Lípides

Estatina para todos (ou quase todos)?

Escrito por Thiago Midlej

Esta publicação também está disponível em: Português

As doenças cardiovasculares causam cerca de 18 milhões de mortes por ano em todo mundo. Níveis elevados de LDL-colesterol estão relacionados à, aproximadamente, metade dos casos de infarto agudo do miocárdio. Estudos prévios mostraram que a queda do LDL –colesterol, devido ao uso de estatina, reduz os riscos de doenças cardiovasculares (DCV), mas os pacientes envolvidos nesses trabalhos tinham níveis elevados de LDL-colesterol, eram portadores de doença vascular, hipertensão e diabetes (DM). Além disso, são trabalhos realizados nos Estados Unidos ou na Europa, com população predominante de caucasianos.

No início de abril deste ano, o NEJM publicou o HOPE-3, um estudo duplo cego, randomizado, placebo controlado, realizado em 228 centros de 21 países que teve por objetivo avaliar se os benefícios do uso da estatina (no caso a rosuvastatina 10mg por dia) podem ser estendidos a pacientes sem doenças cardiovasculares e com risco intermediário (definido como risco anual de eventos cardiovasculares maiores de aproximadamente 1%).

Foram incluídos homens com idade ≥ 55 anos e mulheres ≥ 65 anos, com pelo menos um dos seguintes fatores de riscos:

– Relação cintura-quadril elevada

– História de HDL colesterol baixo

– Tabagista ou uso recente de tabaco

– História familiar de doença coronária

– Disfunção renal de moderada intensidade

– Disglicemia

Também foram incluídas mulheres com idade ≥ 60 anos com pelo menos dois desses fatores acima listados.  É importante notar que os participantes não foram selecionados com base nos níveis de colesterol.

No total, 12705 pacientes de diversas etnias (brancos, asiáticos, afrodescendentes hispânicos e outras etnias) foram randomizados para o grupo com doses diárias de rosuvastatina 10mg (6361 participantes) ou grupo placebo (6344 participantes).  A média de nível de colesterol foi 201,4 mg/dL e  LDL-colesterol 127,8 mg/dL. Apenas 5,8% dos participantes tinham diabetes. Em 1 ano, o LDL colesterol estava mais baixo cerca de 39,6 mg/dL quando comparado ao grupo placebo. Em 3 anos,  34,7 mg e, no final do estudo,  29,5mg/dL.

Após 5,6 anos de seguimento, os autores concluíram que houve uma redução dos desfechos primários compostos de morte cardiovascular, IAM não fatal, AVC não fatal, parada cardíaca ressuscitada, insuficiência cardíaca e revascularização, no grupo rosuvastatina quando comparado ao placebo (3,7% x 4,8%). No grupo rosuvastatina, houve também aumento na taxa de dores musculares (5,8% x 4,7%), mas essas condições foram reversíveis com a suspensão temporária do tratamento. Houve apenas um caso de rabdomiólise (no grupo rosuvastatina) e dois casos de miopatia (um em cada grupo). Maior número de cirurgias de catarata foi observado no grupo rosuvastatina. Este efeito já havia sido descrito em estudos observacionais, embora a causa ainda não tenha sido totalmente elucidada. O grupo tratado com rosuvastatina também apresentou menos hospitalização por causas cardiovasculares (4,4% x 5,8%) e AVC. Não houve diferença entre os dois grupos no número de participantes que desenvolveram DM.

Assim, este estudo traz mais evidência do significante benefício da estatina, agora em um grupo de pessoas com etnias diferentes, sem doença cardiovascular e com risco cardiovascular intermediário. Ainda mais interessante é saber que o tratamento com dose fixa e baixa de estatina, sem conhecer exames laboratoriais de rotina (incluindo perfil lipídico) para iniciar e monitorar o tratamento, é eficaz e com baixíssimos efeitos colaterais. Isso, sem dúvida, deve nortear as próximas diretrizes de dislipidemia. Será esse estudo um dos pioneiros para a tão polêmica polypill?

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Sobre o autor

Thiago Midlej

Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia​ e pelo Instituto do Coração da Faculdade de Medicina de São Paulo - I​NCOR​​.
Pós graduando da Unidade de Hipertensão do​​ I​NCOR​
Médico plantonista da Unidade Clínica de Emergência do INCOR
​​Cardiologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

4 comentários

  • Realmente grande coisa, tratar mais de 6300 pacientes por quase 6 anos para no final ter um resultado desses. Sem contar com uma enxurrada de efeitos colaterais. Quando vamos entender q o colesterol não é o vilao, mas o mocinho q foi encontrado na cena do crime?

  • Infelizmente não se pode confiar em um estudo onde a patrocinadora é uma companhia Farmacêutica. Mesmo assim é tão insignificante a diferença que não vale a pena arriscar a sua saúde com mais um produto que na verdade é bom mesmo para os fabricantes, para o paciente nem tanto. Já tive 4 infartos, já fui revascularizado e como é normal depois do Relatório Flexner a obrigação do médico em seguir esse desaforado Protocolo é uma constante.Eu pelo menos, embora mesmo sendo recomendado pelo meu cardiologista, não tomei nenhuma Estatina receitada, e nem Losartana. Optei por mudar o meu estilo de vida, E vou dizer uma coisa: deu certo! Não sou contra quem é simpático a medicamentos, só que eu não acredito mais na exploração farmacêutica e nos perigos das drogas que empurram no coitado do paciente. Não é culpa do médico que normalmente está tentando fazer o melhor. A culpa é da ganância industrial de medicamentos e desse ordinário Relatório Flexner que manietou a liberdade do profissional de optar além das suas determinações, cabendo até processo caso não seja receitado aquilo que determina o Protocolo e que não conste dos receituários, caso o paciente venha a ser acometido de algum problema durante o tratamento, mas se estiver usando o que determina esse famigerado Protocolo, ai tudo bem, foi uma fatalidade.Quem se lembra do VIOXX (antiinflamtório)
    nos USA que causou inúmeras mortes e a Empresa hoje responde por centenas de processos indenizatórios.Tiraram o produto do mercado. Mesmo assim, não se intimidaram e pelo que já ouvi dizer lançaram o Arcoxia, Celebra, etc. Será que a fórmula não é a mesma?! Apenas o nome mudado?! Tenho as minhas dúvidas, por essa razão não acredito mais nesses estudos patrocinados pela próprias companhias Farmacêuticas.

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