Semiologia

O estetoscópio está com os dias contados?

Escrito por Eduardo Lapa

Esta publicação também está disponível em: Português

Na capa do nosso Guia de Bolso de Clínica Médica podemos ver a foto de um médico auscultando um paciente. Esta imagem vai ser desconhecida pelos estudantes de medicina em 5, 10 ou 20 anos? A pergunta é feita já há muitos anos tendo ficado ainda mais pertinente após o lançamento de aparelhos portáteis de ultrassom que permitem ao examinador ver em detalhes, à beira do leito, o que está ocorrendo dentro do corpo do paciente. Seria uma forma mais objetiva de chegar a vários diagnósticos nos quais muitas vezes o exame físico simplesmente não possui a acurácia necessária.

Falando sobre este assunto, o Dr Valentim Fuster escreveu recentemente um excelente editorial no JACC. Resumindo, ele defende que a ideia de aposentar o estetoscópio é completamente errada. Alguns argumentos:

1- Há varias situações clínicas em que a ausculta cardíaca pode dar informações complementares ao ecocardiograma. Ele cita alguns exemplos, como:

– paciente com dor torácica respiratório dependente e com atrito pericárdico audível ao exame físico mas que o eco não detectou derrame pericárdico, possivelmente por se tratar de uma pericardite em estágio inicial

– paciente com dispneia em que o exame físico mostra de forma nítida uma B2 hiperfonética em foco pulmonar indicando assim hipertensão pulmonar enquanto que o eco, devido à ausência de refluxo tricúspide, não pode calcular a pressão sistólica em artéria pulmonar.

2- não é incomum haver discordância entre a apresentação clínica do paciente e o laudo de um ecocardiograma. Nestes casos, é o discernimento clínico que irá orientar a realização do mesmo exame com um operador diferente ou a solicitação de outro tipo de exame (ex: rnm cardíaca). Para isto, o médico deve confiar no seu exame físico

3- apesar de nos Estados Unidos vários estudantes já receberem treinamento para USG durante a faculdade, este costuma ser superficial e orientado para detectar achados mais grosseiros (ex: disfunção sistólica relevante de ventrículo esquerdo ou derrame pericárdico relevante). Achados mais sutis necessitam de um treinamento prolongado que geralmente está acessível a poucas pessoas.

4- Por mais que os aparelhos portáteis de USG baixem de preço, é pouco provável que estejam disponíveis a todos os médicos

O autor cita ainda outros motivos mas recomendo a leitura do artigo na íntegra.

Na minha opinião, certamente o estetoscópio não será aposentado tão cedo. Como ecocardiografista posso citar mais dois exemplos práticos:

1- muitas vezes é difícil detectar casos de CIV pós IAM pelo eco já que não é incomum que o defeito nestes casos seja constituído por pequenos furos no miocárdio, lembrando uma peneira, ao contrário dos casos de CIV congêntia que normalmente se apresentam como um orifício único e de maior tamanho. Assim, já vi em mais de uma situação o ecocardiografista não ver a CIV em uma avaliação rápida á beira do leito mas o cardiologista clínico insistir com a hipótese devido ao sopro típico e, após avaliação mais cuidadosa, o ecocardiografista determinar a presença da CIV

2- em algumas situações é difícil para o ecocardiografista conseguir determinar com precisão o fluxo através da valva aórtica em casos de estenose aórtica. O ecocardiografista dize nestes casos que não está conseguindo “abrir a aorta” de forma adequada. Isto pode levar a uma subestimação dos gradientes e, assim, da gravidade da estenose aórtica. Nestes casos, o achado no exame físico de sinais de gravidade da valvopatia como pulso parvus e tardus ou pico tardio do sopro devem levar o examinador a continuar tentando uma imagem mais adequada e assim não laudar de forma uma estenose aórtica grave como moderada.

Por estas e outras, muitos ecocardiografistas costumam auscultar rotineiramente os seus pacientes antes da realização do exame de imagem.

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

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