Coronariopatia

Monoterapia com ticagrelor após angioplastia coronária: desdobrando os resultados

Escrito por Humberto Graner

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Qual a melhor estratégia de tratamento antiplaquetário num paciente submetido à angioplastia coronária? Esta é a pergunta para a qual ainda não temos uma resposta em definitiva. Se, por um lado, o conceito de dupla terapia antiplaquetária (DAPT) tem sido desafiado nos últimos anos, por outro, resultados conflitantes dos ensaios clínicos são explicados, em parte, por diferenças nos desenhos dos estudos, nos perfis de risco dos pacientes, nas estratégias de DAPT e nos tipos de stents implantados.

Para um grupo específico de pacientes de alto risco submetidos à angioplastia coronária, manter apenas o ticagrelor após 3 meses de DAPT reduziu as taxas de sangramento, sem aumentar a incidência de morte ou infarto do miocárdio. Estes foram os resultados principais do estudo TWILIGHT, publicado em 2019.

No congresso do ACC 2020, duas sub-análises do TWILIGHT foram apresentadas e publicadas simultaneamente no JACC.

A primeira delas trata-se de uma análise pré-especificada, cujo objetivo era avaliar os resultados da mesma estratégia em pacientes diabéticos submetidos à intervenção coronária percutânea (ICP). Após 3 meses, nos quais todos receberam ticagrelor associado à aspirina, os pacientes foram randomizados para continuarem o tratamento com DAPT ou ticagrelor isoladamente. Pacientes diabéticos corresponderam a 37% (n=2620) da coorte original.  De modo geral, eles apresentavam mais fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão e dislipidemia, além de maior prevalência de doença multiarterial. Comparada com a terapia antiplaquetária dupla, a monoterapia com ticagrelor reduziu o risco de sangramento  clinicamente relevante (6,7% versus 4,5%, respectivamente; HR 0,65; IC 95% 0,47-0,91; p = 0,012), sem aumentar o número de eventos isquêmicos. Não houve interação significativa entre a presença de diabetes e o grupo de tratamento com relação aos desfechos primários de sangramento ou isquêmicos.

O outro estudo apresentado foi, na verdade, uma análise post-hoc do TWILIGHT. Desta vez, o objetivo era avaliar o efeito da monoterapia com ticagrelor versus ticagrelor + aspirina em pacientes submetidos à ICP complexa.

O que os autores chamaram de angioplastia complexa?

  • Angiplastia de tronco de coronária esquerda
  • Tratamento de 3 vasos diferentes
  • ≥3 lesões tratadas
  • comprimento total do stent >60 mm (52% de todos os casos)
  • bifurcação com 2 stents implantados
  • uso de dispositivos de aterectomia
  • Angioplastia de enxerto de cirurgia cardíaca
  • Oclusão total crônica como lesão-alvo

Nesses pacientes, o ticagrelor em monoterapia foi associado à incidência significativamente menor de sangramentos maiores (BARC 2, 3 ou 5): 4,2% versus 7,7%; HR 0,54; IC95% 0,38 – 0,76). Não houve diferenças significativas entre os grupos em relação à morte, infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral, tampouco trombose do stent.

Por fim, na mesma sessão em que foram apresentados estes dois estudos derivados do TWILIGHT, também tivemos os resultados do estudo TICO. Neste, pacientes com síndromes coronarianas agudas submetidos à ICP com um stent específico – stent ultrafino de polímero biodegradável eluído em sirolimus -, a monoterapia com ticagrelor após 3 meses de DAPT foi superior à terapia padrão de DAPT por 12 meses. A monoterapia com Ticagrelor foi eficaz na prevenção de eventos isquêmicos e hemorrágicos dentro de um desfecho composto de benefício líquido.

Qual a mensagem final?

Os resultados originais do TWILIGHT já indicavam que DAPT por 3 meses seguido de monoterapia com ticagrelor resultaria em menos sangramento quando comparado com DAPT estendida em pacientes de alto risco submetidos à ICP. Esses resultados foram consistentes mesmo nos subgrupos de pacientes com diabetes mellitus ou naqueles submetidos à ICP complexa. De modo semelhante, embora envolvendo pacientes com SCA, não selecionados, e com um tipo específico de stent, os resultados do TICO foram na mesma direção.

Manter apenas o inibidor P2Y12 é um caminho interessante que você pode seguir após 3 meses de DAPT. Achados semelhantes também haviam sido observados com o clopidogrel nos estudos SMART-CHOICE e STOPDAPT-2.

Algumas lacunas em aberto ainda:

  • Como tratar pacientes do IAM COM supra de ST, não incluídos no estudo?
  • Quais são os resultados se tivermos um braço de aspirina em monoterapia após 3 meses?

Ainda assim, essas descobertas são interessantes e ajudam a avançar na compreensão da duração e do tipo ideal de agente antiplaquetário pós-ICP, e podem influenciar diretrizes futuras.

Referências:

Angiolillo DJ, Baber U, Sartori S, et al. Ticagrelor With or Without Aspirin in High-Risk Patients With Diabetes Mellitus Undergoing Percutaneous Coronary Intervention. J Am Coll Cardiol 2020;Mar 30:[Epub ahead of print].

Dangas G, Baber U, Sharma S, et al. Ticagrelor With Aspirin or Alone After Complex PCI: The TWILIGHT-COMPLEX Analysis. J Am Coll Cardiol 2020;Mar 30:[Epub ahead of print].

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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