Diabetes Insuficiência Cardíaca

Inibidores da SGLT2 e pressão arterial: qual a relação?

Escrito por Remo Holanda

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Sabemos que hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus tipo 2 (DM2) são doenças que costumam andar juntas. Além disso, o risco de complicações cardiovasculares e renais aumenta de maneira substancial na presença de HAS e DM21. Os inibidores de SGLT2 (sodium glucose co-transporter 2; cotransportador de glicose sódio 2) são medicamentos antidiabéticos que levam à redução de hospitalização por insuficiência cardíaca (IC) e de ocorrência de nefropatia em pacientes com DM22. Tais medicamentos, entre outros efeitos, podem reduzir a pressão arterial (PA), com isso potencialmente contribuindo para os benefícios protetores cardiovasculares e renais. Mas algumas perguntas permanecem em aberto: seria a eficácia dos inibidores de SGLT2 preservada independentemente da PA do paciente? E seria seguro dar estes medicamentos mesmo naqueles pacientes com PA normal?

Uma sub-análise do estudo DECLARE TIMI 58 procurou esclarecer estas dúvidas. Nesta sub-análise, publicada no periódico Circulation, Furtado e cols. dividiram os pacientes de acordo com seu nível de PA sistólica (< 120, 120-129, 130-139, 140-159 e ≥ 160 mmHg, respectivamente PA ótima, normal, HAS estágio 1, HAS estágio 2 e HAS grave, de acordo com as diretrizes do American College of Cardiology / American Heart Association)3. No estudo, os pesquisadores observaram que o benefício da dapagliflozina em reduzir hospitalização por IC ocorreu independentemente do nível de PA sistólica que o paciente tinha (P para interação = 0,28). Além disso, a dapagliflozina reduziu a ocorrência de complicações renais (isto é, o desfecho composto de queda de 40% ou mais na taxa de filtração glomerular, evolução para doença renal terminal ou morte de causa renal) independente do nível de PA sistólica do paciente (P para interação = 0,52). Análises de sensibilidade ajustadas para a redução da PA ao longo do estudo assim como o nível de PA sistólica alcançado confirmaram os resultados principais. No tocante à segurança, não houve qualquer aumento de insuficiência renal aguda, depleção de volume ou amputação de extremidades em qualquer nível de PA sistólica. Uma curiosidade foi a de que a redução de PA sistólica com a dapagliflozina foi de apenas 2,4 mmHg, uma diferença muito modesta para justificar o benefício cardiorrenal com a medicação.

É importante notar algumas limitações do estudo. A principal delas é a de que o estudo não foi desenhado para pesquisar o mecanismo de ação da dapagliflozina. Existe a hipótese de que possa existir um efeito hipotensor responsável pela proteção contra complicações cardiorrenais. Entretanto, tudo indica, pelos dados apresentados, que esta hipótese não deva ser a mais provável para justificar os efeitos benéficos dos inibidores de SGLT2 sobre as complicações cardiovasculares e renais do DM2.

O que estes resultados então sugerem e como eles devem impactar a nossa prática clínica? De acordo com esta sub-análise, podemos ficar confortáveis em introduzir um inibidor de SGLT2 em pacientes com DM2 que tenham PA dentro do normal, pois estes pacientes continuam tendo benefício na proteção cardiorrenal, e não estão sob risco maior de reações adversas com o medicamento.

Mas, e se não é a redução da PA, qual mecanismo explica o benefício clínico observado com os inibidores de SGLT2? Este é um mistério que ainda intriga a ciência, e para o qual uma resposta definitiva ainda não existe. Entre outros mecanismos, já foram sugeridos melhora no metabolismo miocárdico, aumento de hematócrito e redução da sobrecarga de cálcio intracelular como possíveis explicações4. Esta é uma área que ainda permanece em aberto, e futuros estudos devem trazer uma luz a fim de responder a esta pergunta.

Referências:

  1. Adler AI, Stratton IM, Neil HA, Yudkin JS, Matthews DR, Cull CA, Wright AD, Turner RC, Holman RR. Association of systolic blood pressure with macrovascular and microvascular complications of type 2 diabetes (UKPDS 36): prospective observational study. BMJ 2000;3 21: 412-9.
  2. Zelniker TA, Wiviott SD, Raz I, Im K, Goodrich EL, Bonaca MP, Mosenzon O, Kato ET, Cahn A, Furtado RHM, et al. SGLT2 Inhibitors for Primary and Secondary Prevention of Cardiovascular and Renal Outcomes in Type 2 Diabetes Mellitus: A Systematic Review and Meta-Analysis of Cardiovascular Outcomes Trials. Lancet. 2019; 393: 31-39.
  3. Furtado RHM, Raz I, Goodrich EL, Murphy SA, Bhatt DL, Leiter LA, McGuire DK, Wilding JPH, Aylward P, Dalby AJ, Dellborg M, Dimulescu D, Nicolau JC, Oude Ophuis AJM, Cahn A, Mosenzon O, Gause-Nilsson I, Langkilde AM, Sabatine MS, Wiviott SD. Efficacy and Safety of Dapagliflozin in Type 2 Diabetes According to Baseline Blood Pressure: Observations From DECLARE-TIMI 58 Trial. Circulation. 2022; [Epub ahead of print].
  4. Zelniker TA, Braunwald E. Mechanisms of Cardiorenal Effects of Sodium-Glucose Cotransporter 2 Inhibitors: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2020; 75: 422-434.

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