Coronariopatia Hemodinâmica Prevenção

A maioria dos infartos são causados por placa aterosclerótica previamente >70%, certo? Errado!

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Há algum tempo sabemos que uma placa aterosclerótica pode provocar um evento cardiovascular agudo mesmo sem ser angiograficamente obstrutiva. Estudos prévios de anatomia patológica demonstraram que o aspecto anatômico e a composição do ateroma são mais determinantes para a instabilidade da placa do que propriamente a porcentagem de estenose e a intensidade de redução do fluxo coronariano provocada por ela. Ou seja, uma placa pode provocar uma obstrução de 70% no lúmen do vaso mas ser estável, calcificada, com capa fibrótica espessa, núcleo necrótico homogêneo e, portanto, com baixa probabilidade de romper e provocar uma síndrome coronariana aguda (SCA). Por outro lado, uma placa não obstrutiva provocando uma estenose de 30% da luz do vaso pode ter várias características de instabilidade (capa fina, atividade inflamatória intensa, etc.) determinando maior risco de ruptura e, consequentemente, evolução para um evento agudo. Entretanto, os fatores de risco relacionados à placa para provocar um evento agudo são múltiplos e difíceis de serem demonstrados in vivo.

O Prospect Trial foi um estudo prospectivo em que 697 pacientes admitidos por SCA (angina instável ou infarto) foram submetidos a cateterismo cardíaco com angioplastia da artéria considerada culpada pelo evento e, na mesma internação, também foram tratatadas todas as outras eventuais lesões que se julgou necessária intervenção percutânea. Ao final deste processo inicial, foi realizada uma coronariografia seguida por avaliação com ultrassom intracoronário (USIC) do tronco da coronária esquerda e de todas as artérias coronárias epicárdicas principais (60 a 80 mm do segmento mais proximal). Foi considerada a existência de uma lesão aterosclerótica pelo USIC quando se encontrava, em pelo menos três frames consecutivos, uma placa com “plaque burden” > 40% (plaque burden ou carga de placa: porcentagem da área total do vaso ocupada pela placa em um corte transversal pelo USIC). Essas lesões foram catalogadas quanto às características luminais (área luminal mínima, diâmetros, porcentagem de estenose) e, de acordo com o aspecto pelo USIC, classificadas em: fibroateroma de capa fina; fibroateroma de capa espessa; espessamento intimal patológico; placa fibrótica; ou placa fibrocalcífica.

Após um seguimento médio de 3,4 anos, os eventos cardíacos adversos maiores (MACE) foram contabilizados e identificados, através de um novo cateterismo cardíaco, como tendo sido provocados pelo segmento originalmente tratado (lesões culpadas) ou por segmentos coronarianos não tratados (lesões não culpadas). Ou seja, este foi um estudo que se propôs a demonstrar in vivo a história natural da aterosclerose coronariana e confirmar a hipótese de que as SCAs se correlacionam com as características histopatológicas da placa e, não necessariamente, com o grau de obstrução do vaso.

Ao final de 3 anos, a taxa cumulativa de MACE (morte cardiovascular, parada cardíaca, infarto do miocárdio ou re-hospitalização por angina) foi de 20,4%. Os eventos foram considerados como reincidência relacionada a uma lesão culpada em 12,9% dos pacientes. Enquanto que em 11,6% dos pacientes o evento decorreu de uma instabilidade em uma placa não culpada pelo evento índice. Um dado interesante foi que a maior parte das lesões não culpadas que provocaram um novo evento eram na angiografía inicial (baseline) discretas com porcentagem de estenose de 32,3 +- 20,6%. Além disso, na análise multivariada estas placas não culpadas que provocaram eventos eram mais frequentemente caracterizadas por: carga de placa ≥ 70%; área luminal mínima (ALM) ≤ 4,0 mm2 e por serem classificadas como fibromateroma de capa fina.

Em conclusão, os eventos cardiovasculares agudos novos ocorreram igualmente entre les’oes culpadas e não culpadas. Dentre as lesões não culpadas que provocaram evento, a maior parte foi composta por lesões discretas, e os fatores de risco identificados para a ocorrência de MACE foram carga de placa ≥ 70%; ALM ≤ 4,0 mm2 e característica ultrassonográfica de fibromateroma de capa fina.

Opiniões pessoais:

  • este trial é um estudo clássico da cardiologia intervencionista que ajudou a demonstrar de maneira muito elegante a evolução natural da doença arterial coronariana aguda.
  • Ao realizar a análise de uma placa por USIC e identificar estes fatores preditores de evento, o que fazer com a informação? Qual estratégia adotar para “passivar” esta placa de característica instável? Uma possibilidade seria tratar o paciente mais agressivamente do ponto de vista medicamentoso. Outra opção seria tratar a lesão com angioplastia. Uma outra discussão interessante que vem se apresentando é a possibilidade de “passivar” a placa com o implante de um stent bioabsorvível, o qual em um período de até dois anos seria reabsorvido e desapareceria do interior do vaso. O fato é que, saindo do campo das hipóteses, até o presente momento, não existe nenhum estudo que demonstre benefício clínico da intervenção percutânea sobre uma placa não obstrutiva, a não ser que se demonstre a repercussão funcional da obstrução com isquemia ou sintoma.
  • Tendo em conta os aprendizados com os estudos clínicos de prevenção secundária de DAC, por exemplo com estatinas, acreditamos que estes fatores de risco demonstrados pelo estudo Prospect devem ser levados em consideração para a reclassificação de risco do paciente e intensificação do tratamento clínico.

Referência bibliográfica:

Stone GW, Maehara A, Serruys PW et al. A Prospective Natural-History Study of Coronary Atherosclerosis. N Engl J Med 2011;364:226-35.

 

 

 

 

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Sobre o autor

Eduardo Pessoa de Melo

Residência em Cardiologia pelo InCor/FMUSP
Título de Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Cardiologia Intervencionista pelo InCor/FMUSP
Sócio Titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia Intervencionista
Cardiologista Intervencionista do PROCAPE/UPE
Cardiologista Intervencionista da Rede D'Or São Luiz:
- Hospital Esperança
- Hospital Esperança Olinda
- Hospital São Marcos

5 comentários

  • O artigo está bem escrito, mas apesar da intenção de causar impacto usando esse título, seria recomendável mudá-lo porque o mesmo é dúbio e pode ser mal interpretado.

    Não há dúvidas que se você tiver 2 placas, uma de 70% e outra de 30% em relação ao grau de obstrução, após 2 anos de acompanhamento, a chance de infarto será maior na placa de 70%. Claro que não estou comparando uma placa de 70% calcificada com capa espessa vs uma placa de 30% com capa fina. Para um mesmo tipo de placa, quanto maior o grau de estenose, maior o risco de evoluir para uma síndrome coronariana aguda.

    Quanto à isso não há qualquer sombra de dúvida.

    O que acontece com muitos estudos foi ter comparado uma placa de 70% contra várias outras de 30 ou 40 e após mais de 2 anos ter visto uma leve tendência de o maior número de infartos serem oriundos do conjunto de placas menores (e que são muito mais numerosas).

    Ainda existe a crença (completamente errônea) de que uma placa de 30 ou 40% rompe do dia pra noite e provoca um infarto.

    A história natural das placas ateroscleróticas é passar múltiplas instabilizações e reestabilizações e a cada nova instabilização existe uma grande chance de progressão do grau de estenose provocado.

    Dificilmente uma placa de 40% progride para 100% após uma única instabilização. Por isso uma cintilografia normal trás um baixíssimo risco de eventos no espaço de 1 ano e um ainda significativo baixo risco de eventos no espaço de 2 anos… Após isso ela perde de modo significativo a capacidade de avaliar prognóstico.

    Os estudos que demonstram significativo aumento de eventos em pacientes com placas menores foram todos realizados com acompanhamento maior que 2 anos e sempre comparando muitas placas menores contra poucas maiores.

    Ou seja… No “head to head”, uma placa de 70% com mesmas características de uma placa de 40% apresenta sim uma maior chance de SCA, principalmente se for demonstrado presença de isquemia causada por essa placa confirmando que ela é obstrutiva.

  • Só discordo sobre implante de stent, mesmo que bioabsorvíveis; não temos a menor idéia do que irá acontecer daqui a 5 anos… uma coisa é fato; stent é para lesões críticas e as demais tratamento clínico otimizado; isso é o que há de evidência.

  • Doutores…. Vcs falam de evidências então vou relatar uma.
    Setembro de 2016 infartei, arteria DA ocluida 100%, antitrombolitico e cateterismo depois de 14 dias. Resultado: ateroma de 40% DA, perda de fração de ejeção (42%) e perda de ventriculo esquerdo de 27%.
    Depois de 30 dias tive dores terríveis no peito e fiquei internado no Dante para Cintilo a qual mostrou ausência de esquemia e confirmou a perda de massa ventricular esquerda. Segui com o tratamento ambulatorial de betabloqueadores, estatina, diurético, ECA, AAS e Clopidogrel.
    Apos 11 meses fui à emergência do Incor com dor no peito e sudorese fria em mãos e pés. De intensidade crescente e intervalo decrescente. Nada parecido com a dor do primeiro evento. Possivel angina instavel.
    Submetido ao Cate verificou necessidade de Angio na DA no mesmo local por oclusão de 85% da luz arterial.
    Nota: ha mais ou menos 2 meses meu quadro geral se assemelhou ao de antes do primeiro evento, com falta de ar, dores nas costas e tontura, o que levou a cardiologista que me acompanha a pedir nova Cintilo que voltou negativa. Estava aguardando o fim da carência de meu convênio para realizar um ultrassom intracoronário, porém o segundo evento impediu a espera.
    Meus exames labiratoriais são exemplares após IAM de 2016, a unica coisa que ficou foi o historico materno e o vicio do cigarro que foi abandonado no dia do infarto.

    Pergunta…

    Stent comum duplo na DA é tratamento recomendado ou deveria ser feito uma mamaria?
    É possível que essa placa era instavel e se colocado o stent lá em setembro de 2016 evitaria essa nova oclusão?
    Pq houve esse novo evento se a placa não era grande e eu fiz o tratamento recomendado?

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