Miscelânia

Rivaroxabana ou enoxaparina no pós-operatório de cirurgias ortopédicas de membros inferiores?

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português Español

O risco de tromboembolismo venoso (TEV) – trombose venosa profunda ou embolia pulmonar – após cirurgias ortopédicas é alto e está associado a complicações a longo prazo, incapacidade funcional, e até mesmo morte. Não existe dúvidas sobre a profilaxia com anticoagulante após a artroplastia total do quadril ou joelho, ou correção de fratura do quadril, para reduzir esse risco.

Por outro lado, não há consenso quanto à profilaxia em pacientes submetidos a cirurgia ortopédica dos membros inferiores consideradas “menores”. Estes procedimentos também resultam em mobilidade reduzida transitória e tem um risco de TEV de aproximadamente 3%. Este risco é ainda maior na presença de fatores de outros fatores de risco, como idade, obesidade, comorbidades, ou TEV prévio. As diretrizes atuais diferem muito nas recomendações de profilaxia para estes casos. Ao passo em que os americanos tendem a ser mais conservadores, não indicando profilaxia farmacológica, europeus recomendam heparina de baixo peso molecular durante o período de imobilidade para aqueles que possuem risco adicional para TEV.

No pós-operatório de artroplastia total de joelho ou quadril, a profilaxia com rivaroxabana resulta em menor risco de TEV e morte por qualquer causa quando comparada com a enoxaparina. Para avaliar o uso da rivaroxabana na prevenção de TEV em outras cirurgias ortopédicas do membro inferior, foi realizado o estudo PRONOMOS (Prophylaxis in Nonmajor Orthopaedic Surgery), cujos resultados foram recentemente apresentados no ACC 2020 e publicados simultaneamente no NEJM.

Vejamos as características metodológicas deste estudo:

  • Ensaio clínico multicêntrico internacional, randomizado, duplo-cego, de não inferioridade
  • Pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas de membros inferiores consideradas não-grandes, com risco aumentado de TEV segundo avaliação do investigador.
  • Randomizados para receberem rivaroxabana 10mg/dia + injeção SC de placebo OU enoxaparina 40mg/dia + placebo por via oral.
  • A profilaxia deveria durar o tempo da imobilização, e variou para cada paciente.
  • Desfecho primário de eficácia: TVP distal ou proximal sintomática, embolia pulmonar, morte relacionada a TEV durante o tratamento, ou TVP proximal assintomática no final do tratamento.
  • Desfecho de segurança: sangramento maior ou clinicamente relevante.
  • Um teste de superioridade era previsto caso rivaroxabana se mostrasse não-inferior à enoxaparina.

Foram incluídos 3604 pacientes, sendo 1809 no grupo rivaroxabana e 1795 no grupo enoxaparina. A mediana de idade era de 41 anos, 66% eram homens, e a mediana do IMC foi 26,3 kg/m2. A presença de comorbidades como diabetes (3,9%), doença arterial coronária (2,8%), ou uso de hormônio contraceptivo (2,7%) foi baixa. Quase 60% fizeram a profilaxia por 2 semanas a 1 mês, e menos de 3% o fizeram por mais de 2 meses.

O desfecho primário ocorreu em 4 de 1661 pacientes (0,2%) no grupo rivaroxabana, e em 18 de 1640 pacientes (1,1%) no grupo enoxaparina (razão de risco 0,25, IC95% 0,09 – 0,75; p<0,001 para não inferioridade e p=0,01 para superioridade).

A incidência de sangramento não alterou significativamente entre os grupos (1,1% e 1,0%, respectivamente, para sangramento maior ou clinicamente relevante).

Os autores concluem que a rivaroxabana foi mais eficaz que a enoxaparina na prevenção de eventos tromboembólicos venosos durante um período de imobilização após cirurgias ortopédicas dos membros inferiores não consideradas como maiores, com segurança comparável.

Embora tenha sido baixa a incidência de eventos tromboembólicos nestes pacientes submetidos à profilaxia farmacológica (não havia um grupo 100% placebo que pudesse corroborar ou comparar a estratégia americana, por exemplo), a rivaroxabana conseguiu ainda assim reduzir ainda mais esse risco. Mesmo o estudo tendo sido interrompido prematuramente, antes de incluir os 4400 pacientes inicialmente planejados, a superioridade da rivaroxabana nesse cenário pode ser observada, mesmo sob baixa incidência de eventos. Aliás, por conta disto, não foi possível análises exploratórias de subgrupos. Como a inclusão de pacientes “de maior risco para TEV” ficou a critério do investigador, talvez o próximo passo aqui seria realmente identificar objetivamente esses pacientes, ou seja, aqueles que possam se beneficiar ainda mais dessa estratégia.

Referência:

Samana CM, Laporte S, Rosencher N, et al. Rivaroxaban or Enoxaparinin Nonmajor Orthopedic Surgery. NEJM 2020;

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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