Insuficiência Cardíaca

Qual o mecanismo de cardioproteção das gliflozinas?

Escrito por Jefferson Vieira

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Os inibidores da SGLT2, ou gliflozinas, reduzem a reabsorção renal de glicose ao inibir o cotransportador sódio-glicose 2 no túbulo proximal do néfron. A Empagliflozina (Jardiance®), a Canagliflozina (Invokana ®) e a Dapagliflozina (Forxiga®) reduziram o risco composto de morte cardiovascular ou hospitalização por IC em pacientes com DM2 em 3 grandes ensaios clínicos randomizados, EMPA-REG, CANVAS e DECLARE-TIMI 58, respectivamente.

Embora o mecanismo exato de benefício das gliflozinas na IC não seja totalmente conhecido, é improvável que se justifique apenas por glicosúria, diurese osmótica, controle glicêmico ou controle pressórico. No EMPA-REG, por exemplo, as diferenças no controle glicêmico foram mínimas entre os grupos que receberam empagliflozina e placebo, e não houve redução significativa no número de infartos ou AVCs que justificassem um controle pressórico excepcional.

Uma das hipóteses que explica o mecanismo de cardioproteção das gliflozinas envolve a modulação metabólica da obtenção de energia miocárdica, chamada de ‘‘fuel hypothesis’’. Ou seja, em condições normais, o coração usa predominantemente ácidos graxos livres para a síntese e obtenção de energia, com a produção aproximada de 4x mais ATP do que a glicólise. No entanto, a oxidação de ácidos graxos necessita de um consumo de oxigênio 10 a 15% maior para produzir a mesma quantidade de ATP. Como o oxigênio é um substrato restrito na IC, a glicólise torna-se a via metabólica de eleição.

Um recente estudo publicado no JACC testou a ‘‘fuel hypothesis’’ através de um modelo porcino de IC isquêmica em que 14 porcas não-diabéticas foram randomizadas para empagliflozina ou placebo por 2 meses após infarto induzido por oclusão percutânea da DA. No estudo, as porcas foram avaliadas com ressonância magnética e eco tridimensional, com coleta simultânea de sangue da artéria coronária e do seio coronariano para análise do metabolismo miocárdico e amostras miocárdicas para avaliação molecular. Porcas não infartadas serviram para comparação. Nas porcas que receberam empagliflozina houve maior produção de energia miocárdica e menor captação de glicose. O consumo de mais corpos cetônicos, ácidos graxos livres e aminoácidos de cadeia ramificada foi demonstrado pelo aumento na captação desses substratos e da atividade das enzimas que os metabolizam. Apesar da lesão isquêmica ter sido inicialmente similar nos 2 grupos, as porcas que receberam empagliflozina apresentaram menor dilatação ventricular, maior fração de ejeção e melhor perfil de ativação neuro-hormonal após os 2 meses.

Os autores concluem que a empagliflozina pode ter otimizado a eficiência do trabalho cardíaco ao deslocar a utilização da energia da glicose para outros metabólitos mais energéticos.

Vale lembrar que esse é um estudo pré-clinico e com uma amostra muito pequena, que serve somente como gerador de hipóteses para estudos maiores.

Além disso, como foi mencionado na carta editorial que acompanha o artigo, esse estudo não pode determinar se a melhora da função ventricular foi causa ou consequência da readaptação metabólica e nem explica de que forma a glicosúria se associa com essa readaptação.

De qualquer forma, os achados deste estudo aumentam a expectativa por grandes trials com gliflozinas na IC, como os EMPEROR-REDUCED e EMPEROR-PRESERVED em andamento.

Santos-Gallego CG, et al “Empagliflozin ameliorates adverse left ventricular remodeling in nondiabetic heart failure by enhancing myocardial energetics” J Am Coll Cardiol 2019, 73 (15) 1931-1944; DOI: 10.1016/j.jacc.2019.01.056.

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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