabe ter algum benefício de sobrevida não são tão grandes. Não parece ser um bom caso para terapêutica cirúrgica.

Os dois casos acima obviamente são exemplos relativamente extremos do espectro de pacientes que se apresentam com miocardiopatia isquêmica, mas servem para exemplificar questões do dia a dia. Poderíamos resumir o raciocínio da seguinte forma:

  • evite “receitas de bolo”. Individualize a conduta caso a caso.
  • conheça ao máximo os números relacionados ao seu serviço – desempenho das equipes cirúrgicas, qualidade do pós-operatório, etc.
  • sempre tente estimar o risco cirúrgico do paciente através de escores objetivos como o STS e o Euroscore. Lembre, contudo, que não é raro que a sua impressão subjetiva do caso seja bem pior que a dos escores (exemplo: STS com mortalidade 5% e você tem a impressão de que em seu serviço esta mortalidade seria pelo menos 2 ou 3x maior). É bastante provável que a sua impressão subjetiva esteja certa.
  • Ao considerar a opção de tratamento invasivo para este tipo de paciente, tente sempre discutir o caso em reunião clínica com a presença de cardiologistas clínicos, cirurgiões e hemodinamicistas (o chamado Heart Team).
  • Discuta com o paciente o cenário como um todo, evitando análises dicotômicas (se o senhor operar, vai ficar bem. Caso não opere…). Cada vez mais a estratégia paternalista de chegar para o paciente e afirmar que a conduta vai ser esta ou aquela vem sendo substituída pela decisão médica compartilhada com o paciente bem instruído.
  • Os comentários acima excluem pacientes agudos ou com lesão significante de tronco de coronária esquerda. Tais pacientes foram excluídos do trial STICH.

Referência: Patel MR. ACC/AATS/AHA/ASE/ASNC/SCAI/SCCT/ STS 2017 Appropriate Use Criteria for Coronary Revascularization in Patients With Stable Ischemic Heart Disease. J Am Coll Cardiol.

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

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