Insuficiência Cardíaca

Estudo EMPULSE: gliflozinas são seguras na IC descompensada?

Escrito por Jefferson Vieira

Esta publicação também está disponível em: Português

Os benefícios dos inibidores de SGLT2 em pacientes com IC estável já foram devidamente determinados por grandes ensaios clínicos como o DAPA-HF, EMPEROR-REDUCED e EMPEROR-PRESERVED. No entanto, o papel das gliflozinas em doentes com IC aguda (ou agudamente descompensada) sempre levantou dúvidas sobre os riscos de cetoacidose, hipotensão e agravo da função renal.

Pacientes com IC aguda têm maior risco de morte e readmissões do que aqueles com IC crônica, especialmente nos primeiros meses após a alta. Baseado nisso, muitos especialistas em IC defendem a introdução de gliflozinas ainda durante a hospitalização de pacientes com IC descompensada. O ensaio clínico EMPULSE, apresentado recentemente no congresso da AHA, foi desenhado para avaliar justamente esse cenário. No EMPULSE, 530 adultos internados por IC aguda (média de 68 anos, 66% homens), foram randomizados para empagliflozina 10 mg ou placebo imediatamente após a estabilização clínica (mediana de 3 dias após admissão) e acompanhados por 90 dias. O desfecho primário composto de “morte, eventos de IC, tempo até o primeiro evento de IC e mudança no escore do questionário Kansas City” foi avaliado através do método de “win ratio”, que vem ganhando cada vez maior destaque na literatura médica e em jornais de alto impacto.

O win ratio compara cada desfecho de cada paciente do ensaio com todos os outros pacientes em cada estrato (por exemplo, IC de início recente vs IC crônica descompensada) de uma forma hierárquica e pareada. O win ratio é calculado como o número total de vitórias dividido pelo número total de derrotas no grupo da empagliflozina em todos os estratos.

Para serem incluídos no EMPULSE, os pacientes do estudo precisavam ter sido hospitalizados por IC aguda (independente da FEVE ou diagnóstico de DM), ter PAS ≥100 mm Hg e nenhum aumento na dose endovenosa de diuréticos (ou vasodilatadores) nas últimas 6 horas nem uso de inotrópicos EV nas últimas 24 horas (ATENÇÃO!!). Também era exigido NT-proBNP ≥1600 pg/ml (ou BNP ≥400 pg/ml) durante a hospitalização ou nas 72 horas que antecederam a admissão. Dessa forma, quase metade dos pacientes no EMPULSE tinha diabetes, mais de 75% tinham hipertensão e aproximadamente dois terços tinham FE ≤ 40%. Em ambos os braços do estudo, um terço dos pacientes tinha sido hospitalizado por IC aguda “de novo”, ou seja, eram virgens de qualquer tratamento anterior para IC.

No EMPULSE, os pacientes tratados com empagliflozina tiveram 36% mais chance de benefício sobre o desfecho composto, expresso por um win ratio estratificado de 1,36 (IC de 95%: 1,09 a 1,68; P = 0,0054). Quando os componentes do desfecho composto foram avaliados isoladamente, as taxas de morte (4% vs 8%) e eventos de IC (11% vs 15%) foram numericamente menores no grupo empagliflozina. No entanto, o principal determinante na diferença significativa do desfecho primário foi a melhora no questionário de qualidade de vida: a diferença média ajustada por placebo em 90 dias foi de 4,5 pontos, favorecendo a empagliflozina. Esses benefícios foram observados independentemente do fenótipo da IC ou da presença de DM, ou seja, não houve evidência de interação de tratamento entre vários subgrupos testados.

A empagliflozina foi bem tolerada nos pacientes com IC aguda. Menos pacientes apresentaram eventos adversos graves em comparação com o placebo (32% vs. 44%), sendo que insuficiência renal aguda ocorreu em menos de 8% dos pacientes que receberam empagliflozina contra 12% dos que receberam placebo. Antes do EMPULSE, o estudo piloto EMPA-RESPONSE-AHF já havia sugerido um benefício  precoce da empagliflozina sobre diurese e redução do volume de água corporal total em pacientes com IC aguda. Seguindo os resultados encorajadores de EMPA-RESPONSE-AHF, o SOLOIST-WHF avaliou a benefício do inibidor duplo de SGLT sotagliflozina iniciado até 3 dias após a alta hospitalar de IC descompensada e demonstrou redução de 33% no risco relativo de morte CV e hospitalização ou visitas urgentes por IC. Outros ensaios utilizando a dapagliflozina na IC aguda já estão em andamento, incluindo os estudos DICTATE-AHF e DAPA ACT HF-TIMI 68.

Opinião: É pouco provável que o EMPULSE sirva para mudar as indicações de bula aprovadas por agências reguladoras como FDA ou ANVISA, mas muitos médicos (incluindo o autor desse post) já estão iniciando gliflozinas durante a hospitalização por IC descompensada, mesmo que de forma off-label. Vale lembrar mais uma vez que não estamos falando de pacientes sob infusão de inotrópicos ou doses progressivas de diuréticos endovenosos, uma vez que esses foram excluídos do EMPULSE.

Este estudo foi apresentado no congresso da AHA 2021. Para ver um resumão de tudo o que aconteceu de mais importante no congresso, veja nosso vídeo abaixo:

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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