Coronariopatia

Angioplastia coronariana + fibrilação atrial: o que fazer? Terapia tripla? Dupla?

Escrito por Gabriel Assis

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É relativamente frequente a ocorrência de Síndrome Coronariana Aguda (SCA) em pacientes com fibrilação atrial (FA). O pilar para o tratamento da SCA consiste na inibição plaquetária, que atualmente é feita com a administração de aspirina (AAS) associada a um inibidor da P2Y12, normalmente clopidogrel ou ticagrelor. Já a FA requer o uso de anticoagulante oral, tradicionalmente a varfarina ou, mais recentemente, os novos anticoagulantes orais. Apesar de agirem em pontos distintos da cascata da coagulação, todas estas medicações têm como principal efeito colateral a ocorrência de sangramento. A princípio, pacientes com FA e SCA devem receber o tratamento destinado para cada doença em separado, o que é denominado terapia antitrombótica tripla. Entretanto, o benefício da diminuição da geração de trombo, seja atrial ou coronariano, seria menor que o de sangramentos importantes com esta terapia?

O WOEST trial, publicado na revista Lancet em 2013 foi o estudo mais importante na tentativa de responder esta pergunta. Trata-se de um trabalho randomizado, não cego, que incluiu 573 com indicação de anticoagulação que foram submetidos à angioplastia coronária.(1) Os pacientes foram divididos em 2 grupos: o primeiro tratado com terapia dupla (clopidogrel e varfarina) e o segundo com terapia tripla (AAS, clopidogrel e varfarina). O desfecho primário foi a ocorrência de sangramento no seguimento de 1 ano e, o secundário, um combinado de desfecho cardiovascular. A maior parte dos pacientes (70%) usava varfarina devido à fibrilação atrial e 25-30% eram agudos (síndrome coronariana aguda). Os autores mostraram que a ocorrência de qualquer sangramento foi maior no grupo “terapia tripla”, principalmente gástrico e hematomas na pele, mas não houve diferença na incidência do desfecho cardiovascular combinado. Com base nesses achados, o grupo acredita que não seria necessário o uso de AAS em pacientes submetidos à angioplastia coronária em uso de anticoagulante oral.

Algumas ressalvas são necessárias antes que estas conclusões sejam colocadas em prática. Primeiramente, o estudo foi não cego e grande parte dos sangramentos foi relatado pelo próprio paciente. A gravidade do sangramento, quando classificada pelo TIMI e GUSTO, foi secundária a episódios não maiores, mas pela classificação de BARC houve maior incidência de sangramentos maiores (classe 3) em pacientes submetidos à terapia tripla. Mais importante ainda foi a escolha do desfecho primário: ocorrência de qualquer sangramento. Com este desenho, não é possível avaliar diferenças na ocorrência de eventos cardiovasculares. Para esta finalidade, seria necessário um número muito maior de pacientes, como comumente ocorre nos estudos envolvendo terapia antiplaquetária atual. Como exemplo, o estudo OASIS-5 incluiu 20.078 pacientes, o OASIS-7 recrutou 25.086 e o PLATO, 18.624.(2-4) Além disso, a definição de infarto pós angioplastia utilizada  na época era diferente, o que pode ter superestimado a ocorrência desta complicação em ambos os grupos, com consequências imprevisíveis.

Entretanto, outros estudos de menor relevância, como o do banco de dados Dinamarquês, encontraram resultados que indicam que o uso de antiplaquetários talvez não seja essencial quando do uso de anticoagulantes.(5) Vale ressaltar que este estudo incluiu pacientes com doença arterial coronariana estável não submetidos à angioplastia. Logo, perfis de paciente diferentes, mas que, talvez, reforcem a ideia de que o uso da varfarina seria suficiente para evitar a formação de trombo quando da instabilização da placa coronariana.

Levando esses dados em consideração, as diretrizes americanas mais atuais de síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento de segmento ST recomendam que a terapia antitrombótica tripla deva ser mantida pelo menor tempo possível após a realização de angioplastia, para minimizar o risco de sangramento. O RNI deve mantido na faixa terapêutica mais baixa (entre 2,0 e 2,5) e sugere-se associar omeprazol para diminuir a chance de sangramento gastrointestinal. Entretanto, todas essas recomendações baseiam-se em opiniões de especialistas e valem apenas quando do uso do clopidogrel associado a AAS e varfarina. Não há estudos com o ticagrelor ou os novos anticoagulantes orais Os médicos devem avaliar as particularidades de cada caso, como progressão acelerada da doença coronariana, trombose de stent e risco de sangramento.(6)

Referências:

  1. Dewilde WJ, Oirbans T, Verheugt FW, Kelder JC, De Smet BJ, Herrman JP, et al. Use of clopidogrel with or without aspirin in patients taking oral anticoagulant therapy and undergoing percutaneous coronary intervention: an open-label, randomised, controlled trial. Lancet. 2013;381(9872):1107-15.
  2. Yusuf S, Mehta SR, Chrolavicius S, Afzal R, Pogue J, Granger CB, et al. Comparison of fondaparinux and enoxaparin in acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2006;354(14):1464-76.
  3. Mehta SR, Bassand JP, Chrolavicius S, Diaz R, Eikelboom JW, Fox KA, et al. Dose comparisons of clopidogrel and aspirin in acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2010;363(10):930-42.
  4. Wallentin L, Becker RC, Budaj A, Cannon CP, Emanuelsson H, Held C, et al. Ticagrelor versus clopidogrel in patients with acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2009;361(11):1045-57.
  5. Lamberts M, Gislason GH, Lip GY, Lassen JF, Olesen JB, Mikkelsen AP, et al. Antiplatelet therapy for stable coronary artery disease in atrial fibrillation patients taking an oral anticoagulant: a nationwide cohort study. Circulation. 2014;129(15):1577-85.
  6. Amsterdam EA, Wenger NK, Brindis RG, Casey DE, Ganiats TG, Holmes DR, et al. 2014 AHA/ACC guideline for the management of patients with non-ST-elevation acute coronary syndromes: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2014;130(25):e344-426.

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Gabriel Assis

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