Hipertensão arterial sistêmica

Quem disse que tratar pressão diastólica acima de 90 mmHg é benéfico?

Escrito por Eduardo Lapa

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Em novembro de 2017 foi publicado o novo guideline americano de HAS o qual detalhamos neste post. Uma das controvérsias levantadas pelo documento foi o fato de ter reduzido a meta de controle dos níveis de pressão arterial diastólica (PAD) de 90 mmHg para 80 mmHg. Vamos discutir em maiores detalhes este guideline em outros posts. Este post se dedicará a responder uma pergunta: quem foi que disse, pela primeira vez, que valia a pena tratar pacientes com PAD acima de 90 mmHg? A evidência surgiu de um estudo publicado no JAMA em 1970. O mesmo grupo que publicou este artigo já havia mostrado 3 anos antes que o tratamento de pacientes com PAD entre 115 mmHg e 129 mmHg trazia benefícios.

Detalhes metodológicos

  • Ensaio clínico que avaliou 523 pacientes com PAD entre 90 mmHg e 129 mmHg para 2 grupos: placebo ou tratamento anti-hipertensivo. O grupo de 143 pacientes com PAD entre 115 mmhg e 129 mmHg terminou sendo interrompido precocemente após 3 anos do início devido à grande diferença de eventos entre os grupos (27 eventos no grupo placebo x 2 eventos no grupo tratamento). Os outros 380 pacientes com PAD entre 90 mmHg e 114 mmHg entraram nesta publicação que estamos mencionando hoje.
  • Os pacientes que eram randomizados para o grupo tratamento recebiam uma de duas medicações: comprimido de hidroclorotiazida 50 mg + 0,1 mg de reserpina 2xd ou hidralazina 25 mg 3xd. Esta última podia ser aumentada para 50 mg 3xd caso a PAD não ficasse abaixo de 90 mmHg no seguimento.
  • Os pacientes foram seguidos por um tempo médio de 3,2 anos.

Resultados

  • Houve redução de eventos cardiovasculares (CV) tanto fatais quanto não fatais no grupo tratamento.
  • Em relação a mortes de origem CV houve 19 eventos no grupo controle x 8 no grupo tratamento.
  • Em relação a eventos não fatais (ex: insuficiência cardíaca, AVCI, dissecção de aorta) houve 16 eventos no grupo controle x 1 no grupo tratamento.
  • A grande diferença em relação a eventos se deu às custas de redução de AVCI e de insuficiência cardíaca no grupo tratamento. Já em relação a eventos coronarianos, os mesmos ocorreram de forma similar nos 2 grupos, apesar de menos eventos fatais terem surgido no grupo tratamento.
  • Pacientes com PAD pré-randomização mais elevada tiveram mais benefício com o tratamento farmacológico.

Opiniões pessoais:

  • É muito comum incorporarmos certos conceitos em medicina sem questionar de onde surgiram as evidências que justifiquem tal conduta. Esse aqui é um bom exemplo. Qualquer estudante de medicina sabe que o nível de PAD classicamente usado para definir HAS é ≥ 90 mmHg mas poucos cardiologistas sabem citar a fonte que gerou este cutoff. Sempre é interessante revisitarmos estes trabalhos clássicos para solidificar conceitos e para poder discutir e argumentar adequadamente quando mudanças de paradigmas como as do novo guideline de HAS são sugeridas. Não devemos simplesmente aceitar o que os guidelines dizem. Há inúmeros exemplos de guidelines que sugeriram condutas que após pouco tempo foram revistas. O uso de dronedarona como droga preferencial para controle de ritmo na FA e de uso em larga escala de betabloqueadores para reduzir risco de pacientes em pré-op de cirurgia não cardíaca são exemplos recentes.
  • Mais um estudo que mostra que o grande benefício do tratamento de HAS é redução de AVCI.
  • As curvas de eventos já se distanciaram precocemente, com menos de 1 ano de tratamento, mostrando que o benefício do tto com anti-hipertensivos manifestou-se de forma precoce.
  • Sabe aquela história de diuréticos tiazídicos podem causar diabetes, dislipidemia, etc? Pois é. Ela surgiu desta época em que se usava doses muito elevadas da medicação. Percebam que a dose de hcz usada no grupo tratamento era de 100 mg.d, muito longe dos 12,5-25 mg.d que usamos atualmente. Com as doses usadas atualmente, os riscos de complicações metabólicas é bem baixo.

Referência: Effects of treatment on morbidity in hypertension. II. Results in patients with diastolic blood pressure averaging 90 through 114 mm Hg. JAMA. 1970;213:1143-52.

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

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