Arritmia Coronariopatia Hemodinâmica

Paciente com FA submetido à angioplastia: o que fazer em relação a antiplaquetários e anticoagulantes?

Escrito por Eduardo Lapa

Esta publicação também está disponível em: Português

Já falamos previamente sobre este tema neste post. No final de 2016 foi publicado em grande trial especificamente sobre este assunto. Trata-se do Pioneer, publicado no New England Journal of Medicine.

Contexto:

  • Até 8% dos pctes submetidos à angioplastia coronária (ATC) possuem fibrilação atrial (FA)
  • Em pacientes que são submetidos à implante de stent, o uso de terapia antiplaquetária dupla (DAPT) diminui o risco de trombose do dispositivo quando comparado ao aas isolado ou em associação com a varfarina (estudo STARS que nós já resumimos aqui).
  • Por outro lado, em pacientes com FA e CHADS alto, a anticoagulação diminui mais o risco de AVCI do que o aas isolado ou a DAPT.
  • OK. Então se pego um paciente com ATC recente e FA, melhor usar então a terapia tripla (anticoagulante + DAPT), certo? O problema é que esta terapêutica traz grande risco de sangramento, acometendo até 1 em cada 10 pacientes no seguimento de 1 ano.
  • Será que um esquema intermediário usando um anticoagulante novo (NOAC) em associação com 1 antiplaquetário poderia trazer menor risco de sangramento sem deixar o paciente desprotegido em relação aos fenômenos trombóticos? Este foi o racional do estudo Pioneer AF-PCI.

Objetivo principal do trabalho:

  • Comparar, em pacientes com FA não-valvar que foram submetidos recentemente à ATC com stent, o risco de sangramento de 3 esquemas terapêuticos diferentes: rivaroxaban 15 mg.d + inibidor P2Y12 (clopidogrel, prasugrel ou ticagrelor)  OU rivaroxaban 2,5 mg 2xd + DAPT OU varfarina + DAPT.

Detalhes metodológicos

  • Ensaio clínico randomizado, multicêntrico, controlado, open-label (ou seja, pctes e médicos sabiam qual era o tratamento adotado)
  • Os pacientes eram randomizados em até 72 horas da realização da ATC
  • Já na randomização o pesquisador definia qual era o inibidor P2Y12 que seria usado e, nos grupos que iriam usar DAPT, se a mesma seria usada por 1, 6 ou 12 meses.
  • Os pacientes foram igualmente divididos nos 3 grupos de tratamento (trial 1:1:1)
  • Grupo 1 – usava rivaroxaban 15 mg.d por 1 ano (ou 10 mg.d se ClCr entre 30 e 50 mL/min) + um inibidor P2Y12 também por 1 ano. Atenção – após a randomização este grupo não fazia mais uso de aspirina.
  • Grupo 2 – usava terapia tripla (rivaroxaban 2,5 mg 12/12h + DAPT) por um período que poderia ser de 1, 6 ou 12 meses. Se fosse por 1 ou 6 meses, após isto o pcte ficava em uso de rivaroxaban 15 mg.d + aas 75-100 mg.d até 1 ano.
  • Grupo 3 – usava terapia tripla (varfarina com o objetivo de manter INR entre 2-3 + DAPT) por um período que poderia ser de 1, 6 ou 12 meses. Se fosse por 1 ou 6 meses, após isto o pcte ficava depois em uso de varfarina (INR entre 2-3) + aas 75-100 mg.d até 1 ano.
  • Endpoint primário – desfecho combinado de sangramento menor ou maior pelo critério TIMI ou qualquer sangramento que levasse o paciente a procurar assistência médica.
  • Endpoint secundários – vários, entre os quais a ocorrência de eventos cardiovasculares combinados (morte + infarto + avc) assim como trombose de stent.
  • 2124 pacientes foram randomizados. Entre 21% e 29% dos pacientes de cada grupo pararam o tratamento antes de completar o seguimento do trial.
  • O clopidogrel foi a P2Y12 usado em mais de 93% dos casos.
  • Cerca de 2/3 dos stents implantados foram farmacológicos e 1/3, bare-metal.

Resultados

  • Nos 2 grupos que usaram rivaroxaban, o sangramento ficou em 16,8% e 18%, respectivamente. Já no grupo da varfarina, chegou a 26,7%.
  • Em relação aso desfechos compostos cardiovasculares, as taxas foram similares ficando ao redor de 6% (especificamente, 6,5%, 5,6% e 6% nos grupos 1, 2 e 3, respectivamente).

Opiniões pessoais:

  • Este trial encerra de vez a questão de que esquema terapêutico devemos usar em pacientes com FA e indicação de anticoagulação que são submetidos à ATC? Não! A principal pergunta que temos neste cenário é: se usarmos um esquema com apenas 2 drogas (ex: NOAC + clopidogrel) o risco de eventos cardiovasculares é similar ao da terapia considerada padrão (terapia tripla?). Isto não foi respondido por este trial. Mas como assim? Você não acabou de colocar na parte dos resultados que os desfechos cardiovasculares foram similares? Sim. Mas neste caso tais dados foram desfechos secundários. Isto apenas levanta hipóteses, não confirma nada. Para o trabalho ter poder estatístico para mostrar que o tratamento seria igual ou melhor que a terapia tripla, os próprios pesquisadores citam na discussão que o n teria que ser de mais de 40.000 pacientes!!! Ou seja, um trabalho 20 vezes maior que o atual.
  • Os resultados mostrados era razoavelmente esperados. Era esperado que um regime com 2 drogas que podem causar sangramento iria causar menos hemorragias que outro esquema com 3 drogas.
  • Então quer dizer que o estudo não adianta de nada? Obviamente que adianta. Primeiro, avaliou o uso de NOAC neste contexto. O outro trial importante sobre o assunto (o WOEST que resumimos aqui) usava apenas varfarina. Segundo, o n deste estudo é quase 4 vezes maior que o do WOEST. Terceiro, a própria terapêutica tida como padrão-ouro (terapia tripla) nunca foi validada adequadamente em um clinical trial grande. Ou seja, toda informação nova de boa qualidade neste campo é útil.
  • No momento há pelo menos outros 3 grandes trials avaliando o papel dos NOACs em pctes com FA submetidos à ATC. Nenhum deles possui o n necessário para mostrar não-inferioridade dos esquemas novos x a terapia tripla. Contudo, é possível que uma metanálise destes dados todos consiga chegar a um resultado final.

Referência: Gibson CM et al. Prevention of Bleeding in Patients with Atrial Fibrillation Undergoing PCI. N Eng J Med 2016. 

 

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

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