Arritmia Coronariopatia Hemodinâmica

FA + necessidade de angioplastia: o que mostra o novo trial sobre antitrombóticos neste contexto?

Escrito por Eduardo Lapa

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Já falamos sobre esse tema neste post e neste post. O dilema aqui é o seguinte: a terapia ideal neste cenário seria usar terapia tripla (2 antiplaquetários + anticoagulante) mas, como sabemos, esta conduta aumenta bastante sangramento. Eis que foi publicado no congresso europeu de cardiologia de 2017. Trata-se do RE-DUAL PCI.

Contexto:

  • Até 8% dos pctes submetidos à angioplastia coronária (ATC) possuem fibrilação atrial (FA)
  • Em pacientes que são submetidos à implante de stent, o uso de terapia antiplaquetária dupla (DAPT) diminui o risco de trombose do dispositivo quando comparado ao aas isolado ou em associação com a varfarina (estudo STARS que nós já resumimos aqui).
  • Por outro lado, em pacientes com FA e CHADS alto, a anticoagulação diminui mais o risco de AVCI do que o aas isolado ou a DAPT.
  • OK. Então se pego um paciente com ATC recente e FA, melhor usar então a terapia tripla (anticoagulante + DAPT), certo? O problema é que esta terapêutica traz grande risco de sangramento, acometendo até 1 em cada 10 pacientes no seguimento de 1 ano.

Pergunta principal do trabalho:

  • Em pacientes com FA submetidos à angioplastia, comparar o risco de sangramentos maiores ou clinicamente relevantes entre 2 regimes antitrombóticos diferentes: terapia tripla tradicional (aas + clopidogrel ou ticagrelor + varfarina) por 1 a 3 meses OU dabigatrana + inibidor da P2Y12 (clopidogrel ou ticagrelor). Foram testados 2 doses de dabigatrana (110 mg 2xd e 150 mg 2xd). O objetivo era mostrar que os tratamentos com dabigatrana eram não-inferiores à terapia tripla, ou seja, não causariam mais sangramento que o tratamento convencional.

Detalhes metodológicos

  • Ensaio clínico randomizado, multicêntrico.
  • O estudo era open label, ou seja, tanto os pacientes quanto os médicos sabiam qual o tratamento estava sendo administrado a cada indivíduo.
  • Critérios de inclusão: idade > ou = a 18 anos, paciente com FA não-valvar que havia sido submetido à angioplastia com stent nos últimos 5 dias.
  • Os principais critérios de exclusão eram a presença de prótese valvar e de ClCr < 30 mL/min.
  • No grupo da terapia tripla, o aas era mantido por 1 mês no caso de atc com stent bare-metal e por 3 meses no caso de stent farmacológico.
  • O trial então tinha 3 grupos: terapia tripla, terapia dupla com dabigatrana 150 mg 2xd e terapia dupla com dabigatrana 110 mg 2xd.
  • O endpoint primário, como já dito, era o surgimento de sangramento relevante.
  • Endpoint secundário – eventos isquêmicos compostos (IAM + AVC + embolia sistêmica + revascularização de urgência + morte).
  • Detalhe: a proposta inicial do trial era ter como endpoint primário justamente este desfecho composto de eventos isquêmicos. Contudo, seria necessário para isso randomizar uma população mais do que 3x maior que o que foi usado no estudo (8.520 pctes no total) sendo por isso decidido por tornar este desfecho como secundário e colocar como desfecho primário a questão do sangramento.

Resultados

  • Resposta à pergunta principal: houve diminuição de sangramentos maiores com o uso da dabigatrana em terapia dupla com inibidor P2Y12. Taxa de eventos: 15,4% no grupo dabigatrana 110 mg, 20,2% no grupo dabigatrana 150 mg e cerca de 26% no grupo de terapia tripla. A dose menor da dabigatrana não só foi não-inferior à terapia tripla mas também preencheu critérios para superioridade. A dose de 150 mg preencheu critério apenas para não-inferioridade.
  • Em relação ao desfecho secundário de eventos isquêmicos, não houve diferença entre os grupos.
  • Foram randomizados 2.725 pctes.
  • O tempo médio de uso das medicações foi de 12,3 meses. A maioria dos pacientes (82,6%) receberam stent farmacológico. A grande maioria recebeu clopidogrel. Apenas 12% receberam ticagrelor.

Opiniões pessoais:

  • E aí? Este trabalho muda a prática clínica? Na minha opinião, quando avaliado de forma isolada, não. Por quê? A pergunta principal do trabalho é na verdade bastante óbvia. Já sabemos por estudos prévios (ex: WOEST e PIONEER citados no início do post), que terapia dupla sangra menos que terapia tripla. Também sabemos pelo RE-LY que dabigatrana 110 mg 2xd sangra menos que varfarina e que dabigatrana 150 mg 2xd sangra igual. Então, se comparando dabigatrana x varfarina tenho menos sangramento com dabigatrana e se terapia dupla sangra menos que terapia tripla, é óbvio que o resultado deste estudo seria mostrar redução de sangramento com terapia dupla usando dabigatrana.
  • A grande questão em relação a este problema da terapia antitrombótica ideal a ser usada no pcte com stent e FA não é sobre o sangramento, mas sim sobre os fenômenos isquêmicos/trombóticos. Obviamente terapia dupla com NOAC vai sangrar menos que terapia tripla com varfarina, mas será que irá produzir o mesmo efeito antitrombótico? É essa questão que persiste não respondida pelos trials que existem até o momento.
  • Detalhe: a proposta inicial do trial era ter como endpoint primário justamente este desfecho composto de eventos isquêmicos (IAM + AVC + embolia sistêmica + revascularização de urgência + morte)). Contudo, seria necessário para isso randomizar uma população mais do que 3x maior que o que foi usado no estudo (8.520 pctes no total) sendo por isso decidido por tornar este desfecho como secundário e colocar como desfecho primário a questão do sangramento.
  • Então quer dizer que o trial não serve de nada? Serve sim! Primeiro, como já discutimos no post sobre o PIONEER e como dissemos acima, o n necessário para chegar à resposta da eficácia antitrombótica da terapia dupla é muito grande. Inclusive os outros trials que estão correndo sobre o assunto no momento como o AUGUSTUS (n de 4.600 pctes) liderado pelo Dr Renato Lopes não tem como endpoint primário desfecho isquêmico. Contudo, quando tivermos os resultados de todos estes estudos é possível que realizando-se uma metanálise dos dados consigamos chegar à resposta para a pergunta.
  • De toda forma, ainda sem estes estudos não lançados, temos cada vez mais dados mostrando que a terapia dupla PARECE ser tão eficaz quanto a terapia tripla. Terapia tripla a qual, vale a pena ressaltar, nunca foi devidamente testada em um grande trial neste cenário de FA + ATC. Ou seja, ainda estamos num campo meio nebuloso.
  • No final das contas, o que fazer? As diretrizes até então colocavam como recomendação IIb usar terapia dupla em pctes com FA e stent recentemente implantando. A diretriz europeia de antiplaquetários lançada esta semana já coloca como recomendação IIa baseada nestes 3 estudos (WOEST, PIONEER e RE-DUAL PCI). Segundo a diretriz, e nós concordamos com esta visão, se o médico achar que o risco isquêmico do pcte é maior que o risco de sangramento, ele deve CONSIDERAR a utilização de terapia tripla que neste caso seria aas + clopidogrel + anticoagulante. Já se o risco de sangramento for alto, CONSIDERAR a utilização de terapia dupla que neste caso seria um anticoagulante + clopidogrel.
  • Mas por que clopidogrel? Não acabamos de ver que no estudo acima podia ser usado ticagrelor? A questão é que no WOEST usou-se apenas clopidogrel e no PIONEER e no RE-DUAL mais de 90% dos pctes também usaram o clopidogrel. Ou seja, simplesmente temos mais dados de estudos com esta medicação do que com prasugrel ou ticagrelor.

Última observação, apenas para provocar: é interessante que muitas vezes a comunidade médica abraça rapidamente uma nova conduta mesmo que ela não tenha sido pautada por um grande estudo que tenha respondido em definitivo à questão. Este é um bom exemplo. Já desde o WOEST, o menor estudo dos 3 sobre o assunto, vejo muitos serviços usando o esquema de terapia dupla. Isso baseado em um estudo de centenas de pessoas quando a resposta só poderia ser dada por um estudo de dezenas de milhares de pessoas. Já outras questões como o uso da revascularização miocárdica em paciente com disfunção ventricular (visto pelo trial STICH) já possuem sua resposta dada por um estudo grande e definitivo, já tem as diretrizes ao seu lado corroborando os achados do estudo, e ainda assim a enorme maioria dos médicos têm grande dificuldade em “acreditar” nos dados. Enfim…

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

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