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Infarto com supra: abrir apenas a artéria culpada ou tratar todas as lesões?

Escrito por Cristiano Guedes

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Segundo metanálise do Cochrane publicada online recentemente, em pacientes com doença coronária multiarterial, internados por quadro de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMC/SUPRAST), a estratégia de revascularização completa (intervir tanto na lesão associada ao infarto quanto nas demais lesões) comparada à intervenção coronária percutânea (ICP) apenas da lesão associada ao infarto leva a um menor risco em longo prazo de morte cardiovascular, reintervenção e infarto do miocárdio não fatal. Porém, a ICP das lesões residuais só reduziu infarto não fatal quando a ICP completa foi realizada no procedimento índice, perdendo o efeito quando realizada de forma estagiada (em 2 tempos).

Destacamos os principais achados dessa metanálise:

  • foram incluídos 9 ensaios clínicos randomizados envolvendo 2.633 pacientes com IAMC/SUPRA e doença coronária multiarterial tratados com ICP completa ou somente da lesão associada ao infarto.
  • A ICP das lesões residuais (não associadas ao infarto) poderia ser feita no procedimento índice ou de forma estagiada.
  • Em comparação com ICP apenas da lesão associada ao infarto, a revascularização completa (todas as lesões) foi associada em longo prazo à menor risco de mortalidade cardiovascular (4,7% vs 2,4%; RR 0,50; IC95% 0,32-0,79), IAM não fatal (7% vs 4,3%; RR 0,62; IC95% 0,44-0,89) e revascularização repetida (20,8% vs 10,6%; RR 0,47; IC95% 0,39-0,57).
  • Em análise de subgrupos, a ICP das lesões residuais realizada durante o procedimento índice levou a um menor risco de IAM não fatal (RR 0,37; IC95% 0,19-0,71), contudo não houve diferença nesse desfecho para ICP de lesões residuais em 2 tempos.
  • A mortalidade cardiovascular foi semelhante tanto na ICP das lesões residuais no procedimento índice quanto no procedimento em 2 tempos.

No entanto, os pesquisadores enfatizam sobre a elevada chance de viés e má qualidade da evidência, concluindo que a abordagem apropriada das lesões residuais (“não associadas ao infarto”) ainda precisa ser definida.

Essa discussão é antiga (há 5 anos, começávamos a discussão no portal cardiopapers) e ainda vai continuar. Sabe-se que o IAMC/SUPRAST em multiarteriais é de pior prognóstico. Apesar de no passado, as diretrizes recomendarem apenas tratamento da lesão culpada, estudos recentes apoiam a estratégia de revascularização completa. O fato é que, baseado nos estudos PRAMI, CVLPRIT e DANAMI-3-PRIMULTI, recomenda-se revascularização completa em pacientes com IAMC/SUPRAST tanto nas diretrizes européias (classe de recomendação IIa) quanto nas diretrizes americanas (classe IIb).

Na prática, enquanto não surgem evidências mais definitivas, deve-se procurar individualizar a conduta. Baseado na evidência atual e em diretrizes, devemos considerar a possibilidade de revascularização completa, no mesmo procedimento ou estagiada. Alguns aspectos devem ser ponderados: de acordo com o cenário anatômico (grau da estenose, bifurcações verdadeiras, lesões de tronco, etc…) ou clínico (insuficiência renal, choque cardiogênico, etc…), é razoável abordar as lesões em segundo tempo ou, conforme discussão multidisciplinar, manter-se tratamento clínico.

Vale ressaltar que sub-estudo do DANAMI 3 – PRIMULTI mostrou que o benefício de revascularizar completo é maior nos pacientes triarteriais (em comparação aos biarteriais) e em lesões críticas de 90% (em comparação com estenoses menos críticas).

Vamos exemplificar com três casos do dia a dia:

1- Paciente de 55 anos com IAMC/SUPRAST inferior, foi submetido à angioplastia da artéria CD no procedimento índice, apresenta padrão triarterial com lesões de 90% em artéria DA (envolvendo a bifurcação com ramo diagonal) e em artéria CX (envolvendo bifurcação com ramo marginal). Optado por proceder ICP das lesões residuais em DA e CX em segundo tempo, na mesma internação (lesões críticas, mas de abordagem complexa).

2- Paciente de 88 anos com IAMC/SUPRAST anterior, foi submetido à angioplastia primária de artéria DA. Apresenta ainda lesão de 70% em ramo VP da CD. Pouco ativo, creatinina 2,5mg/dL.  Optado por manter tratamento clínico da lesão residual.

3- Paciente de 65 anos com IAMC/SUPRAST lateral, foi submetido à angioplastia primária de artéria CX com sucesso e sem intercorrências. Apresenta ainda lesão focal de 90% em terço médio da artéria DA (sem envolver bifurcação e não calcificada). Optado por intervenção em lesão residual no mesmo procedimento (lesão crítica e de simples abordagem).

Por fim, estudos como o “FULL REVASC”, utilizando FFR para avaliar as lesões não culpadas e o “COMPLETE” irão contribuir de forma mais robusta nesse campo.

Referências:

  1. Bravo CA et al. Cochrane corner: complete versus culprit-only revascularisation in ST segment elevation myocardial infarction with multivessel disease. Heart. 2018.
  2. Bangalore et al. Meta-analysis of culprit-only versus multivessel percutaneous coronary intervention in patients with ST-segment elevation myocardial infarction and multivessel coronary disease. Am J Cardiol. 2017.
  3. Lonborg J et al. Fractional flow reserve-guided complete revascularization improves the prognosis in patients with ST-segment-elevation myocardial infarction and severe nonculprit disease: a DANAMI 3-PRIMULTI substudy. Circ Cardiovasc Interv. 2017.

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Sobre o autor

Cristiano Guedes

Dr Cristiano Guedes

• Doutorado em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
• Residência médica em Cardiologia pelo Instituto do Coração da FMUSP (InCor-FMUSP)
• Especialista em Hemodinâmica e Cardiologia intervencionista pelo InCor-FMUSP.
• Sócio Titular da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista
• Cardiologista intervencionista dos Hospitais CárdioPulmonar e São Rafael – Salvador.
• Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9663860620578411

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