Miscelânia

Quais antidiabéticos reduzem o risco cardiovascular?

Escrito por Ferdinand Saraiva

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Já falamos deste tópico neste post. Hoje abordaremos o tema em maiores detalhes. Pacientes com diabetes melito tipo 2 (DM2) e doença cardiovascular estabelecida são um grupo de risco muito elevado de novos eventos. A terapia antidiabética reduz a glicose plasmática e a hemoglobina glicada (HbA1c), e esta redução é importante para a prevenção de eventos microvasculares e progressão da aterosclerose. Entretanto, a redução de eventos cardiovasculares a curto e médio-prazo é menos estabelecida, e novas evidências sugerem que sejam fármaco-específicas e independentes da redução da HbA1c e da HbA1c basal.

1) ANTIDIABÉTICOS COM BENEFÍCIOS EM DESFECHOS CARDIOVASCULAR

Inibidores de SGLT2 (cotransportador sódio-glicose 2):

Empaglifozina: foi avaliada no estudo EMPA-REG, com 7.020 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida (76% DAC), em seguimento de 3.1 anos. Desfecho primário: MACE (morte cardiovascular, infarto do miocárdio e AVC não fatal). Foi observado uma redução de 14% no desfecho primário (NNT = 61), principalmente às custas de redução de morte cardiovascular em 38% (NNT = 45), com impacto em mortalidade por todas as causas (redução de 32%, NNT = 39). Particularmente, houve uma redução expressiva de hospitalização por insuficiência cardíaca (NNT = 72). O principal efeito adverso foi um aumento de infecção genital (NNH = 22).

Canaglifozina: foi avaliada no Programa CANVAS, que incluiu um total de 10.142 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida (66%) ou sob risco de doença cardiovascular, com seguimento médio de 2.4 anos. Desfecho primário: MACE. Houve redução de 14% no desfecho primário (NNT = 72), sem alteração significativa de mortalidade por todas as causas. Também foi observado uma redução de 33% de hospitalização por insuficiência cardíaca (NNT = 104). Em relação a eventos adversos, notou-se um aumento de amputações (NNH = 115) e infecções genitais (NNH = 14). Uma análise de fármaco-vigilância do FDA confirmou o aumento de amputações, mas o estudo OBSERVE-4D, apresentado na ADA 2018, não encontrou aumento de risco.

Aguarda-se a publicação de resultados com a Dapaglifozina (DECLARE-TIMI58) e a Ertuglifozina (VERTIS CV).

Essa classe de medicamentos deve ser usada com cautela em idosos, pelo risco de depleção de volume (principalmente nas doses maiores), e interrompida durante hospitalização para procedimentos cirúrgicos maiores e outras condições de maior gravidade, pelo risco de cetoacidose.

Agonistas do receptor GLP-1 (Glucagon-like peptide)

Liraglutida: avaliada no estudo LEADER, em que a injeção subcutânea diária foi comparada com placebo em 9.340 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida (81%) ou idade > 60 anos e pelo menos mais um fator de risco cardiovascular, em seguimento médio de 3.8 anos. Desfecho primário: MACE. Houve redução de 13% no desfecho primário (NNT = 55), com redução de 22% de morte cardiovascular (NNT = 79) e redução de 15% em morte por todas as causas (NNT = 71). As reações adversas mais importantes foram sintomas gastrointestinais (principalmente náusea, NNH = 79) e cólica biliar (NNT = 85).

Semaglutide: estudo SUSTAIN-6, comparando a injeção subcutânea semanal com placebo em 3.297 pacientes com DM2 com doença cardiovascular estabelecida (59%) ou sob risco, acompanhados por 3.8 anos. Desfecho primário: MACE. Redução do desfecho primário em 26% (NNT = 43), principalmente às custas de redução de AVC (39%, NNT = 97%). Principais reações adversas: sintomas gastrointestinais (NNH = 66) e retinopatia (NNH + 78).

Exenatide de liberação prolongada: estudo EXSCEL, comparando injeção semanal a placebo, com 14.572 pacientes com DM2 (73% dos quais com doença cardiovascular estabelecida). A redução de MACE não ultrapassou o limite da significância estatística, mas uma análise exploratória observou uma redução de 14% em mortalidade por todas as causas (NNT = 100). Houve um maior número de carcinoma papilífero de tireóide no grupo Exenatide (10 vs 4).

Lixisenatide: estudo ELIXA. Não houve benefício cardiovascular.

2) ANTIDIABÉTICOS NEUTROS PARA DESFECHOS CARDIOVASCULARES

Pioglitazona: foi comparada ao placebo em 5.238 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida no estudo PROACTIVE, com duração média do seguimento de 2.8 anos. Não houve diferença no desfecho primário composto incluindo mortalidade por todas as causas, infarto e AVC não-fatais, síndrome coronariana aguda, intervenções coronarianas e doença arterial periférica. Mas, quando olhamos para o desfecho secundário de morte cardiovascular, infarto e AVC não fatal (o “MACE”, que habitualmente é o desfecho primário), encontramos redução de 16% (NNT = 49). Houve aumento de hospitalização por IC em 40% (NNH = 62) e de edema sem insuficiência cardíaca (NNH = 12). A pioglitazona também foi testada no estudo IRIS, que incluiu 3.876 pacientes não-diabéticos, mas com resistência a insulina, e um evento cerebrovascular (AVC ou AIT nos últimos 6 meses). Nesse estudo, com seguimento de 4.8 anos, houve redução de MACE em 24% (NNT = 36) e aumento de edema (NNH = 9.3) e fraturas ósseas (NNH = 53).

Inibidores de DPP4 (Dipeptidil-peptidase 4)

Saxagliptina: foi avaliada no estudo SAVOR-TIMI 53, que incluiu 16.492 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida (78%) ou sob risco. Houve não-inferioridade para o desfecho primário de MACE no seguimento de 2.1 anos, mas acompanha por aumento de hospitalização por IC de 27% (NNH = 140), exclusivamente no primeiro ano de seguimento. Este aumento de risco não foi confirmado em estudos observacionais.

Alogliptina: investigada no estudo EXAMINE, com 5.380 pacientes com DM2 e síndrome coronariana aguda recente, em seguimento de 18 meses. Foi confirmada não inferioridade para o MACE, sem superioridade.

Sitagliptina: analisada no estudo TECOS, com 14.671 pacientes com DM2 e doença cardiovascular estabelecida, em seguimento de 3 anos. Mais uma vez, confirmada não-inferioridade, sem superioridade.

Linagliptina: aguarda publicação do estudo CAROLINA.

3) ANTIDIABÉTICOS COM ESTUDOS GERADORES DE HIPÓTESES QUANTO A BENEFÍCIOS CARDIOVASCULARES

Metformina: Os principais estudos com Metformina são antigos, bem antes da obrigatoriedade dos estudos de segurança cardiovascular do FDA. O resultado mais relevante é de um subgrupo do estudo UKPDS 34 (publicado em 1998), em que a metformina foi comparada com o tratamento convencional (que, à época, consistia de insulina e sulfonilureias) em 735 pacientes obesos com diabetes recém-diagnosticado. Foi observada redução no desfecho primário de complicações relacionadas ao diabetes (um desfecho composto que incluía desde o MACE habitual – morte cardiovascular, infarto e AVC – até complicações como retinopatia e extração de catarata) de 42% para 32%, com seguimento médio de 10 anos. Quando olhamos exclusivamente para desfechos cardiovasculares, houve uma redução de 39% de infarto do miocárdio (NNT = 16), mas sem diferença em AVC ou doença arterial periférica, e de 36% de mortalidade por todas as causas (NNT = 11).

Acarbose: o principal estudo com relação a desfechos cardiovasculares é o STOP-NIDDM, um estudo de 1.429 pacientes com pré-diabetes. Só 5% dos pacientes tinham doença cardiovascular estabelecida. No seguimento de 3.3 anos, houve uma redução de eventos cardiovasculares (desfecho secundário) em 49%, com NNT 40. O perfil de efeitos adversos foi bastante desfavorável, com um NNH de 8 para sintomas gastrointestinais. Os problemas metodológicos do estudo limitam a extrapolação dos resultados.

Sulfonilureias: Embora sejam muito utilizadas, os dados de estudos randomizados com relação a eventos cardiovasculares são muito pobres. De toda forma, promovem ganho de peso e causam hipoglicemia, dois efeitos que estão associados a aumento do risco cardiovascular.

Resumão antidiabéticos:

Estudo/Droga Follow-Up Desfecho Primário (NNT) Redução de Desfechos secundários (NNT) Redução de Mortalidade por todas as causas (NNT) Reações adversas (NNH)
EMPAREG Empaglifozina 3.1 anos Sim (61) Morte cardiovascular (45), Hospitalização por IC (72) Sim (39) Infecção genital (22), desidratação, cetoacidose
CANVAS Canaglifozina 2.4 anos Sim (72) Hospitalização por IC (104) Não Amputação (115), Infecção genital (14)
LEADER Liraglutida 3.8 anos Sim (55) Morte cardiovascular (75) Sim (71) Reação cutânea local (233), náusea (79), cólica biliar (85)
SUSTAIN-6 Semaglutide 2.1 anos Sim (45) AVC não-fatal (79) Não Retinopatia (78), Náuseas (66)
EXSCEL

Exenatide

3.2 Não Não Em análise exploratória (100) Carcinoma papilífero de tireoide
ELIXA Lixisenatide 2.1 Não Não Não Náuseas (27)
PROACTIVE

Pioglitazona

2.9 Não Composto de morte, infarto e AVC não-fatal (49) Não Aumento de hospitalização por IC (62), edema sem IC (12)
SAVOR-TIMI 53

Saxagliptina

2.1 Não Não Não Aumento de hospitalização por IC (140)
EXAMINE

Alogliptina

2.1 Não Não Não NR
TECOS

Sitagliptina

2.1 Não Não Não NR
UKPDS 34

Metformina

10.7 Sim (11) IAM não-fatal (16) Sim (11) NR
STOP-NIDDM

Acarbose

3.3 Sim (40) IAM não-fatal (62) NR Efeitos adversos gastrointestinais (8)

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Sobre o autor

Ferdinand Saraiva

Residência em Clínica Médica e Cardiologia pelo Hospital Universitário Onofre Lopes/UFRN.
Plantonista da UTI do Hospital Promater e do Pronto-Atendimento do Hospital Rio Grande.

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