Coronariopatia

Posso desescalonar a dupla antiagregação do meu paciente?

Escrito por Remo Holanda

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Em pacientes com uma síndrome coronária aguda (SCA), as diretrizes recomendam o uso da dupla anti-agregação plaquetária (DAP) com aspirina mais um bloqueador do receptor P2Y12 ( o receptor de ADP na plaqueta), como clopidogrel, prasugrel ou ticagrelor, por pelo menos um ano1. Entretanto, não se sabe ainda qual destes três regimes é o melhor, por quanto tempo cada um deles deve ser utilizado, em que dose, e em qual perfil de pacientes.

Diante destas questões, uma elegante meta-análise publicada por Shoji e cols. no Journal of the American College of Cardiology procurou trazer esclarecimentos a estas perguntas2. Os autores analisaram os resultados combinados de 15 ensaios clínicos randomizados, abrangendo um total de 55.798 pacientes tratados com diversos regimes de DAP. Foi utilizado um desenho de comparação indireta de grupos chamado de network meta-analysis. O uso da abordagem de desescalonamento, ou seja, uso de DAP com aspirina mais ticagrelor ou prasugrel no 1º mês, seguido de aspirina mais clopidogrel ou dose baixa de prasugrel, se associou a uma redução significativa de sangramento em relação às demais estratégias (DAP com clopidogrel, DAP com ticagrelor, ou DAP com prasugrel, com hazard ratios 0,48 [IC 95% 0,30-0,77], 0,32 [IC 95% 0,20-0,52], e 0,36 [IC 95% 0,24-0,55], respectivamente  ). Além disso, o desescalonamento aparentemente não se associou a um aumento de eventos isquêmicos (infarto, AVC ou morte cardiovascular), ou seja, o benefício terapêutico pareceu ser preservado.

O que estes achados podem nos ajudar na nossa prática clínica? Deve-se salientar que este estudo deve ser interpretado à luz de algumas limitações metodológicas importantes.

  • Em primeiro lugar, no que diz respeito ao desfecho isquêmico, havia grande heterogeneidade, tanto estatística quanto nas definições, entre os estudos. Já no desfecho de sangramento, diversas definições diferentes foram usadas entre os estudos, embora o grau de heterogeneidade estatística fosse baixo.
  • Em segundo lugar, uma redução de sangramento com a estratégia de desescalonamento em relação à DAP com aspirina mais clopidogrel não tem plausibilidade biológica, já que na primeira estratégia um regime mais potente (com prasugrel ou ticagrelor) é usado por um mês, enquanto na segunda estratégia o clopidogrel é usado desde o início. Da mesma forma, também não existe plausibilidade biológica para a estratégia de desescalonamento reduzir morte cardiovascular em relação à estratégia de DAP com prasugrel ou ticagrelor.
  • Por último, o único estudo da meta-análise que testou diretamente o desescalonamento para clopidogrel após um mês de ticagrelor ou prasugrel, o estudo TOPIC3, incluiu apenas 645 pacientes, contra os cerca de 13 mil do estudo TRITON TIMI 38, testando prasugrel versus clopidogrel4, e o PLATO, comparando clopidogrel versus ticagrelor5.

Diante dessas limitações, os achados do referido estudo devem ainda ser considerados geradores de hipótese, enquanto novos estudos confirmatórios buscam responder à questão de qual a melhor estratégia antiplaquetária pós SCA. Por exemplo, o estudo brasileiro NEO-MINDSET (NCT04360720) avaliará uma outra estratégia, a monoterapia com ticagrelor ou prasugrel versus DAP com aspirina mais ticagrelor ou prasugrel, em pacientes com SCA tratados com uma intervenção coronária percutânea (ICP)6. Por ora, nossa conduta ainda deve se basear nas diretrizes, que recomendam a DAP (preferencialmente com aspirina mais ticagrelor ou prasugrel) por pelo menos um ano pós SCA, independente da estratégia de tratamento1. Entretanto, em três situações, a estratégia de desescalonamento pode ser considerada: 1) no paciente que, por questões econômicas, não tenha acesso a um ano completo de tratamento com os novos anti-ADP; 2) no paciente cujo risco de sangramento seja percebido como muito alto a longo prazo; 3) e no paciente em que um teste genético ou de função plaquetária sugira efeito adequado do clopidogrel (lembrando que esta última estratégia não foi incluída na meta-análise, e os resultados dos estudos que avaliaram essa abordagem são ainda inconsistentes). Em conclusão, a busca pela estratégia ideal de terapia antitrombótica na SCA, que nos levará ao sweet spot entre prevenção de isquemia sem aumento de sangramento, ainda continua.

REFERÊNCIAS

  1. Nicolau JC, Feitosa Filho GS, Petriz JL, Furtado RHM, Précoma DB, Lemke W, et al. Brazilian Society of Cardiology Guidelines on Unstable Angina and Acute Myocardial Infarction without ST-Segment Elevation – 2021. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(1):181-264.
  2. Shoji S, Kuno T, Fujisaki T, Takagi H, Briasoulis A, Deharo P, Cuisset T, Latib A, Kohsaka S. De-Escalation of Dual Antiplatelet Therapy in Patients With Acute Coronary Syndromes. J Am Coll Cardiol. 2021; [Epub ahead of print].
  3. Cuisset T, Deharo P, Quilici J, Johnson TW, Deffarges S, Bassez C, Bonnet G, Fourcade L, Mouret JP, Lambert M, Verdier V, Morange PE, Alessi MC, Bonnet JL. Benefit of switching dual antiplatelet therapy after acute coronary syndrome: the TOPIC (timing of platelet inhibition after acute coronary syndrome) randomized study. Eur Heart J. 2017; 38(41): 3070-3078.
  4. Wiviott SD, Braunwald E, McCabe CH, Montalescot G, Ruzyllo W, Gottlieb S, Neumann FJ, Ardissino D, De Servi S, Murphy SA, Riesmeyer J, Weerakkody G, Gibson CM, Antman EM; TRITON-TIMI 38 Investigators. Prasugrel versus clopidogrel in patients with acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2007; 357(20):2001-15.
  5. Wallentin L, Becker RC, Budaj A, Cannon CP, Emanuelsson H, Held C, Horrow J, Husted S, James S, Katus H, Mahaffey KW, Scirica BM, Skene A, Steg PG, Storey RF, Harrington RA; PLATO Investigators, Freij A, Thorsén M. Ticagrelor versus clopidogrel in patients with acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2009; 361(11): 1045-57.

https://www.clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04360720?cond=NEO-MINDSET&draw=2&rank=1

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