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Maria, 24 anos, previamente hígida, deu entrada na emergência médica do hospital local com quadro de choque cardiogênico na 1ª semana do puerpério de sua 1ª gestação. Após estabilização inicial e diagnóstico de insuficiência cardíaca (IC) por provável cardiomiopatia periparto, Maria apresentou remodelamento reverso do ventrículo esquerdo (RRVE) com alguns meses de triplo bloqueio neuro-hormonal para IC. Agora que se encontra completamente assintomática, Maria quer saber se precisa continuar tomando esses remédios pelo resto da vida…
Tradicionalmente, especialistas em IC orientam seus pacientes a continuarem tomando as medicações, mas sem evidências para embasar essa decisão. O problema, especialmente em pacientes jovens com RRVE, é a relutância em continuar tomando medicamentos por muitos anos sem enxergar a real evidência de benefício. Isso sem contar potenciais contra-efeitos como hipotensão, bradicardia, mastalgia, disfunção erétil, etc. e a sobrecarga financeira que certos medicamentos podem representar para alguns pacientes.
Novos dados científicos sobre esse quiestionamento foram apresentados no AHA, e publicados simultaneamente no Lancet. O estudo TRED-HF avaliou 63 pacientes com RRVE após diagnóstico de cardiomiopatia dilatada (FE inicial média de 25% e etiologia idiopática na maioria dos casos), randomizados para suspensão (N=25) ou manutenção da terapia de IC (N=26). A terapia inicial consistia em 12% de diuréticos de alça, 47% de antagonistas dos receptores de mineralocorticoides, 88% de betabloqueadores e 100% de inibidores da ECA.
- A triagem inicial foi composta por avaliação clínica, questionário de qualidade de vida, ressonância magnética cardíaca, dosagem de NT pro-BNP e teste cardiopulmonar antes da randomização
- Após 6 meses, pacientes do grupo manutenção também foram submetidos à suspensão da terapia (abordagem chamada crossover de braço único) seguindo o mesmo protocolo do grupo suspensão
- O desfecho primário foi recidiva de IC definida com queda de 10% na FE (atingindo valores de FE < 50%), aumento de 10% no volume diastólico final do VE, elevação de NT pro-BNP em duas vezes (atingindo valores acima de 400ng/L) ou evidência clínica de IC
- A terapia era imediatamente reintroduzida quando o desfecho primário ocorria.
O desfecho primário de recidiva da IC foi observado em 44% dos pacientes do grupo suspensão e em nenhum paciente do grupo manutenção. Além disso, quando os pacientes do grupo manutenção foram submetidos ao crossover de braço único, o desfecho de recidiva foi observado em 36% dos indivíduos. Em resumo, aproximadamente 40% dos pacientes apresentaram recidiva da IC após a suspensão do bloqueio neuro-hormonal, indicando que os medicamentos eram absolutamente necessários na preservação da função cardíaca e da longevidade.
Nota:
Apesar do frequente uso dos termos remissão e recuperação como sinônimos de RRVE, a literatura sugere que existem diferenças entre esses dois fenômenos. Embora as diferenças biológicas não sejam completamente conhecidas, acredita-se que o termo remissão descreva a normalização do fenótipo de IC em corações que já sofreram danos irreversíveis, enquanto recuperação seria a verdadeira reversão completa.
A evidência de recidiva da IC após suspensão da terapia especializada sugere que, em uma grande parcela dos casos, o RRVE reflete apenas a remissão de uma condição crônica subjacente, mas não a recuperação. Como ainda não dispomos de preditores suficientemente robustos para diferenciar remissão de recuperação, o mais seguro é manter indefinidamente pelo menos uma das drogas de bloqueio neuro-humoral.
Excelente. Uma dúvida recorrente mesmo no ambulatório, mas acompanho em manter pelo menos um fármaco que atue no eixo da IC.