Coronariopatia Métodos complementares

Angiotomografia de coronárias x teste não invasivo: o que é melhor na suspeita de coronariopatia crônica?

Escrito por Alexandre Volney

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Estamos todos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo.

 Cora Coralina

Foi publicado na edição deste mês no The New England Journal of Medicine (DOI: 10.1056/NEJMoa1805971) os resultados do seguimento de 5 anos do trial Scot-Heart já apresentando previamente no cardiopapers (não se lembra?  veja aqui ).

Relembrando rapidamente, o SCOT-HEART foi um estudo escocês prospectivo, open label e multicêntrico que randomizou 4.146 pacientes (média de 57 anos com 56% homens) de baixo e principalmente de moderado risco para doença arterial coronariana (DAC) com dor torácica estável, alocando os pacientes dois grupos (1:1) segundo a investigação padrão (standard of care – SoC)  x investigação padrão + angiotomografia de artérias coronárias (AngioTC).

Os resultados iniciais (1,7 ano de segmento) demonstraram que não havia diferença no desfecho clínico de incidência de infarto fatal ou não fatal (26 vs. 42; p: 0.053) porém com tendência de benefício para o grupo AngioTC. Além disso, embora sem diferença estatística, havia naquele momento tendência a maior taxa de revascularização no grupo AngioTC.

Agora com média de seguimento de 4,8 anos o que os pesquisadores constataram foi:

  • Endpoint primário (morte por doença coronária ou infarto não fatal) ocorreu em 2,3% [48 pacientes] no grupo AngioTC vs. 3,9% [81 pacientes] no grupo SoC; RR 0,59; (95% IC 0,41 to 0,84; P = 0,004) – vale ressaltar que o endpoit primário foi atingido basicamente devido a ocorrência de infarto não fatal.
  • Não houve diferença entre os grupos na indicação de angiografia invasiva (491 pacientes no grupo angioTC x  502 pacientes no SoC) RR 1,00; (95% IC 0,88 to 1,13) nem na taxa de revascularização miocárdica (279 pacientes no grupo AngioTC x 267 no SoC) RR 1,07; (95% IC 0,91 to 1,27).
  • A adoção de terapias preventivas (OR 1,40; 95% IC 1,19 to 1.65) e uso de medicações anti-anginosas (OR 1.27; 95% IC 1,05 to 1,54) foram mais frequentes no  grupo AngioTC.

Destaca-se que esse endpoint para seguimento de 5 anos foi pré-especificado no estudo, considerando-se que modificações na terapêutica pelos resultados obtidos poderiam ser percebidos no longo prazo.

Dessa forma, os achados sugerem que o uso de estratégia AngioTC resulta em maior número de diagnósticos corretos conduzindo ao uso de terapias preventivas determinando menor incidência de eventos clínicos quando comparada a estratégia SoC.

Comentário do autor: Cada vez mais a discussão da estratégia inicial para investigação e doença coronariana estável tende para o uso da AngioTC coronária como um “divisor de águas” em função do seu elevado poder discriminatório da existência ou não de aterosclerose coronariana (obstrutiva ou não obstrutiva), implicando em significativas modificações na modificação terapêutica (farmacológica ou não farmacológica) dos pacientes. Esses resultados, entretanto, não invalidam todo o conhecimento e valor prognóstico dos métodos funcionais obtidos ao longo de anos de estudos clínicos. Novamente, a combinação subseqüente com testes funcionais para aqueles pacientes com doença diagnosticada pela AngioTC parece ser racionalmente a maneira mais efetiva para a definição prognóstica e de terapias invasivas.

Opinião do editor (Eduardo Lapa):

Um exame diagnóstico isoladamente pode mudar desfechos clínicos? Não. Já vimos isso nos post de Swan-Ganz que publicamos 8 anos atrás. Para entender isso, temos que saber a diferença entre dado, informação, conhecimento e sabedoria. Usando os exemplos que falo no nosso curso básico de ecg:

Dado: se mostro um ecg de um iam com supra de st para um pessoa leiga, aquilo não significa nada para ela. Ela enxerga apenas um monte de traçados.

Informação: se mostro o mesmo ecg para um estudante de medicina que acabou de ter as primeiras aulas de ecg, ele facilmente irá identificar que o segmento ST está anormal em várias derivações, mas não obrigatoriamente conseguirá reconhecer que aquilo é um IAM com supra.

Conhecimento: se o mesmo exame é interpretado por um estudante de medicina que já viu o curso inteiro de ecg, ele saberá que trata-se de uma ecg compatível com IAM com supra de ST. Mas digamos que ele ainda não sabe manejar um infarto. Ou seja, ele vai saber o diagnóstico, mas não saberá implementar o tratamento adequado.

Sabedoria: se o mesmo ecg é lido por um residente da cardiologia, não só ele prontamente saberá que é um IAM com supra mas também irá deflagar rapidamente as condutas adequadas (reperfusão coronariana, aas, etc).

É clássica a frase “knowledge is power”. Conhecimento é poder. Na verdade, conhecimento é apenas poder em potencial. O que realmente faz diferença são os atos ou condutas que você deflagra a partir do conhecimento adquirido.

Voltando ao artigo discutido: o estudo mostra que a estratégia de avaliação usual associada a angiotc reduziu iam. Faz sentido? Apenas se os tratamentos nos dois grupos foram diferentes. E de fato foram. Não houve mudança de procedimentos de revascularização. O que mudou basicamente foram as medicações. O quanto mudou? Vamos ver alguns exemplos:

No começo do trial cerca de 47% dos pacientes usavam antiplaquetários. Após um ano, 52,45 do grupo angiotc seguia com a medicação e 40,9% dos pacientes do grupo controle seguiam com o tratamento. Para estatinas, o número basal era 43%, aproximadamente, e passou após 1 ano para 50,4% no grupo controle e 59,5% no grupo angiotc. Ou seja, há diferenças razoáveis entre os 2 grupos. Faz sentido? Faz. Tanto os médicos tendem a prescrever mais medicações ao saber que há, digamos, uma placa de 50% na coronária direita quanto os pacientes tendem a ser mais aderentes ao saber que há algo em suas coronárias. Exemplo: esse post de escore cálcio e aderência que colocamos anos atrás.

OK. Resolvido, certo? Vou seguir a linha dos britânicos que recentemente disseram que na suspeita de DAC estável deve-se pedir angiotc para definir e pronto, correto? Não é tão simples. O estudo PROMISE não mostrou diferença de desfechos entre grupo investigado com angiotc e outro investigado de forma não invasiva. Qual uma diferença importante do PROMISE para o SCOT-HEART. No primeiro a grande maioria dos pacientes do grupo não invasivo foi investigada com cintilografia miocárdica. No segundo estudo, com teste ergométrico. E daí? Sabemos que os métodos não invasivos que usam imagem associada (ex: cintilo, eco estresse) possuem acurácia maior para diagnóstico de DAC quando comparados ao teste ergométrico tradicional. No momento em que o grupo “controle” detecta mais alterações (caso do PROMISE), o conhecimento não muda tanto entre os 2 braços do estudo. Conhecimento similar, condutas tendem a ser similares.

Resumindo, a adição de angiotc a uma avaliação usual usando apenas teste ergométrico na investigação de uma possível DAC crônica parece reduzir IAM. Já angiotc x cintilografia miocárdica no mesmo cenário tem resultados similares. Devemos lembrar, contudo, que métodos diagnósticos são apenas meios de chegarmos a um fim, diagnóstico apropriado. E mais, diagnóstico nos dá informações, mas o que muda desfechos em nossos pacientes não são informações ou mesmo conhecimento, mas sim a sabedoria de implementar condutas adequadas.

OBS: para ler uma opinião diferente sobre o assunto, leia esse texto do Dr John Mandrola do Medscape. Visão bem interessante sobre o tema.

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Sobre o autor

Alexandre Volney

Residência em Clínica Médica pelo Hospital do Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo (HC-FMUSP, 2007)
Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor-HCFMUSP, 2009),
Especialização em Tomografia e Ressonância Cardiovascular (InCor-FMUSP, 2009-2011)
Especialista em Ecocardiografia (SBC)

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