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Miocardite, saindo do habitual…

Escrito por Renata Ávila

Esta publicação também está disponível em: Português

A miocardite representa uma gama de alterações clínicas e histológicas que ocorrem durante processos inflamatórios no coração. Durante este processo, ocorrem alterações no número e na função de linfócitos e macrófagos no miocárdio e lesões mediadas por anticorpos. Tais reações imunológicas levam a alterações estruturais e funcionais nos cardiomiócitos.

As manifestações clínicas da doença são bastante variáveis, podendo abranger formas subclínicas, como dilatação e disfunção ventricular assintomática, ou mesmo manifestações clínicas agudas de insuficiência cardíaca descompensada, choque cardiogênico, dor precordial, palpitações, síncope, ou lipotimia, e morte súbita. Nas formas agudas com dor torácica, esta pode se manifestar de modo similar à dor anginosa, com achados semelhantes aos de uma síndrome coronariana aguda, incluindo alterações no eletrocardiograma e elevação dos marcadores de necrose miocárdica.

A miocardite pode ter causas infecciosas e não infecciosas sendo a forma mais prevalente secundária à infecção viral. As causas não infecciosas são relativamente incomuns, entretanto, podem apresentar uma morbimortalidade significativa, podendo apresentar-se com insuficiência cardíaca fulminante ou aguda, que é frequentemente associada a arritmias ventriculares ou bloqueios cardíacos. Devendo, portanto, serem lembradas.

Dentre estas causas não infecciosas, encontra-se a miocardite eosinofílica que é uma forma de inflamação do miocárdio caracterizada por infiltração eosinofílica que promove a liberação de mediadores agressivos ao miócito, levando à necrose e perda da estrutura miocárdica, e muitas vezes acompanhada por eosinofilia periférica. O grau de eosinofilia periférica e infiltração do miocárdio é dependente da condição subjacente, bem como o grau e duração da exposição eosinofílica. As principais etiologias que apresentam associação com a miocardite eosinofílica são hipersensibilidade medicamentosa, síndrome hipereosinofílica e a granulomatose eosinofílica com poliangeíte (Churg- Strauss).

A biópsia endomiocárdica leva ao diagnóstico definitivo, mas na prática clínica a maioria dos diagnósticos de miocardite são de suspeição diagnóstica, pois somente a minoria dos pacientes são submetidos a investigação por biópsia endomiocárdica para confirmação da agressão inflamatória.

Um estudo publicado recentemente no JACC, fez um análise de 179 casos de miocardite eosinofílica comprovados histologicamente com o objetivo de determinar a prevalência de condições sistêmicas associadas, descrever a apresentação clínica, diagnóstico e estratégias de tratamento. Os principais sintomas na apresentação foram dispneia (58%) e dor torácica (40%). Com relação a etiologia foi observado que a hipersensibilidade foi a condição mais frequentemente relatada (34,1%), seguido por granulomatose eosinofílica com poliangeíte (Churg-Strauss) em 12,8%, síndrome hipereosinofílica (8,4%) e outras causas (8,9%) atribuíveis a infecção por Toxocara canis, gravidez, malignidades, overdose de clozapina e relacionados ao transtorno imune (Síndrome de Omenn). Em 35,7% não foi encontrado uma condição associada e a miocardite eosinofíca foi classificada como idiopática ou indefinida. Todos os pacientes apresentaram aumento de troponina na admissão enquanto a eosinofilia periférica foi detectada em 72,9%. Observou-se presença de trombo endocavitário em 12,3% dos pacientes. Como tratamento a grande maioria (77%) recebeu corticoides apesar de que nenhum ensaio clínico testou a eficácia dos esteroides em pacientes com miocardite eosinófica, tendo respaldo pela condição associada. Durante a internação 22,3% dos pacientes evoluíram para óbito, demonstrando a gravidade da doença.

As drogas que mais frequentemente foram associadas ao desenvolvimento de miocardite eosinofíca por hipersensibilidade foram antibióticos (principalmente tetraciclinas e beta-lactâmicos), agentes do sistema nervoso central (clozapina e carbamazepina) e vacinas.

Um dado interessante, foi que nos pacientes que realizaram ressonância magnética cardíaca o padrão de realce tardio encontrado apresentava acometimento subendocárdico, achado não habitual nos quadros de miocardites (vide post). Sendo a grande maioria com coronárias normais pela cineangiocoronariografia, estudo realizado devido ao padrão de acometimento endocárdico objetivando descartar causa coronariana, e alguns relatos de vasculite e trombose coronariana.

COMENTÁRIOS:

– O estudo relatado chama atenção para uma entidade nosológica com uma alta taxa de mortalidade precoce que muitas vezes é negligenciada por médicos e cardiologistas.

– A ausência de eosinofilia periférica que pode ser observada em alguns casos de miocardite eosinofílica, provavelmente contribui para o subdiagnóstico.

– A presença não irrelevante de trombos endocavitários poderia apoiar o papel de anticoagulação durante a fase aguda de pacientes com miocardite eosinofílica.

– Ensaios clínicos e registros internacionais são necessários para aumentar a consciência sobre esta condição e melhorar a taxa de sobrevida dos pacientes.

Referência:

  1. Brambatti M, Matassini MV, Ammirati E , et al. Eosinophilic Myocarditis. J Am Coll Cardiol. 2017: 2363–75.

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Sobre o autor

Renata Ávila

Residência em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Título de Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Tomografia e Ressonância cardiovascular pelo InCor/FMUSP
Médica do setor de Tomografia e Ressonância Cardíaca da Rede D'Or São Luiz:
- Hospital Esperança
- Hospital Esperança Olinda

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