Hipertensão arterial sistêmica

Mito ou verdade: paracetamol pode causar elevação de pressão arterial?

Escrito por Remo Holanda

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Em pacientes com hipertensão, é sabido que diversos medicamentos podem ocasionar descontrole dos níveis pressóricos, como  os anti-inflamatórios não hormonais (AINHs)1. Uma alternativa tradicionalmente segura de analgésico aos AINHS nos pacientes hipertensos seria o paracetamol. Entretanto, um recente estudo publicado no periódico Circulation por MacIntyre e cols. questiona tal segurança2. Teria o paracetamol o potencial de aumentar a pressão arterial?

No estudo PATH-BP (Paracetamol in Hypertension–Blood Pressure), os investigadores randomizaram 110 pacientes com hipertensão para paracetamol 1 grama 4 vezes ao dia versus placebo. Pacientes com PA ≥ 150 x 95 mmHg foram excluídos, assim como indivíduos portadores de doença cardíaca isquêmica, insuficiência cardíaca e doença cerebrovascular. O estudo empregou um desenho chamado de crossover, em que cada paciente é exposto a ambos os braços de tratamento (paracetamol ou placebo) sequencialmente, havendo depois a troca (ou seja, quem começou recebendo placebo migra para o grupo paracetamol e vice-versa), após um período de washout de duas semanas para eliminar completamente o efeito do tratamento. Nesse caso, o paciente é randomizado para a sequência, ou seja, metade começa tomando paracetamol seguido de placebo, enquanto a outra metade segue o caminho oposto. Tal tipo de estudo é feito para aumentar a eficiência estatística, ao permitir menor tamanho amostral.

O estudo comparou as diferenças médias de PA sistólica diurna na monitorização ambulatorial de pressão arterial (MAPA) de 24 h após 2 semanas de tratamento  com cada intervenção. O paracetamol resultou em um aumento da pressão arterial sistólica de 4,7 mmHg (intervalo de confiança de 95% 2,9 a 6,6; p < 0,0001) em relação ao placebo. Um comportamento semelhante foi observado na PA diastólica, com incremento médio de 1,6 mmHg (IC 95% 0,1 a 3,1; p = 0,031). O que estes resultados sugerem e como aplicá-los na prática clínica?

Em primeiro lugar, é preciso observar com calma se o estudo obedece aos preceitos metodológicos adequados. Em todo ensaio clínico randomizado, temos de observar o que chamamos de as “vacas sagradas”.   A primeira diz respeito ao modo como os pacientes são “sorteados” para um dos tratamentos. O correto é que não seja possível prever para qual grupo o paciente vai ser alocado antes de ele entrar no estudo. Tal princípio é chamado de princípio da alocação sigilosa.  No estudo PATH-BP, este princípio foi adequadamente respeitado. A segunda “vaca sagrada” é a análise por intenção de tratar, em que o paciente deve ser analisado no grupo ao qual foi randomizado, independentemente de ter sido aderente ao tratamento ou não. Nesse ponto, ponto positivo também para os investigadores. Apesar de terem verificado não aderência ao protocolo em alguns pacientes por meio da dosagem sanguínea de paracetamol, os investigadores não excluíram estes pacientes da análise. Apenas os pacientes que não completaram as medidas de MAPA foram excluídos (mas nesse caso, o impacto foi pequeno nos resultados do estudo, devido à pequena quantidade dessas exclusões, 7 ao total). A terceira “vaca sagrada” é o cegamento (ou mascaramento), o qual  preconiza que as pessoas aferindo o desfecho do estudo (neste caso, a MAPA-24 h) não devem saber que tratamento o paciente está recebendo. Como o estudo foi duplo-cego, ou seja, nem pacientes nem pesquisadores sabiam se estava sendo administrado o medicamento ou placebo, este princípio também foi devidamente respeitado.

Apesar de o estudo, portanto, ser bem conduzido e válido em suas conclusões, algumas ponderações devem ser feitas sobre a aplicabilidade de seus resultados (termo denominado validade externa). Primeiramente, a dose de paracetamol utilizada (4 gramas por dia) é superior àquela habitualmente usada na prática clínica (embora seja a dose máxima preconizada na bula do paracetamol, no Brasil). Em segundo lugar, não podemos concluir, com base nos dados do estudo, se tal aumento se reflete obrigatoriamente em um aumento de risco de complicações cardiovasculares, como infarto e AVC. Baseado em estudos prévios, um aumento de 5 mmHg na pressão arterial sistólica já seria suficiente para levar a  um aumento de 10% na ocorrência destas complicações, mas futuros estudos ainda deverão esclarecer se o paracetamol é seguro ou não em pacientes com hipertensão. Por enquanto, sugere-se cautela quando se prescrevem indiscriminadamente analgésicos aos pacientes hipertensos, pois nem o bom e velho paracetamol é tão inocente quanto se achava.

REFERÊNCIAS

  1. Grossman A, Messerli FH, Grossman E. Drug induced hypertension–An unappreciated cause of secondary hypertension. Eur J Pharmacol. 2015 Sep 15;763(Pt A):15-22
  2. MacIntyre IM, Turtle EJ, Farrah TE, Graham C, Dear JW, Webb DJ; PATH-BP (Paracetamol in Hypertension–Blood Pressure) Investigators*. Regular Acetaminophen Use and Blood Pressure in People With Hypertension: The PATH-BP Trial. Circulation. 2022 Feb 8;145(6):416-423.
  3. Blood Pressure Lowering Treatment Trialists’ Collaboration. Pharmacological blood pressure lowering for primary and secondary prevention of cardiovascular disease across different levels of blood pressure: an individual participant-level data meta-analysis. Lancet. 2021 May 1;397(10285): 1625-1636.

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Remo Holanda

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