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Doença isquêmica cardíaca ou doença arterial coronária? O que estamos procurando?

Escrito por Renata Ávila

Esta publicação também está disponível em: Português

Já está bem estabelecido o aumento do risco de desfechos cardiovasculares (morte e infarto) em pacientes que apresentam alterações em provas funcionais, demostrando que obstrução e isquemia são fatores de mau prognóstico. Entretanto, esse dado merece algumas reflexões:

  • Seria mais interessante procurar a placa aterosclerótica (causa) ou a isquemia induzida pela lesão obstrutiva (consequência)?
  • Será que estamos perdendo a oportunidade de fornecer medidas preventivas eficazes em milhões de pacientes com doença coronariana não-obstrutiva?

Pacientes que apresentam isquemia miocárdica em testes não invasivos são considerados de alto risco para eventos cardíacos adversos e candidatos a medidas preventivas secundárias. Por outro lado, em pacientes sintomáticos sem história de infarto do miocárdio ou evidência de doença aterosclerótica coronária (DAC) e que possuem prova funcional sem alterações, presume-se que não apresentam DAC. Esses pacientes são considerados de baixo risco para morte por causas cardiovasculares e o uso adequado de medidas preventivas (por exemplo, terapia com estatinas e AAS) não é estabelecido. Como resultado, a prevenção secundária é menos freqüentemente implementada nestes pacientes.

Já é bem estabelecido que as lesões culpadas que desencadeiam trombose arterial coronariana oclusiva e infarto do miocárdio não raramente têm menos de 50% de obstrução. De fato, uma análise recente do estudo PROMISE (vide post) revelou que mais de 50% dos eventos cardíacos adversos ocorreram em pacientes com achados normais de teste ergométrico, ou seja, sem evidência de isquemia miocárdica provocável.

Além disso, um outro dado muito importante foi demostrado em um artigo publicado no European Heart Journal em 2012. Nesse estudo, foi mostrado que entre os mais de 11.000 pacientes submetidos a angiografia coronariana invasiva com DAC difusa e estenose < 50%, apresentaram taxas de eventos adversos indistinguíveis após 7 anos em relação aos pacientes com doença obstrutiva (> 50%) de um único vaso. Ou seja, a presença de aterosclerose difusa não obstrutiva foi capaz de predizer um risco de eventos adversos equivalentes a de um paciente com doença obstrutiva de um vaso.

Até recentemente, os pacientes com DAC não obstrutiva raramente eram identificados porque os testes de estresse são insensíveis à doença aterosclerótica coronariana sem obstrução importante e somente os pacientes com alta suspeita de DAC obstrutiva são submetidos a cateterismo cardíaco em que são utilizadas ferramentas mais sensíveis para a detecção de doença aterosclerótica.

Há evidência forte e consistente de estudos clínicos de que o risco de DAC não aumenta abruptamente com a presença de estenose, mas reflete a carga da doença em um amplo espectro. Tal visão nos obriga a ampliar a avaliação de risco. Apenas a resposta categórica simples de presença ou ausência de DAC obstrutiva parece não ser suficiente.

O surgimento de Angiotomografia de artérias coronárias (ATC) em pacientes com suspeita de DAC proporciona a oportunidade dessa transição. Nos permite, através de um método não invasivo, enxergar a doença e determinar realmente quem são os pacientes que não possuem DAC (coronárias normais). Dessa forma, conseguimos ir muito além de responder a simples pergunta se existe DAC obstrutiva ou não, mas também determinar a carga da doença e caracterizar as placas ateroscleróticas. A tabela abaixo, retirada do artigo citado na referência desse post, nos mostra uma correlação interessante entre extensão de doença aterosclerótica e a correlação com o risco de morte cardiovascular e infarto por ano.

Classificação proposta de DAC por angiografia coronária Risco de IAM ou morte cardiovascular/ ano (%)
Estágio 0- Ausência de aterosclerose coronariana < 0,1
Estágio 1- Aterosclerose coronariana < 30% em 1 ou 2 vasos 0,1–0,9
Estágio 2- Aterosclerose coronariana entre 30-49% em 1 ou  2 vasos;  ou aterosclerose coronariana < 30% em 3 vasos 1–1,9
Estágio 3- Aterosclerose coronariana > 50% em 1 ou  2 vasos;  ou Aterosclerose coronariana entre 30-49% em 3 vasos 2–4
Estágio 4- Aterosclerose coronariana > 50% em 1 ou  2 vasos;  ou 2 vasos incluindo DA proximal e tronco da coronária esquerda > 4

É importante sabermos que entre os pacientes com sintomas suspeitos de DAC, aproximadamente um terço apresenta DAC não-obstrutiva, o que leva a um maior risco de infarto do miocárdio ou morte cardíaca em comparação com pacientes sem aterosclerose coronária. Então o que devemos procurar: doença isquêmica cardíaca ou doença arterial coronária?

Opinião pessoal:

  • Um grande número de evidências apóia o conceito de um somatório de risco da DAC com base na sua presença, extensão, localização e gravidade;
  • Não podemos deixar de fornecer medidas preventivas eficazes em pacientes com doença coronariana não-obstrutiva;
  • Dada cada vez mais a ampla disponibilidade da ATC não invasiva capaz de detectar DAC não-obstrutiva, é hora de expandir o diagnóstico;
  • A ATC é o único método não invasivo que vê a doença, todos os outros enxergam as consequências (isquemia e infarto).

Referência Bibliográfica:

  1. Arbab-Zadeh A., Fuster V. The Risk Continuum of Atherosclerosis and its Implications for Defining CHD by Coronary Angiography. JACC. December 6, 2016;68:2467–78.

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Sobre o autor

Renata Ávila

Residência em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Título de Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Tomografia e Ressonância cardiovascular pelo InCor/FMUSP
Médica do setor de Tomografia e Ressonância Cardíaca da Rede D'Or São Luiz:
- Hospital Esperança
- Hospital Esperança Olinda

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