Coronariopatia Prevenção

Mudança de paradigma no tratamento do diabetes mellitus?

Escrito por Eduardo Lapa

Esta publicação também está disponível em: Português

Diabetes mellitus (DM) é reconhecidamente um fator de risco para doenças cardiovasculares (DCV). Cerca de 80% dos óbitos em pctes com DM sâo devido a DCV. Assim, a busca de medicações que controlem o DM e levem à redução do risco chamado macrovascular (coronariopatia, avc, etc) sempre foi grande. Contudo, até o ano passado, as evidências de que medicações hipoglicemiantes orais reduziam risco macrovascular eram escassas. Basicamente havia uma análise secundária de longo prazo do trial UKPDS que revelava benefício no seguimento de 10 anos de pctes que foram randomizados originalmente para estratégia de controle glicêmico mais rígido.

Eis então que em 2015 foi publicado o trial EMPA-REG OUTCOME que avaliou o papel da medicação empaglifozina na redução do risco cardiovascular em pacientes com DM2.

O que faz a medicação? Ela é um inibidor do cotransportador de sódio e glicose 2. O que isto significa? Resumindo, ela diminui a reabsorção de glicose no rim, o que faz com que mais glicose seja eliminada na urina levando, por sua vez, à diminuição da glicose no sangue. Além disso, há evidência que a medicação tem outras ações como diminuir a pressão arterial e aumentar o colesterol HDL.

Qual o principal efeito colateral da medicação? Aumentar a incidência de infecções do trato urinário e da região genital devido ao aumento de glicose nestes locais o que predispõe à proliferação bacteriana.

Como foi o desenho do estudo? Estudo randomizado, duplo-cego, controlado. Definiu-se que o trial seria conduzido até o momento que houvesse eventos cardiovasculares em ao menos 691 pacientes.

Quais foram os principais critérios de inclusão?

Pctes com DM2, >18 anos, IMC < 45, ClCr> 30 mL/min, COM DOENÇA CARDIOVASCULAR MANIFESTA, hemoglobina glicada > 7%

Quais os grupos estudados? Os pacientes eram divididos em 3 grupos: um recebia plavebo, outro empaglifozina 10 mg e um terceiro, empaglifozina 25 mg. O resto do tratamento (tratamento de dislipidemia, hipertensâo arterial, etc) era igual nos 3 grupos.

Qual foi o endpoint premário do estudo? Desfecho composto tradicionalmente avaliado em trials de cardiologia – morte por causas cardiovasculares + IAM não fatal + AVC não fatal.

QUAIS FORAM OS RESULTADOS ENCONTRADOS?

  • 7020 pacientes foram randomizados.

  • Tempo médio de tratamento de 2,6 anos e tempo médio de seguimento de 3,1 anos.

  • Houve diminuição de desfecho no grupo empaglifozina – 10,5% x 12,1%.

  • Houve também diminuição de mortalidade cardiovascular (de 5,9% para 3,7%) e de mortalidade geral (de 8,3% para 5,7%).

  • Não houve diferença de IAM e nem de AVC

  • Houve diminuição de internações por insuficiência cardíaca

  • Não houve diferença relevante de desfechos quando comparou-se as duas doses de empaglifozina.
  • Houve discreto aumento de sepse de foco urinário no grupo empaglifozina (0,4% x 0,1%).
  • A HbA1c foi 0,35 menor no grupo da empaglifozina.

  • OPINIÕES PESSOAIS

    • Trial definitivamente relevante. Trata-se da primeira vez que uma medicação hipoglicemiante diminuiu desfechos cardiovasculares como endpoint primário em um trial.

    • A cada 39 pacientes tratados com a medicação, previniu-se uma morte cardiovascular. Tal efeito é considerado de relevante impacto.

    • A principal dúvida em relação ao trial é: como a medicação diminuiu morte por eventos cardiovasculares sem ter alterado a incidência de IAM ou de AVC? Outras medicações que mostraram nas últimas décadas reduzir o risco de morte cardiovascular como anti-hipertensivos, aspirina, estatinas ou o ticagrelor (este no contexto de síndrome coronariana aguda) o fizeram às custas de diminuição de um dos dois componentes. Qual mecanismo explicaria a redução de mortalidade no EMPA-REG? Isto não está ainda bem definido.
    • Tais achados podem ser extrapolados para todos os pacientes diabéticos? Não. Os pacientes do trial eram de prevenção secundária (doença cardiovascular estabelecida). Isto faz com que o risco de morte seja maior e, portanto, magnifica os benefícios do tratamento. Os achados do estudo não podem ser extrapolados para pctes diabéticos sem doença cardiovascular manifesta.

    • Não se sabe se os efeitos mostrados no estudo são exclusivos na empaglifozina ou se podem ser extensivos a outras medicações da mesma classe. Os trials CANVAS e DECLARE-TIMI 58 vão poder responder isto.
    • Há ainda a questão do custo. A medicação, já disponível no Brasil, custa cerca de 150 a 220 reais por mês (valores vistos em sites de internet). Obviamente isto é um fator limitante para boa parte dos pacientes.
    • O estudo vai mudar os guidelines de DM? Possivelmente.

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

2 comentários

  • Só uma dúvida:
    Os pacientes que não estavam recebendo empaglifozina, portanto , recebendo placebo, não estavam com a diabetes controlada, não é???
    Essa DM “menos controlada” não poderia estar ocasionando essa maior mortalidade??

    • Carlos, os pacientes do grupo placebo usavam o tratamento padrão para diabetes mellitus. Exemplo: metformina + sulfonilureia + insulina. Os do grupo empaglifozina usavam o tratamento padrão + a medicação nova. No final das contas o segundo grupo teve uma hemoglobina glicada cerca de 0,3 pontos inferior ao grupo padrão. Provavelmente isto não explica a redução de mortalidade já que várias outras drogas que reduzem a HbA1c não mostraram diminuição de desfecho. Sempre que se avaliar um hipoglicemiante oral novo é inevitável que o grupo submetido à nova droga tenha um controle glicêmico um pouco melhor que o padrão.

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