Insuficiência Cardíaca

Maconha contraindica transplante cardíaco?

Escrito por Jefferson Vieira

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O Brasil é um dos maiores mercados consumidores de maconha do mundo. O uso de maconha em potenciais candidatos a transplante cardíaco é uma área controversa, com pouca evidência disponível para orientar a tomada de decisão sobre elegibilidade.

Duas coortes retrospectivas recentes não demostraram diferença na sobrevida de ex-usuários abstinentes submetidos a transplante hepático ou renal quando comparados a receptores que nunca usaram maconha. No entanto, o uso de maconha no paciente imunossuprimido está associado a aspergilose (entre outras infecções fúngicas), pneumonia lipoide (causada pela aspiração de partículas oleosas), além de taquicardia ventricular e miocardite. Também parece haver aumento na incidência de psicose, depressão, ansiedade, déficits cognitivos, e uso concomitante de outras substâncias (lícitas e ilícitas), gerando preocupações relacionadas à aderência após o transplante.

Canabinoides podem inibir as enzimas do citocromo P450, mais especificamente a CYP3A que está envolvida no metabolismo de inibidores da calcineurina como o tacrolimus e a ciclosporina. Além disso, também podem interferir com a glicoproteína-P, uma proteína responsável pelo transporte de fármacos pela membrana celular. A inibição da glicoproteína-P e da CYP3A pelos canabinoides predispõe a concentrações erráticas e imprevisíveis nos níveis séricos de inibidores da calcineurina (e possivelmente dos inibidores da mTor), causando toxicidade. Há até relato de intoxicação associada a goma de mascar de maconha.

As diretrizes atuais da Sociedade Internacional de Transplante de Coração e Pulmão (ISHLT) exigem abstinência de álcool e tabaco antes da listagem, mas permitem que cada centro determine seus próprios critérios para julgar a elegibilidade de usuários de maconha. Nos EUA por exemplo, em alguns estados como Califórnia, Washington, Ilinois, Arizona, Maine, Delaware, e New Hampshire, é “proibido proibir”: existem leis que proíbem especificamente a recusa de listagem com base isolada no uso de maconha. No Colorado, que foi o 1o estado americano a aprovar o uso recreativo da maconha em 2012, o checklist da candidatura envolve a aprovação do serviço social e a abstinência por 6 meses guiada pelo nível sérico de THC.

Resumindo: 

  • Na prática clínica, o uso recreativo ou medicinal da maconha não contraindica o transplante cardíaco, mas os riscos de infecção fúngica, má-adesão e principalmente intoxicação por inibidores da calcineurina devem ser pesados e discutidos de forma individualizada em cada centro.

DeFilippis EM, Givertz MM. Marijuana use and candidacy for heart transplantation. J Heart Lung Transplant. 2019 Jun;38(6):589-592.

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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