Arritmia Coronariopatia

Fibrilação atrial e angioplastia ou infarto recente: como fica o esquema antitrombótico?

Escrito por Eduardo Lapa

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Hoje foi apresentado no ACC e publicado simultaneamente no New England o trial AUGUSTUS, liderado pelo médico brasileiro Dr Renato Lopes. Qual o contexto do trabalho? Vamos lá:

  • Pctes que possuem fibrilação atrial (FA) com CHADSVASC elevado precisam ser anticoagulados para reduzir o risco de eventos tromboembólicos.
  • Pctes que foram submetidos a angioplastia ou tiveram síndrome coronariana aguda precisam receber dupla antiagregação plaquetária (DAPT) para reduzir trombose de stent e novos eventos agudos, respectivamente.
  • E o que é que eu faço se o pcte tiver as duas situações juntas? Exemplo: tem FA crônica e agora colocou um stent ou infartou? Mantenho DAPT + anticoagulante (terapia tripla)? Deixo apenas um anticoagulante com um antiplaquetário? Se sim, que anticoagulante? A boa e velha varfarina ou deixo um anticoagulante novo (NOAC)?
  • Para tentar responder esta pergunta, vários trials já foram desenhados:

Estes 3 trabalhos citados acima já foram resumidos aqui no Cardiopapers.

Resumindo, o AUGUSTUS vem nesse contexto.

Dados do estudo:

  • Trata-se de um estudo fatorial 2×2. O que isso quer dizer? Ele testa 2 hipóteses. Primeiro: em cima de pctes com FA e atc/SCA recentes que já estão usando inibidor P2Y12 (ex: clopidogrel), será melhor usar varfarina ou apixabana na dose usual (5 mg 2xd)? Segundo: em cima disto: será melhor usar AAS (terapia tripla) ou placebo (ou seja, apenas ficar com terapia dupla)? Então são duas perguntas que serão respondidas por ele de uma só vez.

  • A escolha do agente inibidor da P2Y12 ficava a cargo do médico assistente. Lembrando que as opções que temos são clopidogrel, prasugrel e ticagrelor.
  • A dose da apixabana podia ser reduzida para 2,5 mg dia se o paciente apresentasse 2 dos 3 critérios que falamos aqui nesse post. A dose de AAS usado era 81 mg.d.
  • Endpoint primário: sangramento relevante ou maior. 
  • Endpoints secundários incluíam morte + eventos isquêmicos como AVC, IAM, trombose de stent e necessidade de revascularização de urgência.
  • 4614 pctes foram incluídos fazendo deste o maior estudo sobre o tema até o momento.
  • Cerca de 61% dos pctes eram agudos e o resto foi angioplastado no contexto de DAC crônica.
  • Clopidogrel foi o inibidor P2Y12 usado em 92,6% dos casos
  • Resultados: Os pacientes que usaram apixabana + inibidor P2Y12 sangraram menos que os pacientes que usaram varfarina + inibidor P2Y12

  • Esses dados preencheram critérios de superioridade para a apixabana. A cada 24 pctes tratados com o NOAC observou-se um sangramento maior a menos no período de follow-up do estudo (6 meses), ou seja, NNT = 24.
  • Inesperado? Não. A maioria dos estudos mostra que os NOACS são mais seguros em relação a sangramento do que a varfarina. OK. Que mais o estudo mostrou?
  • Em relação à questão da aspirina, pctes que usaram a droga sangraram mais do que os que não usaram (16,1% x 9%, respectivamente). A cada 14 pctes que usaram AAS, ocorreu um sangramento maior a mais no período de 6 meses (NNH = 14). Ou seja, não usar o AAS foi mais importante em evitar sangramentos do que trocar a varfarina por apixabana.
  • Na hora que avaliou-se os 4 grupos (apixabana + placebo x apixabana + aas x varfarina + placebo x varfarina + aas), observou-se isso:

  • Ou seja, a combinação que sangrou mais foi varfarina + aas e a que sangrou menos foi apixabana + placebo.
  • Na parte de desfecho secundário de morte + hospitalização, viu-se que morte não teve diferença entre os grupos mas que hospitalização foi menor no grupo apixabana + placebo e maior no grupo de terapia tripla tradicional (varfarina + aas + inibidor P2Y12)

  • No desfecho secundário de morte + desfechos isquêmicos, não houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos. Houve tendência a ter mais eventos isquêmicos no grupo que não usou AAS mas esta não preencheu critérios de significância estatística. O grupo que usou apixabana teve menos AVC.

  • Conclusões dos autores sobre o trial:

Opiniões pessoais:

  • Trabalho bem importante. Como já dito antes, é o maior nesse tema de FA x necessidade de dupla antiagregação devido a angioplastia ou evento agudo recente. Ele ratifica o conceito já mostrado pelos 3 trials citados no começo do texto que terapia dupla (anticoagulante + inibidor P2Y12) sangra menos que terapia tripla. Também adiciona que o uso de novos anticoagulantes (no caso do estudo, a apixabana) são mais seguros de serem usados quando comparados à varfarina tanto no contexto de terapia dupla quanto no de terapia tripla
  • Também acrescenta no sentido de mostrar que o clopidogrel é agora o antiplaquetário que tem-se mais experiência no contexto de terapia dupla com anticoagulante.
  • Mas qual a grande questão que ainda não temos resposta definitiva? Se terapia dupla protege tanto quanto novos eventos isquêmicos/trombose de stent do que a terapia tripla. Mas como assim, Eduardo? Isso não foi visto neste trial? Foi, mas era desfecho secundário. Ou seja, o trial não possui o poder necessário para bater o martelo nesta questão. Como dizem os autores na discussão: “None of the three contemporary trials of the new oral anticoagulants in patients with atrial fibrillation and PCI, including AUGUSTUS, were designed to be large enough to detect small but potentially meaningful differences in the incidence of ischemic events.”
  •  O que precisamos agora é de uma metanálise que junte os dados destes 4 trabalhos para chegarmos à resposta da pergunta acima.
  • OK. Mas o que eu faço com o paciente que aparece amanhã no meu hospital com FA crônica e que chega infartando ou que coloca um stent? Costumo seguir a recomendação feita no editorial:
  • Está frente a um paciente com baixo risco trombótico (ex: angioplastia eletiva tranquila) ou com alto risco de sangramento? A princípio vai de terapia dupla (que com esse trabalho cada vez mais fica para combinação clopidogrel e NOAC). 
  • Já se é um paciente submetido à angioplastia complexa ou que está em cenário de síndrome aguda de alto risco, possivelmente é interessante segurar a terapia tripla por algumas semanas devido ao risco de eventos isquêmicos aumentados. 
  • O final do editorial do New England é particularmente feliz: “Although guideline committees will now have to grapple with incorporating the results of the AUGUSTUS trial into specific recommendations, it is clear that a one-size-fits-all policy is unlikely to apply in these patients.”

 

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

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