Insuficiência Cardíaca

Insuficiência cardíaca, trombo ventricular e ritmo sinusal: anticoagular por quanto tempo?

Escrito por Jefferson Vieira

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O trombo de VE é uma complicação temida da IC e está tradicionalmente associado a IAM recente. Embora a terapia anticoagulante esteja bem estabelecida na presença de FA, uma dúvida comum no tratamento da IC envolve o manejo de doentes com trombo de VE em ritmo sinusal. Como já havíamos discutido antes, a evidência de benefício da anticoagulação plena nesse cenário é limitada, pois a maioria dos estudos antecede o avanço de terapias trombolíticas e percutâneas, DOACs e DAPT e escores de risco para AVC cardioembólico.

Recentemente, pesquisadores do Brigham and Women’s Hospital publicaram no JACC um levantamento retrospectivo descrevendo sua experiência no manejo de trombo de VE entre os anos de 2008 e 2015. Nesse estudo foram rastreados mais de 140 mil ecocardiogramas, dos quais 128 tinham evidência de trombo de VE – uma incidência relativamente baixa se considerarmos 7 anos de seguimento num grande hospital de referência terciária. Os autores sugerem que essa baixa incidência possa explicar, pelo menos em parte, porque estratégias de anticoagulação profilática na IC não tenham sido benéficas em estudos como WASH, HELAS, WATCH, WARCEF e, recentemente, o COMMANDER-HF.

A etiologia mais comum de trombo de VE foi IC, identificada em mais de 2/3 dos casos, seguida por IAM. Dentre os pacientes com IC, a grande maioria (86%) tinha ICFER mas menos de 10% recebiam concomitantemente o triplo bloqueio neuro-hormonal com iECA/BRA, betabloqueador e antagonista mineralocorticóide. Dentre os infartados, supra de ST por oclusão da DA foi identificado em mais de 70% dos casos (Obs.: Foram considerados trombos secundários ao IAM somente aqueles observados num intervalo de 3 meses após o evento agudo).

A mortalidade intra-hospitalar foi de aproximadamente 8%. Outros 8% não puderam ser anticoagulados por conta de alguma contraindicação médica. Dentre os 108 pacientes que foram efetivamente anticoagulados por longo-prazo, a varfarina foi o anticoagulante de escolha em quase 90% dos casos, e somente 3,7% receberam algum DOAC (em geral apixaban). Vale ressaltar que o uso de DOACs não era prática comum no começo do estudo.

O follow-up mediano foi de 44 meses. Infartados receberam alta com terapia antitrombótica dupla (43%) ou tripla (54%). 13% dos pacientes com trombo de VE morreram em 1 ano, nenhum por sangramento. Aproximadamente 2% dos pacientes tiveram AVC cardioembólico e 3% algum episódio de sangramento não fatal. Dados sobre a duração da terapia só estavam disponíveis em 67 pacientes. Destes, 60% seguiram tratamento indefinidamente, enquanto o restante recebeu anticoagulação oral por períodos que variaram entre 1 e 70 meses.

Opinião: Como já mencionado, a literatura é escassa e desatualizada e infelizmente não há uma recomendação clara. Boa parte das estratégias sugeridas a seguir são off-label, baseadas nas rotinas que venho observando no Brigham, na opinião de especialistas e na (ótima) revisão do uptodate.

  • Pacientes com trombo recente de VE têm risco aumentado de eventos embólicos e idealmente devem ser anticoagulados, especialmente no IAM ântero-apical e com FEVE inferior a 30%
  • A presença de contraste espontâneo ou aneurisma sem trombo e em ritmo sinusal não são indicações aceitas para anticoagulação em pacientes com IC
  • O risco-benefício da anticoagulação deve ser individualizado, pois muitos pacientes acabarão recebendo terapia antitrombótica tripla (no estudo do Brigham, 8% dos pacientes não puderam ser anticoagulados por contraindicação médica e 54% dos infartados receberam terapia antitrombótica tripla)
  • Recomenda-se ponte com heparina parenteral (TTPa alvo de 2-3xx) até que a anticoagulação efetiva seja alcançada. A maioria dos centros ainda usa varfarina com INR alvo 2 a 3, mas esse cenário está mudando com a difusão dos DOACs
  • A duração média de anticoagulação é de 3 meses. Esse período pode ser reduzido ou estendido de acordo com remodelamento reverso (recuperação da função cardíaca) e resolução versus permanência de trombo residual. A extensão da terapia além de 3 meses na presença de trombo organizado e aderido, independente de anticoagulação prévia, é uma prática controversa (no estudo do Brigham, a mediana de tempo de anticoagulação foi de 6 meses, variando entre 1 e 70)
  • As diretrizes de AVC da AHA/ASA de 2014 recomendam que pacientes com AIT/AVC isquêmico cardioembólico devam receber anticoagulação oral por pelo menos 3 meses
  • Para pacientes com AVCs extensos e transformação hemorrágica sintomática ou hipertensão mal controlada, a anticoagulação oral deve ser suspensa por 1 a 2 semanas
  • Após os 3 meses, na ausência de indicação de anticoagulação oral (ou seja, FA, prótese mecânica ou trombo residual de aspecto emboligênico), a prevenção secundária de AVCi com um único antiagregante deve ser continuada

Cian McCarthy, Sean Murphy, Ramkumar V. Venkateswaran, Avinainder Singh, Leslie L. Chang, Melvin G. Joice, Jose M. Rivero, Muthiah Vaduganathan, James L. Januzzi, Deepak L. Bhatt. Left Ventricular Thrombus. Journal of the American College of Cardiology Mar 2019, 25916; DOI: 10.1016/j.jacc.2019.01.031

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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