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Assunto extremamente frequente entre cardiologistas. Até 17% dos pacientes que recebem um stent precisam ser submetidos a algum tipo de cirurgia nos 12 meses que se seguem ao procedimento. Mas e aí? O que eu faço? Suspendo o AAS e o segundo antiagregante (inibidores da P2Y12 como clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel)? Suspendo a cirurgia?
Bem, para escolher a melhor conduta, temos que definir 2 pontos principais:
1- qual o risco do stent trombosar
2- qual o risco do paciente sangrar por causa da cirurgia
Para definir o risco do stent trombosar, temos a seguinte tabela, criada por um consenso de cardiologistas europeus.
Determinação de risco trombótico |
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Baixo risco (<1% em 30 dias) | Risco moderado (1%-5% em 30 dias) | Alto risco (>5% em 30 dias) |
>4 semanas após angioplastia com balão | >2 semanas e < 4 semanas após angioplastia com balão | < 2 semanas após angioplastia com balão |
>6 meses após angioplastia com stent não farmacológico | >1 meses e < 6 meses após angioplastia com stent não farmacológico | < 1 mês após angioplastia com stent não farmacológico |
>12 meses com stent farmacológico | >6 meses e < 12 meses após angioplastia com stent farmacológico | < 6 meses após angioplastia com stent farmacológico |
> 12 meses após angioplastia complexa com stent farmacológico (stent longo, múltiplos stents, vasos finos, bifurcações, lesão de tronco, vaso derradeiro) | < 12 meses após angioplastia complexa com stent farmacológico (stent longo, múltiplos stents, vasos finos, bifurcações, lesão de tronco, vaso derradeiro) | |
< 6 meses após angioplastia devido à trombose de stent |
De forma análoga, para definir o risco do paciente vir a ter sangramentos devido ao procedimento cirúrgico, temos a seguinte tabela:
Determinação de risco de sangramento durante cirurgias |
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Baixo risco | Risco moderado | Alto risco | |
Cirurgias em geral | Hernioplastia, colecistectomia, apendicectomia, colectomia, gastrectomia parcial, ressecção intestinal, cirurgia de mama, cirurgia de mão, artroscopia, cistoscopia, ureteroscopia | Hemorroidectomia, esplenectomia, gastrectomia, cirurgia bariátrica, ressecção retal, tireoidectomia, prótese de ombro/joelho/pé/coluna, biópsia prostática, orquiectomia | Hepatectomia, duodenopancreatectomia, fratura de quadril, fratura de fêmur proximal, neferectomia, cistectomia,ressecção transuretral de neoplasia de bexiga, ressecção transuretral de próstata, prostatectomia |
Cirurgia vascular | Endarterectomia de carótida, by-pass de mmii, reparo endovascular de aneurisma de aorta, amputação de membros | Cirurgia aberta de aorta abdominal | Cirurgia aberta torácica ou toracoabdominal |
Cirurgia cardíaca | Mini toracotomia, TAVI transapical, cirurgia, cirurgia de revascularização miocárdica, troca valvar | Reoperação, endocardite, cirurgia de revascularização miocárdica em paciente que já fez angioplastia a qual não resolveu o problema, dissecção de aorta |
Por fim, juntando esses dois dados, chegamos à conduta a ser tomada em relação ao antiplaquetário:
Conduta em relação à dupla antiagregação plaquetária antes de cirurgias | |||
Risco de trombose |
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Risco de hemorragia | Baixo risco | Risco moderado | Alto risco |
Baixo risco | Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia | Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser postergada – Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia | Postergar cirurgia. Se a cirurgia não puder ser postergada – continuar o AAS e o inibidor do P2Y12 durante o perioperatório |
Risco moderado | Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia | Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser postergada – Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia | Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser adiada – continuar o AAS; suspender o inibidor de P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia. Considerar ponte com medicação IV de curta duração. |
Alto risco | Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia | Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser postergada – Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia | Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser adiada – continuar o AAS; suspender o inibidor de P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia. Considerar ponte com medicação IV de curta duração. |
Exemplificando: paciente há 3 meses realizou ATC de coronária direita com stent não farmacológico devido à IAM sem supra de ST estando em uso de aas + clopidogrel desde então. Iniciou com quadro de sangramento digestivo e EDA diagnosticou câncer gástrico. Equipe cirúrgica diz que a neoplasia tem perspectiva de cura com a realização de gastrectomia. E aí? O que fazer? Vamos definir o risco de trombose de stent e o risco de sangramento com a cirurgia. Observando as tabelas, vemos que o risco de trombose é moderado (stent não farmacológico colocado há mais de 1 mês mas há menos de 6 meses). O risco de sangramento também é moderado. Qual a conduta recomendada pelo artigo? Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser postergada – Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia. A cirurgia pode ser postergada? Não parece interessante deixar um paciente com câncer gástrico esperando 3 meses para operar. Isso poderia retirar suas chances de cura da doença. Então, a opção mais prática parece ser suspender o clopidogrel 5 dias antes da cirurgia, manter o AAS e operar o paciente. Após a cirurgia, se não houver complicações hemorrágicas significantes, o clopidogrel pode ser retornado, com dose de ataque, após 1 a 3 dias do procedimento cirúrgico (individualizar a decisão em conjunto com a equipe cirúrgica a depender do procedimento).
OBS: lembrar que há alguns tipos de cirurgia em que recomenda-se suspender o aas de toda forma devido ao risco proibitivo de sangramento. São elas: neurocirurgia, cirurgias intramedulares e ressecção transuretral de próstata.
OBS 2: Não tinham feito um estudo em que se mostrou que tanto fazia suspender ou não aas antes de cirurgias não cardíacas? Sim. Trata-se do estudo POISE-2. Já falamos dele aqui e voltaremos a comentá-lo em maiores detalhes em um futuro próximo. Resumindo, menos de 5% dos pctes deste estudo possuíam stent. Assim, seus resultados são de pequena valia neste subgrupo de pacientes.
Referência: Banerjee et al. Use o antiplatelet therapy/DAPT for post-PCI patients undergoing noncardiac surgery. J Am Coll Cardiol 2017.