Hemodinâmica Valvopatias

É seguro realizar TAVI em pacientes com valva aórtica bicúspide?

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O implante transcateter de válvula aórtica (TAVI) para o tratamento da estenose aórtica, segundo as principais diretrizes atuais, é indicado como uma alternativa ao tratamento cirúrgico convencional nos pacientes com risco cirúrgico moderado ou elevado (classe IIa, B) ou como a melhor estratégia de tratamento para os pacientes considerados inoperáveis (classe I, B). As evidências que suportam estas indicações vêm da série dos estudos Partner (prótese balão-expansível Edwards Sapien) e US Pivotal trial/Surtavi (Prótese autoexpansível Medtronic CoreValve). No entanto, estes e a quase totalidade dos estudos clínicos em TAVI incluem apenas pacientes com estenose aórtica em valva aórtica tricúspide, tendo como critério de exclusão a presença de valva bicúspide.

No entanto, a valva aórtica bicúspide é a cardiopatia congênita mais comum em adultos, afetando de 1 a 2% da população geral. E a complicação mais comum desta alteração é justamente o desenvolvimento de estenose valvar aórtica. Além disso, a evolução para estenose importante com necessidade de intervenção acontece, em geral, em paciente mais jovens (ou menos idosos), o que também limita a representatividade deste subgrupo nos estudos clínicos (usualmente com pacientes octagenários). Com o aumento das indicações clínicas do TAVI caminhando para os pacientes de menor risco cirúrgico, frequentemente mais jovens, a doença bicúspide passa a se tornar uma patologia cada vez mais considerada para esta modalidade de tratamento.

Uma subanálise de um grande registro de TAVI, publicada no JACC, se propôs a descrever melhor o que acontece com este grupo de pacientes quando tratados com TAVI (desfechos, comparação com a população tricúspide, desempenho das próteses, etc.). Neste estudo, 546 pacientes submetidos a TAVI em valva bicúspide foram comparados com 546 controles tricúspides do registro selecionados por escore de propensão de acordo com as características clínicas basais. Os desfechos clínicos e do procedimento foram comparados entre os grupos. E uma segunda análise foi feita quanto aos dispositivos implantados (1a geração: Sapien XT e CoreValve vs Nova geração: Sapien 3 e Lotus).

Comparados aos pacientes tricúspides, os pacientes bicúspides tiveram uma maior incidência de conversão para cirurgia cardíaca de emergência (2,0% vs. 0,2%; p=0,006) e uma menor taxa de sucesso do implante (85,3% vs. 91,4%; p=0,002). A taxa de mortalidade por todas as causas em 2 anos foi semelhante entre os pacientes bicúspides e tricúspides (17,2% vs. 19,4%; p=0,28). Dispositivos de 1a geração foram implantados em 320 pacientes bicúspides e 321 tricúspides, enquanto os dispositivos novos em 226 bicúspides e 225 tricúspides. Dentro do grupo 1a geração, os pacientes bicúspides tiveram maior frequência de injúria da raíz da aorta (4,5% vs. 0,0%; p=0,015) quando tratados com prótese balão-expansível (Sapien XT), e mais leak paravalvar significativo (19,4% vs. 10,5%; p=0,02) com prótese auto-expansível (Corevalve). Entre os pacientes tratados com dispositivos de nova geração (Sapien 3 e Lotus), entretanto, não houve diferença de desempenho entre as próteses.

Opinião pessoal:

  • Implantar uma prótese transcateter em portadores de valva aórtica bicúspide tem uma série de considerações técnicas (pacientes em geral mais jovens; ânulo e aorta ascendente mais dilatados; grau de calcificação de folhetos mais acentuado; fusão de cúspides que dificulta a expansão do stent da prótese aumentando o risco de leak paravalvar, etc.). Portanto, mais evidências clínicas são sempre bem-vindas antes de tratarmos esses pacientes rotineiramente com TAVI.
  • Certamente não alcançaremos com os pacientes bicúspides o mesmo nível de evidência científica acumulada com os tricúspides (grande maioria da população). Mas essa afirmação provavelmente também será verdadeira para as modalidades de tratamento cirúrgico (open heart, minimamente invasiva, etc.).
  • Inicialmente, a valvopatia bicúspide era uma contraindicação relativa para o tratamento por cateter. A tendência atual é que deixe ser uma contra-indicação para se tornar um tratamento com nível de evidência, e talvez grau de redomendação também, menores do que nos pacientes tricúspides.
  • Utilizar dispositivos de nova geração com maior força de expansão radial, mais estabilidade na liberação e possibilidade de recaptura/reposicionamento certamente facilita muito o procedimento nesse subgrupo de pacientes.

Referência bibliográfica:

Yoon SH, Bleiziffer S, Makkar R et al. Outcomes in Transcatheter Aortic Valve Replacement for Bicuspid Versus Tricuspid Aortic Valve Stenosis.  J Am Coll Cardiol. 2017;69:2579–89.

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Sobre o autor

Eduardo Pessoa de Melo

Residência em Cardiologia pelo InCor/FMUSP
Título de Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Cardiologia Intervencionista pelo InCor/FMUSP
Sócio Titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia Intervencionista
Cardiologista Intervencionista do PROCAPE/UPE
Cardiologista Intervencionista da Rede D'Or São Luiz:
- Hospital Esperança
- Hospital Esperança Olinda
- Hospital São Marcos

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