Coronariopatia Emergências Hemodinâmica Terapia Intensiva Cardiológica

Infarto agudo + choque cardiogênico: devemos revascularizar todas as lesões graves ou apenas a lesão culpada?

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A mortalidade associada ao choque cardiogênico causado por um infarto agudo do miocárdio (IAM) pode ser reduzida com a revascularização precoce da lesão culpada por angioplastia coronária primária para reestabelecer o fluxo coronariano normal. Até 80% dos pacientes com IAM que se apresentam com choque cardiogênico tem doença multiarterial, e a mortalidade é maior nos multiarteriais do que nos uniarteriais. No entanto, tratar imediatamente todas as estenoses significativas neste cenário é controverso e, pelo que sabemos, os estudos que se propuseram a estudar esta questão na síndrome coronária aguda (tratar apenas lesão culpada X tratar todas as lesões graves) excluíram os pacientes com choque cardiogênico.

São muitos os racionais teóricos que suportam a revascularização imediata de todas as lesões graves em um paciente infartado, principalmente quando em choque cardiogênico. O argumento mais plausível é que em tese melhoraríamos a perfusão miocárdica global e, consequentemente, a função cardíaca. Por outro lado, tratar todas as lesões implica alguns outros riscos: isquemia adicional (durante a manipulação), aumento do volume de contraste utilizado e maior risco de nefropatia, etc. Atualmente, os guidelines europeus e americanos, de maneira geral, recomendam o tratamento de lesões não culpadas nos pacientes com IAM e choque cardiogênico.

Recentemente, com a apresentação do estudo Culprit-Shock no TCT (Transcatheter Cardiovascular Therapeutics) em Denver nos EUA, e simultânea publicação no NEJM, passamos a ter uma evidência clínica mais específica para este cenário. Trata-se de um estudo multicêntrico que randomizou 706 pacientes multiarteriais admitidos por IAM (a maioria com supra de ST) com choque cardiogênico, para um das duas estratégias: tratar apenas a lesão culpada pelo evento (com a opção de tratar outras lesões em outro momento na mesma internação) X tratar imediatamente todas as lesões severas. O desfecho primário foi a composição de morte ou insuficiência renal aguda com necessidade de hemodiálise em 30 dias.

O desfecho primário ocorreu em 158 dos 344 pacientes (45,9%) do grupo que tratou apenas a lesão culpada contra 189 dos 341 pacientes (55,4%) do grupo que tratou todas as lesões (RR: 0,83; IC95%: 0,71 a 0,96; P = 0,01). O risco relativo de morte foi menor no grupo que tratou somente a lesão culpada (RR: 0,84; IC95%: 0,72 a 0,98; P = 0,03). O risco de insuficiência renal dialítica não atingiu diferença com significância estatística entre os grupos (RR: 0,71; IC: 0,49 a 1,03; P = 0,07). Não houve, ainda, diferença no tempo até a estabilização hemodinâmica do paciente, necessidade de drogas vasoativas, nível de troponina, e risco de AVC ou sangramento.

Opiniões pessoais:

  • Este estudo vai mudar as diretrizes? Provavelmente sim.
  • O resultado deste estudo vai de encontro ao que em geral praticamos atualmente. Aliás, nos últimos anos progressivamente estamos mudando estes conceitos de tratar ou não tratar lesões não culpadas na SCA. Primeiro, nos pacientes mais estáveis (com SCA sem supraST), entendíamos que era melhor tratar apenas a lesão culpada. E, como já discutido em post prévio, os estudos tem demonstrado cada vez mais evidências para o tratamento também das lesões não culpadas (seja imediatamente ou durante a internação) neste cenário. De modo contrário, para os pacientes instáveis e com choque cardiogênico, entendíamos que era benéfico tratar todas as lesões graves, acreditando que melhorando a perfusão miocárdica global melhoraríamos os desfechos clínicos. No entanto, os resultados deste estudo Culprit-Shock nos colocam um entendimento que muitas vezes já temos na prática, que neste tipo de paciente devemos revascularizar rapidamente e efetivamente o vaso culpado e encerrar o procedimento. Passando em seguida para os cuidados clínicos e de suporte circulatório que o paciente necessitar. Deixando para um segundo momento a decisão de revascularizar ou não as demais lesões.

NOTA DO EDITOR (Eduardo Lapa) – quando falamos de condutas com grau de recomendação III nos guidelines estamos nos referindo a medidas que não devem ser adotadas de acordo com os autores das diretrizes. Essa classe III engloba dois grupos de condutas: as que são fúteis mas que não trazem maiores riscos ao paciente quando comparadas à terapia ususal. Um exemplo disto é o implante de balão intra-aórtico na fase aguda de IAM com choque cardiogênico associado (vide este post nosso). O outro grupo seria o das terapêuticas que trazem malefício ao paciente quando comparadas ao tratamento convencional. O estudo CULPRIT classificaria a ATC de lesões não culpadas no IAM acompanhado de choque cardiogênico como este tipo de classe III. 

Referência bibliográfica:

  • Thiele H, Akin I, Zeymer U et al. PCI Strategies in Patients with Acute Myocardial Infarction and Cardiogenic Shock – The Culprit Shock trial. DOI: 10.1056/NEJMoa1710261.

 

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Sobre o autor

Eduardo Pessoa de Melo

Residência em Cardiologia pelo InCor/FMUSP
Título de Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Cardiologia Intervencionista pelo InCor/FMUSP
Sócio Titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia Intervencionista
Cardiologista Intervencionista do PROCAPE/UPE
Cardiologista Intervencionista da Rede D'Or São Luiz:
- Hospital Esperança
- Hospital Esperança Olinda
- Hospital São Marcos

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