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“Less is more” também na cardiologia

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Uma expressão cada vez mais usada em terapia intensiva nos últimos anos é a “Less is more”. Ela se refere ao fato de que vem se descobrindo que muitas vezes limitar o número de intervenções aplicadas ao paciente (antibióticos, sedativos, swan ganz, bloqueadores neuromusculares, etc) resulta em uma melhor evolução.

Este conceito pode ser utilizado em outras áreas de atuação, incluindo a cardiologia. O Archives of Internal Medicine desta semana mostra um caso muito ilustrativo sobre isso. Trata-se de uma mulher de 52 anos com antecedente de HAS e obesidade grau 1 que chegou a um pronto-socorro americano com uma dor torácica completamente atípica (piorava com a inspiração e com a movimentação do MSD). O ecg e os marcadores de necrose miocárdica eram normais. A dor da paciente foi classificada como de etiologia músculo-esquelética mas, “just in case”, foi solicitado uma angiotomografia de coronárias. O exame revelou presença de lesão complexa em terço proximal de DA. Devido ao achado a paciente foi submetida posteriormente a cate o qual revelou apenas irregularidades na DA. Contudo, durante o procedimento houve dissecção de aorta e de tronco de coronária esquerda. Teve que ser passado balão intra-aórtico devido a choque cardiogênico e a paciente terminou sendo submetida a revascularização miocárdica de urgência. Colocado Sf-DA e Sf-Mg.

 Após 6 meses do procedimento a pcte iniciou com quadro de angina aos esforços. Novo cate revelou lesões importantes dos enxertos venosos, sendo colocado vários stents farmacológicos para tratamento das lesões. Poucas semanas após, apesar do uso correto de aas e clopidogrel, evoluiu com trombose aguda do stent de Sf-Mg. Como consequência, teve de ser submetida a nova ATC mas terminou por cursar com choque cardiogênico refratário às medidas clínicas. A pcte precisou ser submetida a transplante cardíaco!!!!

Este caso ilustra bem como a solicitação de um exame desnecessário, “just in case”, pode deflagar uma série de consequências catastróficas. A pcte apresentava baixa probabilidade pré-teste de coronariopatia. A causa da dor torácica foi classificada claramente como músculo-esquelética. Neste cenário, a angiotc de coronárias não está indicada. O uso de testes diagnósticos nunca deve sobrepor-se ao raciocínio clínico. Mesmo testes não invasivos podem causar malefícios ao pcte. A angiotc de coronária, por exemplo, traz o risco de nefropatia por contraste além de expor o pcte a radiação. Para se ter uma idéia, um cate diagnóstico expõe o pcte a 7 mSv de radiação. Já uma angiotc, a até 15 mSv, dependendo do aparelho. Estima-se que até 2% das neoplasias malignas nos Estados Unidos atualmente sejam secundárias a radiação produzida por tomografias diagnósticas.

Referência: Becker M, Galla JM, Nissen S.  Left main trunk coronary artery dissection as a consequence of inaccurate coronary computed tomographic angiography. Arch Intern Med 2010; DOI:10.1001/archinternmed.2010.464.

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

6 comentários

  • A falta de raciocínio clínico e a dependência de exames complementares infelizmente tornaram-se rotina, mesmo em centros de “excelência” como o Incor. O maior absurdo é que a não solicitação de um determinado exame ou a não realização de uma conduta com base num raciocínio clínico bem feito é passível de críticas até pelos próprios colegas. Fica mais uma vez registrada que a boa clínica é soberana, e todo e qualquer exame tem que ser correlacionado a ela.

  • Caso muito ilustrativo de como a falta de critérios na solicitação de exames diagnósticos pode levar a consequencias catastroficas.
    Parabens LAPADA pelos belos comentários.
    É um orgulho fazer parte deste trio de residência com você e o mascotinho
    Abraços
    Fabio Mastrocolla

  • Infelizmente, a formação em centros de excelência (Incor / Dante…) seguem um padrão de cardiologia semelhante ao modelo americano fundamentado em uma realidade social e econômica distinta. Digo infelizmente pq o cinismo na frase a “Clinica é Soberana” que se vê repetida nos corredores, nas visitas e nas reuniões clínicas se reflete , por ex., nas condutas ambulatoriais de solicitar cintilografia anual para pacientes assintomáticos que tem um stent ou RM prévia…. O erro não está no exame e sim em quem solicitou…. por incompetência, medo ou auto-defesa…
    Só uma atualização… uma angiotc de coronária realizada por quem entende do método pode ser realizada com menos de 7 msV mesmo em aparelhos de geração inferior (64 canais). Uma cintilografia usa pelo menos o 20 a 50% a mais dessa dose. Uma TC protocolo TEP usa dose semelhante (6-7 msV). A dose de contraste na TC coronaria utilizada é 30 a 50% menos que a de um cate diagnóstico e 10 a 20% menor que a do protocolo TEP.
    Minimizar os riscos ao paciente depende de anamnese e EF bem realizados, indicação precisa de exames complementares e investigação bem executada (desde a aquisição até a interpretação dos exames)… qq um com senso e juízo sabe disso, principalmente qdo livre de pressões externas…
    Cuidado sempre com análises individualizadas… recentemente no PS Incor um paciente com história clínica de dor torácica atípica (considerada musculo-esquelética) e EF frustro com MNM e Dimero normal foi dispensado e retonou após 12 hs com um TEP segmentar… como o Pedro disse o médico que dispensou, mesmo guiando corretamente a investigação foi criticado por não ter complementado a investigação com a TC… errado? Ou apenas individualizado?

    • Caros,
      Antes que alguem interprete erroneamente, NÃO foi o Pedro que dispensou o paciente do TEP citado em meu comentário….

  • Excelente caso e comentarios muito pertinentes,mas vcs tem ideia o numero de TC de cranios normais ou que tem achados que não estabelecem nenhuma correlação com as queixas do pacientes no PS do HC e PS da UNIFESP que recebem os casos neurologicos com mais alta complexidade de sao paulo,pasmem 90%,temos que urgentemente rever os nossos papeis como medicos

  • Volney,

    Obviamente os métodos complementares têm tido importância crescente a medida que se tornam mais precisos, acessíveis e de menor risco. Entretanto, na minha concepção de medicina, a BOA clínica ainda é soberana. Digo BOA pois só através de uma anamnese e exame físico bem feitos e uma correlação adequada com os exames básicos (ECG, RX, LAB)que se poderá de fato definir as principais hipóteses diagnósticas e direcionar investigações complementares. Uma situação particular é a da medicina de urgência em que nem sempre se consegue uma BOA avaliação clínica (paciente mau informante com histórico desconhecido e avaliação feita por médicos em formação num ambiente tumultuado); além disso, esta área de atuação necessita decisões rápidas e não há muito espaço para dúvidas. Dessa forma, a medicina de urgência é de fato a área da medicina que mais necessita de exames complementares, mas de maneira alguma deve-se desvalorizar a clínica do paciente (ela é limitada neste cenário mas continua fundamental); um exemplo dessa necessidade, é a estatistica que o Aecio citou. Não conheci este caso que vc falou do TEP, e não lembro de nenhum caso semelhante em que a clínica bem feita não detectou (ou pelo menos suspeitou de)uma situação de gravidade (isso é raro e aí sim são casos isolados); por outro lado, tenho inúmeros exemplos de exames e intervenções desnecessárias tanto de emergência quanto eletivas em que guiou-se o tratamento única e exclusivamente por métodos complementares mal interpretados. Precisamos voltar a confiar um pouco mais na nossa avaliação clínica!
    Grande abraço e Parabéns ao Cardiopapers pelos temas abordados

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