Coronariopatia

FAME trial – a importância da FFR na prática clínica

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FAME trial : A FFR (fractional flow reserve) é uma técnica de cateterismo que está sendo aplicada nos últimos anos para guiar intervenções coronarianas. Constitui-se de uma técnica em que se passa um fio-guia pela lesão e comparando a pressão antes e depois da obstrução é capaz de dizer se aquela lesão está trazendo repercussões funcionais para o pcte. Caso a FFR mostre relação <0,75-0,80 a lesão é considerada funcionalmente importante, devendo portanto ser tratada por método de revascularização (percutânea ou cirúrgica). Por se tratar de uma análise funcional é teoricamente mas útil para o médico do que apenas o aspecto visual da placa na angiografia.

O estudo DEFER ( Deferral of Percutaneous Coronary Intervention) já havia mostrado que deixar de  angioplastar lesões com FFR >0,75-0,8 não piorava os resultados após 5 anos de acompanhamento. Contudo, o trial FAME (Fractional FLow Reserve Versus Angiography for Multivessel Evaluation) mostrou que angioplastar lesões com FFR >0,8 na verdade pode piorar o prognostico do pcte. Isto deveria-se principalmente aos eventos adversos relacionados com a colocação de stents farmacológicos (ex: trombose de stent, reestenose).

No trial original as lesões coronarianas eram classificadas pelo hemodinamicista como: 50-70% , 71-90% e >90% de estenose. Em um grupo de pctes passava-se FFR para guiar a angioplastia. O que se viu é que 65% das lesões entre 50 e 70% não eram significantes!!! Nas lesões entre 71 e 90% um total de 20% tinha FFR>0,8. Já no gupo de lesões críticas (>90% de estenose) apenas 4% possuíam FFR>0,8. Avaliando-se o grupo de pctes triarteriais em apenas 14% dos casos havia lesões com FFR <0,8 nos 3 vasos e em 9% dos casos não havia nenhuma lesão com FFR alterado.

O que o FAME trial fez foi então dividir os pctes em 2 grupos – um em que se tratava a lesão baseado apenas no aspecto angiográfico (que é o que se faz na prática clínica cotidiana) e um outro grupo em que se tratava as lesões baseadas na FFR (só se angioplastava as lesões com FFR<0,8). Todas as angioplastias eram realizadas com stents farmacológicos. Após 2 anos de seguimento o que se viu é que o segundo grupo usou uma quantidade menor de stents por pcte (2 versus 3 do grupo guiado por angiografia) e que mesmo assim houve diminuição de eventos (Morte ou IAM) de 12,9% no grupo controle para 8,4% no grupo guiado por FFR.

Muitos locais não usam a FFR de forma mais ampla devido a questão do custo. Contudo, o que subanálise do FAME mostrou é que o tratamento guiado por FFR economizou dinheiro uma vez que menos stents farmacológicos foram implantados. 500 lesões deixaram de ser tratadas devido a informação de FFR>0,8 e destas houve apenas o registro de 1 IAM ao longo dos 2 anos de acompanhamento (0,2% incidência). Isso mostra que o método realmente é confiável em mostrar que lesões devem ser tratadas e que lesões devem ser mantidas em tratamento clínico.

Os resultados do estudo são bastante claros em mostrar que a avaliação de lesões entre 50 e 70% de estenose é extremamente falha quando considerado apenas o aspecto angiográfico. Mesmo nas lesões com estenose entre 71 e 90%  ainda há uma grande taxa de falha na detecção das lesões funcionalmente importantes. Este conhecimento pode explicar em boa parte o fato de que estudos prévios que avaliaram angioplastia na doença arterial crônica não mostraram diminuição de IAM e morte a longo prazo quando comparado com o grupo de tratamento clínico (EX: courage trial). Provavelmente muitas das lesões tratadas nestes trials possuíam FFR>0,8 e poderiam ter sido mantidas em tratamento clínico.

Os resultados deste trial inclusive já influenciaram o guideline europeu de revascularização miocárdica. Neste documento lançado no final de 2010 entre as indicações de revascularização (cirúrgica ou percutânea) são citadas lesões de tronco>50% , de da proximal >50% e de vaso derradeiro >50% desde que associados a prova isquêmica positiva ou a FFR<0,8 em casos de estenose entre 50% e 90%. Nos casos de estenose >90% pode-se tratar a lesão sem realizar FFR ou prova isquêmica já que se sabe que em 96% das vezes a FFR será alterada. Se uma prova isquêmica vier negativa neste caso é mais fácil que se seja um resultado falso-negativo e o médico terminará tratando a lesão de qualquer forma. Se um exame não vai alterar a decisão clínica, não deve ser realizado.

Referência: Tonino PAL, De Bruyne B, Pijls NH, et al. Fractional flow reserve versus angiography for guiding percutaneous coronary angiography. N Engl J Med 2009; 360: 360: 213-224.

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

4 comentários

    • Jorginho,
      Agradecemos pela participação. Com relação a comparação entre o FFR e Testes de isquemia esforço induzida, notei que a validação do Método FFR utilizou-se desta comparação. Existem estudos de correlação entre FFR e Ergometria, ECO estresse e Cintilografia e mostram boa correlação. Muito da utilidade desta ferramenta ocorre no fato de avaliar doença multiarterial e saber quais vasos realimente são responsáveis pela isquemia observada ou nos casos em que o paciente tem sintomas de alta probabilidade de DAC significante e limitante e que foram para CATE sem teste não invasivos para guiar a estratégia de revascularização. Disponibilizo algumas referências sobre estas comparações:
      1.Pijls NHJ, Van Gelder B, Van der Voort P, et al. Fractional flow reserve: a useful index to evaluate the influence of an epicardial coronary stenosis on myocardial blood flow. Circulation. 1995;92:3183–3193
      3. Miller DD, Donohue TJ, Younis LT, et al. Correlation of pharmacological 99mTc-sestamibi myocardial perfusion imaging with poststenotic coronary flow reserve in patients with angiographically intermediate coronary artery stenoses. Circulation. 1994;89:2150–2160
      4. Joye JD, Schulman DS, Lasorda D, Farah T, Donohue BC, Reichek N. Intracoronary Doppler guide wire versus stress single-photon emission computed tomographic thallium-201 imaging in assessment of intermediate coronary stenoses. J Am Coll Cardiol. 1994;24:940–947 ]

      5. De Bruyne B, Bartunek J, Sys SU, Heyndrickx GR. Relation between myocardial fractional flow reserve calculated from coronary pressure measurements and exercise-induced myocardial ischemia. Circulation. 1995;92:39–46
      6. Pijls NHJ, De Bruyne B, Peels K, et al. Measurement of fractional flow reserve to assess the functional severity of coronary-artery stenoses. N Engl J Med. 1996;334:1703–1708[
      7. FACTS Study GroupHeller LI, Cates C, Popma J, et al. Intracoronary Doppler assessment of moderate coronary artery disease: comparison with 201Tl imaging and coronary angiography. Circulation. 1997;96:484–490

      8. Verberne HJ, Piek JJ, van Liebergen RAM, Koch KT, Schroeder-Tanka JM, van Royen EA. Functional assessment of coronary artery stenosis by Doppler-derived absolute and relative coronary blood flow velocity reserve in comparison with Tc-99m MIBI SPECT. Heart. 1999;82:509–514
      9.Fractional flow reserve, absolute and relative coronary blood flow velocity reserve in relation to the results of technetium-99m sestambi single-photon emission computed tomography in patients with two-vessel coronary artery disease . Am Coll Cardiol, 2001; 37:1316-1322

  • Jorginho,
    que eu saiba decorado não. Sempre quis ler os artigos que geraram esta informação de que FFR abaixo de 0,8 ( e principalmente abaixo de 0,75) se correlacionam com lesão funcionalmente alterada. Acredito que eles devam ter comparado com método não invasivo sim, mas vou ter que dar uma olhada. Quando descobrir lhe falo. Um abraço.

    • Eduardo, como André comentou, gostaria de realçar que o trabalho de 1996 publicado no NEJM, por Nico Pijls, holandês do Catarina Hospital em Eindhoven e idealizador do método, comparou os dois métodos não-invasivos mencionados por Jorge e ainda o TE. O trabalho consagrou o valor de corte de 0,75, o qual, no inicio dos anos 90′, havia sido postulado ser 0,72. Considero o referido artigo como o marco inicial para a validação e o emprego clinico desta importante ferramenta invasiva lesão-específica. Veja figura do artigo que compara os três métodos e estabelece o valor de corte 0,75. Abraço.

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