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Meu paciente com stent vai fazer uma cirurgia: o que eu faço com os antiplaquetários?

Escrito por Eduardo Lapa

Esta publicação também está disponível em: Português

Assunto extremamente frequente entre cardiologistas. Até 17% dos pacientes que recebem um stent precisam ser submetidos a algum tipo de cirurgia nos 12 meses que se seguem ao procedimento. Mas e aí? O que eu faço? Suspendo o AAS e o segundo antiagregante (inibidores da P2Y12 como clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel)? Suspendo a cirurgia?

Bem, para escolher a melhor conduta, temos que definir 2 pontos principais:

1- qual o risco do stent trombosar

2- qual o risco do paciente sangrar por causa da cirurgia

Para definir o risco do stent trombosar, temos a seguinte tabela, criada por um consenso de cardiologistas europeus.

Determinação de risco trombótico

Baixo risco (<1% em 30 dias) Risco moderado (1%-5% em 30 dias) Alto risco (>5% em 30 dias)
>4 semanas após angioplastia com balão >2 semanas e < 4 semanas após angioplastia com balão < 2 semanas após angioplastia com balão
>6 meses após angioplastia com stent não farmacológico >1 meses e < 6 meses após angioplastia com stent não farmacológico < 1 mês após angioplastia com stent não farmacológico
>12 meses com stent farmacológico >6 meses e < 12 meses após angioplastia com stent farmacológico < 6 meses após angioplastia com stent farmacológico
> 12 meses após angioplastia complexa com stent farmacológico (stent longo, múltiplos stents, vasos finos, bifurcações, lesão de tronco, vaso derradeiro) < 12 meses após angioplastia complexa com stent farmacológico (stent longo, múltiplos stents, vasos finos, bifurcações, lesão de tronco, vaso derradeiro)
  < 6 meses após angioplastia devido à trombose de stent

De forma análoga, para definir o risco do paciente vir a ter sangramentos devido ao procedimento cirúrgico, temos a seguinte tabela:

Determinação de risco de sangramento durante cirurgias

Baixo risco Risco moderado Alto risco
Cirurgias em geral Hernioplastia, colecistectomia, apendicectomia, colectomia, gastrectomia parcial, ressecção intestinal, cirurgia de mama, cirurgia de mão, artroscopia, cistoscopia, ureteroscopia Hemorroidectomia, esplenectomia, gastrectomia, cirurgia bariátrica, ressecção retal, tireoidectomia, prótese de ombro/joelho/pé/coluna, biópsia prostática, orquiectomia Hepatectomia, duodenopancreatectomia, fratura de quadril, fratura de fêmur proximal, neferectomia, cistectomia,ressecção transuretral de neoplasia de bexiga, ressecção transuretral de próstata, prostatectomia
Cirurgia vascular Endarterectomia de carótida, by-pass de mmii, reparo endovascular de aneurisma de aorta, amputação de membros Cirurgia aberta de aorta abdominal Cirurgia aberta torácica ou toracoabdominal
Cirurgia cardíaca Mini toracotomia, TAVI transapical, cirurgia, cirurgia de revascularização miocárdica, troca valvar Reoperação, endocardite, cirurgia de revascularização miocárdica em paciente que já fez angioplastia a qual não resolveu o problema, dissecção de aorta

Por fim, juntando esses dois dados, chegamos à conduta a ser tomada em relação ao antiplaquetário:

Conduta em relação à dupla antiagregação plaquetária antes de cirurgias

Risco de trombose

Risco de hemorragia Baixo risco Risco moderado Alto risco
Baixo risco Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser postergada – Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia Postergar cirurgia. Se a cirurgia não puder ser postergada – continuar o AAS e o inibidor do P2Y12 durante o perioperatório
Risco moderado Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser postergada – Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser adiada – continuar o AAS; suspender o inibidor de P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia. Considerar ponte com medicação IV de curta duração.
Alto risco Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser postergada – Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser adiada – continuar o AAS; suspender o inibidor de P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia. Considerar ponte com medicação IV de curta duração.

Exemplificando: paciente há 3 meses realizou ATC de coronária direita com stent não farmacológico devido à IAM sem supra de ST estando em uso de aas + clopidogrel desde então. Iniciou com quadro de sangramento digestivo e EDA diagnosticou câncer gástrico. Equipe cirúrgica diz que a neoplasia tem perspectiva de cura com a realização de gastrectomia. E aí? O que fazer? Vamos definir o risco de trombose de stent e o risco de sangramento com a cirurgia. Observando as tabelas, vemos que o risco de trombose é moderado (stent não farmacológico colocado há mais de 1 mês mas há menos de 6 meses). O risco de sangramento também é moderado. Qual a conduta recomendada pelo artigo? Postergar cirurgia eletiva. Se a cirurgia não puder ser postergada – Continuar AAS; suspender inibidor do P2Y12. Retornar a medicação com dose de ataque após 24-72h da cirurgia. A cirurgia pode ser postergada? Não parece interessante deixar um paciente com câncer gástrico esperando 3 meses para operar. Isso poderia retirar suas chances de cura da doença. Então, a opção mais prática parece ser suspender o clopidogrel 5 dias antes da cirurgia, manter o AAS e operar o paciente. Após a cirurgia, se não houver complicações hemorrágicas significantes, o clopidogrel pode ser retornado, com dose de ataque, após 1 a 3 dias do procedimento cirúrgico (individualizar a decisão em conjunto com a equipe cirúrgica a depender do procedimento).

OBS: lembrar que há alguns tipos de cirurgia em que recomenda-se suspender o aas de toda forma devido ao risco proibitivo de sangramento. São elas: neurocirurgia, cirurgias intramedulares e ressecção transuretral de próstata.

OBS 2: Não tinham feito um estudo em que se mostrou que tanto fazia suspender ou não aas antes de cirurgias não cardíacas? Sim. Trata-se do estudo POISE-2. Já falamos dele aqui e voltaremos a comentá-lo em maiores detalhes em um futuro próximo. Resumindo, menos de 5% dos pctes deste estudo possuíam stent. Assim, seus resultados são de pequena valia neste subgrupo de pacientes.

Referência: Banerjee et al. Use o antiplatelet therapy/DAPT for post-PCI patients undergoing noncardiac surgery. J Am Coll Cardiol 2017.

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

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