Insuficiência Cardíaca

Quais foram os principais trials do Congresso Europeu de Insuficiência Cardíaca de 2021?

Escrito por Jefferson Vieira

Esta publicação também está disponível em: Português

O Congresso de Insuficiência Cardíaca da ESC é o maior congresso mundial de especialistas para discutir estratégias de prevenção e manejo da IC. Em 2021, esse encontro ocorreu virtualmente entre os dias 29 de junho e 1° de julho. Abaixo apresentamos uma breve sinopse de alguns dos LBCT (Late-Breaking Clinical Trials) discutidos no congresso.

 

Dapagliflozina na ICFEr

Os ensaios clínicos randomizados DETERMINE-Reduced e DETERMINE-Preserved avaliaram o efeito da dapagliflozina em capacidade física e distância percorrida no teste da caminhada de 6 minutos (TC6M) de pacientes com ICFEr e ICFEp respectivamente. O DETERMINE-Reduced randomizou 313 com FEVE ≤40%, NT-proBNP ≥400 pg/ml (≥300 pg/ml se hospitalizados por IC nos últimos 12 meses, e ≥800 pg/ml se FA) e TFG ≥25 ml/min/1,73m². O DETERMINE-Preserved randomizou 504 pacientes com FEVE >40% e evidência de doença cardíaca estrutural, NT-proBNP ≥250 pg/ml (≥500 pg/ml se FA), e TFG ≥25 ml/min/1,73m². Os pacientes de ambos os ensaios precisavam estar estáveis e ter um TC6M entre 100 e 425 metros durante a fase de run-in. Em ambos os estudos, os pacientes foram randomizados para receber dapagliflozina 10mg uma vez ao dia ou placebo por 16 semanas. O desfecho primário consistiu em mudança nos domínios de sintomas e limitação física pelo questionário de qualidade de vida KCCQ e mudança na distância percorrida no TC6M no final do estudo. Pacientes com ICFEr que receberam dapagliflozina apresentaram melhora estatisticamente significante no domínio de sintomas do KCCQ, mas não no domínio de limitação física; não houve diferença significativa na mudança da distância percorrida no TC6M entre os grupos. Também não houve diferença significativa na proporção de pacientes com melhora moderada ou importante no TC6M (definida como ≥31 metros). Nos pacientes com ICFEp, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos em nenhum dos desfechos estudados.

 

Omecamtiv Mecarbil e Vericiguat na ICFEr

Subanálises dos estudos GALACTIC-HF e VICTORIA avaliaram o impacto da FA ou flutter na eficácia do tratamento com omecamtiv mecarbil ou vericiguat, respectivamente, em pacientes com ICFEr. O GALACTIC-HF avaliou pacientes com história recente de hospitalização ou visitas ao departamento de emergência por IC e demonstrou redução no desfecho composto de um evento de IC ou morte cardiovascular em pacientes com ICFEr com o omecamtiv mecarbil em comparação ao placebo. Na subanálise, a presença de FA ou flutter basal reduziu o efeito do tratamento com omecamtiv mecarbil, que teve maior benefício em pacientes com ICFEr sem FA/flutter (nesse caso, com um P de interação de 0.012). A modificação de efeito do omecamtiv mecarbil foi ainda mais acentuado em pacientes tratados com digoxina com FA/flutter. No entanto, a digoxina não modificou o efeito do tratamento em pacientes sem FA/flutter. Esses achados sugerem que devemos evitar associar digoxina e omecamtiv mecarbil nos pacientes com ICFEr e FA/flutter. Na subanálise do estudo VICTORIA, pesquisadores avaliaram a associação entre FA basal/de início recente e os efeitos do vericiguat sobre o desfecho composto de morte por causas cardiovasculares ou primeira hospitalização por IC. Diferentemente do estudo anterior, nesta subanálise não houve modificação de efeito da FA sobre os benefícios do vericiguat. A ocorrência de FA após a randomização, no entanto, foi associada a um aumento tanto na mortalidade cardiovascular quanto na hospitalização por IC, que não foi influenciado pelo vericiguat.

 

Suplementação de ferro na ICFEr

O ensaio clínico IRON-CRT, apresentado no primeiro dia do congresso e publicado simultaneamente no European Heart Journal, randomizou 75 pacientes com deficiência de ferro e ICFEr sob terapia médica otimizada após pelo menos 6 meses de terapia de ressincronização cardíaca (TRC) para receber carboximaltose férrica (CMF) ou placebo. Após 3 meses, o estudo demonstrou aumento significativamente maior da FEVE (desfecho primário) no grupo CMF. Além disso, o volume sistólico final do VE (mas não o diastólico) também melhorou no grupo CMF. Todos os pacientes no IRON-CRT estavam recebendo terapia otimizada, incluindo 50% de sacubitril-valsartan.

Uma das razões para o recrutamento de pacientes com TRC foi que em estudos anteriores indivíduos ferropênicos manifestaram menor benefício com TRC. O maior estudo sobre o assunto até o momento, o AFFIRM-AHF, falhou em demonstrar redução do desfecho primário composto de hospitalizações e morte cardiovascular, mas sugeriu uma queda significativa de 26% no total de hospitalizações por IC com suplementação de ferro. Na última atualização da diretriz brasileira de IC, a suplementação intravenosa de CMF em pacientes com ICFEr e deficiência de ferro (definida como ferritina sérica menor que 100 ng/mL ou entre 100-299 ng/mL com saturação de transferrina menor que 20%), é recomendada para aumentar a capacidade de exercício, qualidade de vida e reduzir hospitalizações. Analisado sozinho o IRON-CRT talvez tenha pouco valor, mas seus achados adicionam mais evidências sobre o mecanismo por trás dos benefícios da suplementação de ferro no remodelamento reverso da ICFEr.

Em outra sessão de LBCT, uma subanálise de custo-efetividade do AFFIRM-AHF forneceu mais detalhes sobre o custo da suplementação de ferro em pacientes com ICFEr. Usando dados dos sistemas de saúde de quatro países (Itália, Reino Unido, EUA e Suíça), os autores demonstraram que a suplementação de CMF está associada a ganhos modestos de anos de vida ajustados pela qualidade (QALY). Em outras palavras, a suplementação de ferro na ICFEr foi custo-efetiva em todos os quatro países, com as compensações do custo sendo atribuídas à redução na utilização de recursos associada a menos hospitalizações por IC.

 

Finerenona, um novo antagonista mineralocorticóide em pacientes com DRC

A finerenona é um antagonista mineralocorticoide seletivo não-esteroide (e, nesse sentido, diferente da espironolactona e do eplerenone) que possui potentes efeitos anti-inflamatórios e antifibróticos demonstrados em modelos animais. No ensaio FIDELIO-DKD, o tratamento com finerenona reduziu a progressão da doença renal crônica (DRC) em 18% e a morbimortalidade cardiovascular em 14% em comparação com o placebo, em pacientes com DRC avançada e DM2. Numa análise de subgrupo do FIDELIO-DKD, o efeito da finerenona sobre desfechos renais e cardiovasculares foi explorado em pacientes com DRC e DM2 com e sem histórico de IC. Também foram examinados o efeito da finerenona nos desfechos compostos de morte CV ou primeira hospitalização por IC e morte CV ou hospitalização recorrente por IC. No estudo, a finerenona reduziu o risco dos desfechos compostos cardiovasculares (morte CV, IAM não fatal, AVC não fatal e hospitalização por IC) e renais (insuficiência renal, diminuição sustentada da TFG ≥40% e morte de causa renal) em comparação com o placebo, independentemente da história de IC pré-existente. A incidência do desfecho composto de morte CV ou hospitalização por IC na população geral também foi menor no grupo da finerenona em comparação com o grupo do placebo, mas a diferença não atingiu significância estatística. Dados adicionais do FIGARO-DKD e do estudo FINEARTS-HF (em andamento) fornecerão uma oportunidade para examinarmos mais detalhadamente o efeito da finerenona em pacientes com IC.

 

Treinamento cognitivo na ICFEr

Levando em consideração que até 75% dos pacientes com IC apresentam algum grau de comprometimento cognitivo, o estudo CogTrain-HF avaliou o impacto de um treinamento computadorizado das funções cognitivas em pacientes com ICFEr. Os desfechos do grupo de intervenção foram comparados com um grupo sham que recebeu um treinamento de conhecimentos gerais. O grupo que recebeu o treinamento cognitivo apresentou melhora significativa na flexibilidade cognitiva, que é a capacidade de “pensar fora da caixa”, e na memória de trabalho, que é o componente cognitivo que permite o armazenamento temporário de informações. De acordo com esses resultados positivos, o treinamento cognitivo poderia ser uma nova intervenção não-invasiva na IC.

 

Betabloqueadores na ICFEp

O estudo PRESERVE-HR avaliou o impacto da suspensão de betabloqueadores sobre a capacidade funcional de pacientes com ICFEP (FEVE ≥50% e NT-proBNP >125 pg/mL) que, por alguma razão, vinham em uso de algum betabloqueador nos últimos meses. Foram excluídos pacientes que não tinham incompetência cronotrópica documentada, definida como a incapacidade de atingir níveis esperados de frequência cardíaca em resposta ao exercício. O PRESERVE-HR foi um ensaio clínico randomizado cruzado realizado em dois centros na Espanha, cujo desfecho primário foi a mudança de curto prazo no consumo máximo de oxigênio (VO2 pico) no teste cardiopulmonar e o percentual de VO2 previsto. Os desfechos secundários incluíram escores de qualidade de vida (MLHFQ), biomarcadores e parâmetros de função diastólica do VE. No estudo, 52 pacientes foram randomizados para descontinuar ou manter seus betabloqueadores por 15 dias, sendo depois cruzados (crossover) para o outro grupo. O VO2 pico e o percentual de VO2 previsto aumentaram significativamente após a retirada do betabloqueador, independente de idade, sexo, história de doença cardíaca isquêmica e presença ou ausência de FA. Os escores de qualidade de vida do MLHFQ também melhoraram significativamente.

O desenho do PRESERVE-HR é interessante porque embora não haja nenhuma evidência robusta que endosse o uso de betabloqueadores na ICFEp, é muito comum encontrarmos pacientes com essa prescrição na prática clínica, seja para controle de frequência cardíaca na FA ou para manejo de doença cardíaca isquêmica. De fato, estudos de ICFEp como o TOPCAT e o PARAGON-HF tinham mais de 75% dos pacientes tratados com betabloqueadores. Se os resultados do PRESERVE-HR forem confirmados em estudos maiores, com desfechos duros, esse achado pode ser muito importante para pacientes com ICFEp.

Qual a novidade do congresso de insuficiência cardíaca que você mais se interessou? Comenta aí para gente.

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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