Coronariopatia Emergências

Existe algum risco em usar morfina na síndrome coronária aguda?

Escrito por Remo Holanda

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A morfina está entre os tratamentos mais utilizados para síndromes coronárias agudas (SCA), sendo recomendada para manejo da dor torácica há mais de um século, numa época em que pouco se podia fazer em termos de tratamentos de reperfusão e prevenção de complicações no infarto. Desde então, as diretrizes têm recomendado seu uso com o argumento de que a morfina e outros opioides seriam seguros em relação a outros analgésicos (por exemplo, não têm o potencial trombogênico dos antiinflamatórios não-hormonais) e o seu efeito ansiolítico/narcótico poderia ser benéfico em reduzir o consumo miocárdico de oxigênio. Entretanto, tais potenciais vantagens vêm sendo questionadas em virtude de vários estudos farmacocinéticos terem sugerido que a morfina e outros opioides reduzem a absorção dos antagonistas de ADP dados por via oral (clopidogrel, prasugrel e ticagrelor). Tais achados inclusive levaram o FDA nos Estados Unidos a adicionar alertas nas bulas dos respectivos medicamentos.

As implicações clínicas disso eram desconhecidas até recentemente. Nesta semana, um artigo publicado no periódico Journal of the American College of Cardiology trouxe novas informações importantes sobre esse assunto. Investigadores do grupo TIMI (Thrombolysis In Myocardial Infarction) na Harvard University, da Duke University e do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP estudaram cerca de 5.400 pacientes com SCA sem supra de ST que receberam clopidogrel antes de serem submetidos ao cateterismo. Nestes pacientes, o uso de morfina concomitante ao clopidogrel aumentou em 40% os eventos isquêmicos (principalmente infarto peri-procedimento). Já em pacientes que não receberam clopidogrel junto com a morfina , não houve nenhum sinal de aumento de eventos com o opióide.

O que estes resultados significam e como eles influenciam a prática clínica? Vale ressaltar primeiramente que o estudo é observacional, portanto, por não ter sido randomizado (morfina versus placebo), não é possível se concluir acerca de causalidade mas somente associação. No entanto, diante da óbvia dificuldade em se fazer um estudo randomizado de analgesia versus placebo na SCA, dos achados consistentes dos autores em múltiplos ajustes estatísticos e da plausibilidade biológica dos achados em vista dos estudos farmacocinéticos prévios, tais resultados devem servir de alerta para os cardiologistas, clínicos e emergencistas. Nos pacientes com SCA, talvez a morfina deva ser usada como terceira opção de analgesia (após terem sido tentados nitratos e betabloqueadores, por exemplo), uma vez que não parece ser tão segura quanto antes se achava. Em segundo, nos pacientes com dor intolerável que devem receber morfina, o uso concomitante dos antagonistas de ADP oral deveria ser adiado, por exemplo, para o momento do cateterismo (algo plenamente factível na SCA sem supra). Já nos casos de IAM com supra de ST, quando o uso de anti-ADP deve ser feito na sala de emergência e a dor geralmente somente responde com morfina, outras opções devem ser testadas para contornar esta interação, tais como: pedir para o paciente mastigar e engolir o comprimido do anti-ADP; preferir prasugrel ou ticagrelor (embora a interação farmacológica já tenha sido demonstrada com estes dois medicamentos também); associar um pró-cinético (como bromoprida EV); ou repetir a dose de ataque do anti-ADP logo ao término do CATE. O uso de antagonista IIbIIIa também poderia ser uma opção interessante, embora no referido estudo os pacientes estavam em uso de eptifibatide periprocedimento, e o risco com morfina pesistiu apesar disso. Já o uso de cangrelor, um anti-ADP endovenoso, poderia ser também uma opção atrativa, porém tal medicação não está disponível no Brasil.

Nota do Editor (Eduardo Lapa): parabéns ao nosso colaborador Remo Furtado por ser o primeiro autor deste importante artigo publicado no JACC.

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