Arritmia

Extrassístoles Ventriculares em Paciente Assintomático: O Que Fazer?

Escrito por Pedro Veronese

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Arritmias em pacientes assintomáticos sempre geram dúvidas em relação à conduta clínica. Baseado nisso, um novo documento da Sociedade Europeia de Cardiologia publicado recentemente, Europace. 2019 Mar 18. pii: euz046. doi: 10.1093/europace/euz046, tenta trazer as melhores práticas clínicas nos diferentes cenários. Neste post abordaremos especificamente as extrassístoles ventriculares (EV).

Uma baixa densidade de EV é um achado comum em Holter de 24h, mesmo em indivíduos absolutamente normais e saudáveis. Porém, uma densidade mais elevada pode ser sinal de que há algo errado, ou seja, uma doença cardíaca ou não cardíaca subjacente, e que, portanto, precisa ser investigada. Neste cenário, é fundamental se descartar doenças cardíacas estruturais, elétricas ou isquêmicas – ex. miocardiopatias, EV de acoplamento ultracurto ou doença de artéria coronária, respectivamente; e doenças não cardíacas – ex. abuso de substâncias estimulantes (ex. cafeína, energéticos), hipertireoidismo e etc.

Abaixo listamos alguns fatores de pior prognóstico em pacientes com EV:

  1. Doença cardíaca subjacente, ex. estrutural, elétrica ou isquêmica.
  2. Mais que 2.000 EV/24h. Comentário: esse número de corte é amplamente variável nos diferentes estudos.
  3. EV complexas – quando são pareadas, em tríplex ou taquicardia ventricular não sustentada (TVNS). Comentário: o conceito de arritmias complexas é bastante variável nos diferentes estudos.
  4. EV com várias morfologias.
  5. EV que aumentam no exercício.
  6. EV que não se originam da via de saída dos ventrículos.
  7. EV com acoplamento ultracurto (pelo risco de fenômeno R sobre T).
  8. EV com duração mais alargada (mais frequentemente relacionadas à cardiomiopatias).

Recomendações de maior consenso do Guideline europeu:

  1. Pacientes assintomáticos com EV frequentes (> 500/24h) devem ser encaminhados a um especialista para avaliação, com objetivo de se descartar alterações estruturais, elétricas ou isquêmicas.
  2. EV muito frequentes (densidade > 20%) são um marcador de mortalidade por todas as causas e cardiovascular. Um seguimento mais próximo pode ser necessário.
  3. EV devem ser tratadas quando se suspeita que sejam secundárias à cardiomiopatias.
  4. A abordagem do paciente assintomático com EV deve focar no tratamento da doença subjacente, com objetivo de se melhorar o seu prognóstico.

Comentário do Cardiopapers:

quando se avalia um paciente assintomático com EV, duas questões são fundamentais:

1 – A densidade das EV.

2 – As causas dessas EV, pois o tratamento deve sempre focar nas causas subjacentes.

Como avaliar esses pacientes?

Avalie alterações estruturais por meio de ecocardiograma ou ressonância magnética.

Avalie alterações elétricas por meio de teste ergométrico, ECG de alta resolução, Holter de 24h e ECG de repouso (analise a morfologia, comportamento e complexidade das EV). O estudo eletrofisiológico pode ser necessário em casos selecionados.

Avalie isquemia por meio de cintilografia, ecocardiograma com stress ou cineangiocoronariografia.

Se há história pessoal e/ou familiar de morte súbita cardíaca, se o ECG sugere canalopatias – um painel genético pode ser necessário.

Mensagem final: extrassístole é igual a febre a qual pode estar presente em casos banais sem nenhuma gravidade, mas pode estar presente em meningococcemia.

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Sobre o autor

Pedro Veronese

Médico Especialista em Clínica Médica pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Cardiologista, Arritmologista e Eletrofisiologista pelo InCor-HCFMUSP.
Médico Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC.
Médico Especialista em Arritmia Clínica e Eletrofisiologia pela Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas - SOBRAC.
Médico do Centro de Arritmias Cardíacas do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Doutor em Cardiologia pelo InCor - HCFMUSP.
Preceptor da Residência de Clínica Médica do Hospital Estadual de Sapopemba e Hospital Estadual Vila Alpina.
Médico Chefe de Plantão do Pronto Socorro Central da Santa Casa de São Paulo.
Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Professor da Faculdade de Medicina UNINOVE.

1 comentário

  • Excelente publicação. Acho que a nova diretriz européia de como conduzir os pacientes com arritmias assintomáticas nos dá uma boa visão geral. Mas ouso em dizer que as ectopias de via de saída ventricular são extremamente mal compreendidas embora representem as arritmias ventriculares mais frequentes. Estudo esse tema há bastante tempo e esse interesse resultou em uma dissertação de mestrado. Gostaria, se me permitirem, de fazer alguns comentários sobre elas.

    1- Sabemos há bastante tempo que um paciente com BRE de QRS muito alargado (rincipalmente acima de 160ms) apresenta alterações hemodinâmicas decorrentes da dissincronia ventricular e isso será ainda mais importante em individuos FEVE<40%. Então poderíamos concluir que possivelmente as ectopias provenientes de parede livre (mais largas) e/ou epicárdicas causariam mais dissincronia e maior repercussão do que aquelas septais (mais estreitas) mesmo com incidência bem menor.
    2- Todos conhecemos os trials DAVID I e II e sabemos as repercussões que o pace ventricular direito pode causar. O DAVID II mostou que mesmo uma incidência de 10% de pace pode ser bastante deletéria. Agora imaginem que as ectopias ventriculares funcionam exatamente como um pace ventricuar. Mais ainda, muitas ectopias têm condução VA e teoricamente seriam ainda piores que um pace bicameral (DDD) porque a sístole atrial ocorreria com as válvulas AV fechadas causando distensão atrial, vagotonia com desencdeamento de reflexo de Bezold Jarisch e aumento importante na incidência de FA. Funciona como uma “síndrome do marcapasso” só que sem marcapasso.
    3- Sabemos que quase 70% das ectopias de via de saída ventricular desaparecem com o esforço e aumentam durante o sono. Ou seja, elas desaparecem com a estimulação adrenégica. Isso é extremamente interessante porque as principais medicações usadas para o tratamento são exatamente aquelas que diminuem a atividade adrenérgica. Os betabloqueadores. Mais ainda, esperaríamos que justamente esss pacientes tivessem um aumento no número de ectopias uma vez que essa atividade fosse suprimida como durante a sedação para os procdimentos de ablação. Não é o que ocorre na maioria das vezes. É possível que outos mecanismos além dos pós potenciais estejam envolvidos. Os tecidos perivalvares (aórtica e pulmonar) mantêm características embrionárias e é possível que as ectopias nessas regiões tenham características automáticas.
    4- Todas as pesquisas foram feitas com holter 24h. Sabemos que os individuos com alta incidência podem apresentar dias com baixíssima incidência e vice-versa. Estabelecer um ponto de corte para o risco de disfunção é extremamente difícil. Por isso os trabalhos mostram pontos que variam de 8 a 24% principalmente. Difícil definir.
    Enfim; a importância dessas ectopias foi relegada durante muito tempo e acredito que muito há de ser descoberto ainda para que possamos taxá-las de “benignas” e sermos lenientes na investigação. Acho que o moderado aqui é individualizar detalhadamente cada caso.
    Perdoem-me pela prolixidade. Parabéns a todos pelo excelente blog.

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